A exposição ComCiência, que a artista plástica australiana Patricia Piccinini apresenta no Centro Cultural Banco do Brasil, até tem desenhos, vídeos e pinturas. Mas são esculturas e instalações criadas a partir de criaturas, ao mesmo tempo simpáticas e esquisitas, postas em ambientes domésticos, ao lado de crianças, que roubam a cena. E a mistura de hiper-realismo e surrealismo vem fazendo o sucesso da mostra. Trata-se de um olhar sobre as interações entre humano, natureza e máquina, interrogando, de forma delicada, sobre o presente e o futuro.
“O que eu gostaria é que as pessoas experimentassem o sentimento de fascínio e, às vezes, também de repulsa que as obras trazem. Entre o encantamento e a rejeição existe um espaço onde as pessoas podem se alojar, se emocionar e pensar sobre as obras”, argumenta Patricia Piccinini, registrando o sentimento paradoxal que as esculturas despertam. “São personagens inspirados na natureza”, explica. A artista evita nomes, biografias, explicações etc., já que, para ela, o mais importante é a conexão que as imagens estabelecem com o espectador.
Fantasias e fantasmas trazidos pela engenharia genética também constituem intertextos das obras. “Não julgo a tecnologia, pois ela faz parte da nossa vida e é o nosso futuro”, conta. “Sempre mudamos a natureza ao nosso redor, agora de forma mais profunda e intensa”, observa. A artista considera que a tecnologia pode ser aliada na luta em defesa do meio ambiente. E afirma que a questão ambiental é um tema pensado especialmente para os jovens, pois o que está em questão é o futuro deles.
“Os temas que estou tratando não são simples”, justifica Piccinini. “O que define o que é natural e artificial? Como nos relacionamos com o que é diferente? Que transformações estamos produzindo na natureza? Essas são questões que me interessam”, afirma. “Busco imagens que coloquem para o público questões complexas”, diz, explicando que os trabalhos são produtos de desenhos, leituras e pesquisa. “É um trabalho figurativo, mas, na essência, conceitual, já que tudo começa na minha cabeça”, conta, avisando que o realismo é só uma pequena parte da proposta.
Para Patricia, trata-se, ainda, de uma linguagem que alude ao realismo social dos anos 1920, especialmente autores que pontuaram o elemento dramático do cotidiano. “Me identifico também com certos aspectos do surrealismo, como a abertura para o improvável e para a dimensão do extraordinário”, acrescenta. O sucesso no Brasil (onde a mostra foi vista por 1 milhão de pessoas) deve-se “talvez por ser um lugar de coração mais aberto e com mais facilidade de aceitar as suas emoções”. Ela suspeita, ainda, que a forte presença da natureza cobra mais reflexão sobre o tema do que em lugares onde tal aspecto não tem a mesma potência.
ComCiência
Exposição de esculturas, desenhos, vídeos e instalações de Patricia Piccinini, com curadoria de Marcello Dantas. Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários (31) 3431-9400).
Amanhã, às 19h30, a artista Patricia Piccinini e o curador Marcello Dantas conversam com o público.
Três perguntas para...
Marcello Dantas, curador
Pode falar do que mais gosta na obra de Patricia Piccinini?
Ela é uma artista que consegue como poucos explorar possibilidades conceituais do encontro da arte com a ciência e, ao mesmo tempo, produzir um conteúdo marcante, emocional e denso, com elementos biográficos, pessoais e humanos. Patricia explora um processo de rejeição e aceitação que é o cerne do conflito dos nossos tempos e escancara alguns dos nossos medos coletivos diante dos nossos olhos, como o fim da nossa espécie como a conhecemos, da transformação do nosso olhar e do reconhecimento de nossa fragilidade diante da nossa mente. Acho Long awaited (O tão esperado) uma obra que vai ficar no imaginário por muitos e muitos anos.
A que você atribui o sucesso de imaginário contemporâneo ligado a monstrinhos (como Pokemon, Digimon, criaturas de desenhos animados, videogames etc.)?
Esse é o aspecto mais superficial da obra, quem só vê o monstrinho não viu nada ainda. Por outro lado, sim, estamos todos perseguindo monstros porque, no fundo, sabemos que nossa espécie é frágil diante do desafio genético. E os monstros têm um futuro grande. As pessoas sabem que esses monstros representam uma nova fronteira da nossa existência. Já estamos fazendo isso com as plantas, com os animais e a próxima fronteira seremos nós mesmos.
Qual o maior prazer e o maior problema quando se organiza exposição de artistas internacionais no Brasil?
Adoro construir públicos para artistas que o grande público desconhece. Adoro conectar culturas e poéticas que pareciam dissociadas. Fiz isso com grandes artistas de várias partes do mundo.