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Circuito das Letras que começa amanhã em BH reúne nomes como Gregório Duvivier, Humberto Werneck e Criolo

Evento, que tem entrada franca, pretende discutir o papel da literatura na sociedade

Márcia Maria Cruz

Muito se diz sobre o pouco espaço que o livro tem na vida dos brasileiros, mas uma série de iniciativas tem permitido maior capilaridade da literatura, do livro e da leitura.


Projetos como Leve um Livro e os saraus da periferia ampliam o interesse pelo texto e democratizam a escrita. Há um movimento efervescente de escritores, poetas e rappers que querem mudar a realidade, fazendo com que a palavra – em todas as suas formas – esteja presente na vida das pessoas.

Gergório Duvivier é um dos convidados do Circuito das Letras - Foto: Porta dos Fundos/Divulgação 

Parte desse cenário em expansão será apresentada no Circuito das Letras, que tem início amanhã e vai até dia 9, com 130 convidados que participam de painéis, oficinas e debates no Circuito Praça da Liberdade, na Região Centro-sul de Belo Horizonte.

 

Autores de expressão nacional, como Gregório Duvivier, letristas que vêm do hip hop e que ampliam as composições para outros campos, como os músicos Criolo e Flávio Renegado, e multiartistas como Ricardo Aleixo e Ana Elisa Ribeiro são alguns dos convidados do evento, que pretende ampliar as fronteiras da literatura.

 

Ao reforçar a ideia de “letras”, o circuito pretende contemplar todas as linguagens em que a palavra seja a base, o que permite a participação de poetas, escritores e também letristas e rappers.

O poeta Ricardo Aleixo acredita que a iniciativa contribui para o “desencastelar da literatura”. “Tenho convicção e prova de que colocar a literatura (e a poesia de forma especial) em uma torre de marfim não é a aspiração dos profissionais da escrita. O lugar que aspiramos ocupar é o de quem ama o livro e a literatura.”

 

Desde 1993, Aleixo investe no estabelecimento de pontes entre a pesquisa e a prática. À frente do Lira, laboratório interartes que recebe o seu nome, ele pesquisa a poética da voz, que incluiu o estudo de técnicas vocais e busca de parceria com artistas de outros campos.

- Foto: Ilustração/Son Salvador 

“É o caminho que venho abrindo.

Havia uma dicotomia grande: pessoas que tentavam fazer uma interrelação de linguagem, mas sem uma pesquisa, num processo prático, e outros que estudavam, mas sem uma prática. Havia um buraco”, afirma.

 

Para tanto, o poeta estabeleceu quatro pilares: a criação, com a produção de livros independentes como o Modelos Vivos; a pesquisa e formação; reflexão teórica com sistematização em artigos e organização de eventos. “Ao falarmos dos domínios das palavras, pensamos na letra e não apenas na literatura.”

 

Aleixo lembra que a literatura é um campo em construção há alguns poucos séculos, mas que a humanidade convive com a palavra desde sempre. “A primazia da palavra impressa coloca em segundo plano toda a estrada que vem da voz e do corpo”, pondera.

 

No sentido de que as letras precisam se abrir para todos os sentidos, Ricardo reforça que é todo o corpo que lê: “A leitura é um ato performático.” Inspirado pelo linguista suíço Paul Zumthor (1915-1995), o poeta tem no horizonte a fusão entre a letra e a voz. “A letra vai remeter a algo que é anterior a ela. A primeira forma de escrita é do corpo por meio da voz. Ela agencia a participação do corpo inteiro.”

 

VOZ

Também no caminho de experimentação tendo a voz como suporte, Flávio Renegado contribui para o debate. Com seu terceiro álbum, Outono selvagem, lançado neste ano, ele se consolida como um dos mais importantes letristas da nova geração de compositores mineiros.

 

De origem no hip hop, Renegado faz do diálogo com outras linguagens a identidade de seu trabalho, o que se anuncia nos dois primeiros álbuns, Do Oiapoque a Nova York (2008) e Minha tribo e o mundo (2011).

 

“Durante muito tempo, nós da literatura marginal ficávamos restritos a determinados lugares. Agora, a periferia é o centro do diálogo. A sociedade está entendendo e absorvendo melhor o empoderamento da periferia”, diz Renegado, que criou recentemente um sarau no centro cultural A Rebeldia, no Alto Vera Cruz, na Região Leste. “Tenho me dedicado a estudar os saraus em Belo Horizonte e outras cidades.Queremos engrossar esse caldo.

É a oralidade africana, a palavra como algo que liberta”, pontua.

 

A escritora Ana Elisa Ribeiro e Bruno Brum participam da mesa que debate a democratização da literatura. Eles trazem a experiência à frente do projeto Leve um Livro, quando publicaram microantologias de 24 poetas de todo o Brasil, com objetivo de dar visibilidade à produção contemporânea de autores renomados ou não.

 

“A mesa tem uma certa disposição para a militância. Falaremos de uma literatura que não está nas grandes editoras”, diz. Ana Elisa reforça a importância das editoras independentes que possibilitam aos escritores apresentar seu trabalho. “Um exemplo é a Patuá, que tem livros muito bem cuidados e sempre ganha prêmios.”

 

Os debates serão base para a construção do Plano Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do estado de Minas Gerais. “É um momento rico e aponta para o entendimento do campo literário e da cultura como políticas públicas, que não são atribuições apenas do poder público. É importante uma escuta do que se encontra em estado de latência. Falta uma discussão pública sobre o papel da literatura, do livro e da leitura no desenvolvimento da sociedade brasileira, diz Ricardo Aleixo.

 

O curador Lucas Guimarães afirma que o propósito é que o circuito não seja apenas o evento, mas o espaço para discussão de políticas públicas sobre literatura, livro e leitura. O circuito pretende também contribuir para o desenvolvimento da cadeia criativa e produtiva do mercado editorial.

 

Ele reforça que a escolha por ser um circuito das letras possibilita ampliar o debate para o campo da arte visual e todas as expressões da oralidade, além da literatura. Foram convidados nomes de Minas e também de fora do estado, mas todos que apresentem uma polivalência em termos de linguagem.

 

DIVERSIDADE E DESCONTOS
O evento Primavera Literária, que traz 58 editoras independentes a Belo Horizonte, ocorre de forma paralela ao Circuito das Letras de amanhã até o dia 9, na Praça da Liberdade, e se baseia no conceito de bibliodiversidade.

 

“É a diversidade na literatura. Temos pouca em termos de gêneros literários, autores e até editoras”, afirma Juliana Flores, que é da da diretoria da Liga Brasileira de Editoras (Libre) e da editora Aletria.
A presença das editoras também permitirá que os leitores tenham descontos de até 50% sobre os livros. A Primavera Literária é realizada desde 2000 no Rio de Janeiro e acontece pela segundo ano em Belo Horizonte.

 

Juliana destaca que as editoras se dedicam à produção de obras com foco em diversidade de gênero, temáticas LGBT e afro-brasileiras. A mineira Mazza Edições, há mais de 30 anos no mercado, se dedica à cultura afro-brasileira. Destaca-se ainda a Metanóia, com publicações voltadas para a diversidade sexual e a inclusão social, e editoras voltadas para publicações de arte, como Cobogó, Pinakotheke e C/Arte.

 

As mineiras Autêntica, Miguilim, Fino Traço, Relicário e Uniduni são outros destaques da Primavera Literária. Ela destaca que muitas são premiadas, como Alameda, Pallas e Pallas Mini, vencedoras do último prêmio Jabut,i e a infantil Jujuba, vencedora do Jabuti 2014.“É oportunidade de o leitor conhecer novas editoras, que são ousadas nos assuntos e autores”, afirma Juliana.

 
CIRCUITO DAS LETRAS
Atividades como oficinas, painéis, debates, com 130 convidados. No Circuito Praça da Liberdade. Entrada franca. Algumas mesas exigem inscrição prévia. Programação: https://circuitocultural
liberdade.com.br/plus/

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