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Aumento do espaço para personagens femininas e quadrinistas mulheres começa a mudar mercado editorial

Tendência já encontra ecos no cinema, com filmes estrelados por super-heroínas

Breno Pessoa

Gata Garota, HQ escrita e desenhada por Fefe Torquato - Foto: Editora Nemo

Batman, Homem-Aranha, Tintim, Asterix, Goku e Tex. Alguns dos mais famosos personagens dos quadrinhos são figuras masculinas, criadas, escritas e desenhadas por homens, majoritariamente. A predominância do gênero na produção de HQs ainda é realidade, mas a presença feminina na autoria dessas obras vem aumentando, com iniciativas de grandes editoras e também de escritoras independentes.

A Marvel e a DC Comics, maiores selos norte-americanos de quadrinhos de super-heróis, vêm dando mais protagonismo às mulheres, ficcionais e reais, em títulos recentes. Capitã Marvel e Mulher Maravilha, duas das mais importantes heroínas das editoras, têm recebido maior destaque em títulos e serão, nos próximos anos, levadas às telas do cinema com filmes solo.

“Mais do que justo, é algo obrigatório. Quadrinhos não são específicos para um só gênero”, diz a desenhista Adriana Melo sobre o maior destaque que personagens femininos passaram a ter nas publicações. Ela, que já trabalhou para algumas das principais editoras internacionais de HQs, elogia títulos como Miss Marvel e Batwoman, outros dos expoentes recentes em títulos de super-heróis. A artista diz perceber, hoje, melhor representação das mulheres nos quadrinhos e também menor sexualização das personagens, algo recorrente em publicações até os anos 1990.

“Consigo olhar para trás e perceber que percorremos um caminho, mas que ainda há muito a ser feito”, diz Ana Recalde, autora de Beladona, HQ nacional de terror. A escritora, que cresceu lendo gibis de super-heróis, destaca que hoje existem mais mulheres atuando no mercado de quadrinhos mainstream e também melhor representação de personagens femininas nesses títulos, mas que, no mercado independente, há uma produção ainda mais expressiva.

“Quando comecei a escrever, a minha impressão era de que não havia outras mulheres fazendo quadrinhos.
Havia um pouco de desconforto, era como entrar em um grupo de meninos. Com o tempo, fui descobrindo, principalmente nos coletivos femininos, que havia muitas mulheres produzindo”, destaca Recalde, que também é editora da Pagu Comics, selo especial da plataforma de streaming de HQs Social Comics, para produções de autoras brasileiras.

“Por ser mulher, você tem experiências diferentes (de um homem) e traz outras perspectivas para os quadrinhos”, enfatiza a escritora, ressaltando a importância de pluralidade e diversidade de visões nos quadrinhos. A maior presença de autoras e personagens femininas não parte apenas de uma tentativa de tornar os produtos mais diversificados, mas de uma necessidade mercadológica: segundo estimativas do site especializado em histórias em quadrinhos Graphic Police, mais de 40% dos consumidores de HQs são mulheres.

NOVO OLHAR

Ninguém melhor do que as mulheres para levar às páginas as angústias, pensamentos e situações enfrentadas por elas. Garota siririca (garotasiririca.com), escrita e desenhada por Lovelove6, aborda com bom humor questões relativas à masturbação feminina, sexualidade e ao erotismo. Também com veia cômica, a ilustradora e quadrinista Fabiane Langona, a Chiquinha (chiqsland.uol.com.br), publica quadrinhos e cartuns protagonizados por personagens femininas, retratando assuntos como menstruação, depilação e relacionamentos virtuais. Políticas sociais, aborto e feminismo também estão na pauta da artista.

  Bianca Pinheiro, autora de Bear - Foto: Editora Nemo

HEROÍNA

A mais famosa super-heroína dos quadrinhos, a Mulher Maravilha, foi criada pelo psicólogo William Moulton Marston. Apesar do lado positivo de incluir uma figura feminina forte no panteão dos heróis das revistas, a criação é habitualmente criticada pela representação sexualizada da personagem. Nas primeiras aparições, a partir de 1941, era comum ver a heroína amarrada, amordaçada ou vítima de torturas. O uniforme também é alvo de críticas: decotes e saias curtas fizeram parte da indumentária da Mulher Maravilha durante a maior parte da existência.

A internet como plataforma

Se nos quadrinhos norte-americanos já é sentido o movimento girl power, o segmento autoral e independente tem ainda mais representação, sobretudo com as possibilidades de publicação proporcionadas pela internet. Mais do que um espaço democrático, autoras encontram na web um ambiente propício ao diálogo. O site brasileiro Lady Comics funciona como plataforma de debate do papel da mulher na produção artística e vitrine para autoras do mais variados gêneros. A equipe do portal conta com quase 20 integrantes e colaboradoras fixas,

Algumas autoras conseguem também a migração da internet para as publicações físicas, como é o caso de Bianca Pinheiro, que começou com webcomics. Bear, seu trabalho mais famoso, que conta a história de uma menina perdida procurando o próprio lar ao lado de um urso, tem uma nova página sempre às terças-feiras (no site bear-pt.tumblr.com) e ganhou também versão impressa.

Lu Cafaggi é mais uma que fez a transição do virtual para o físico: foi uma das primeiras autoras a colaborar com o Lady Comics na estreia do site, em 2010, e também publicou os primeiros trabalhos no blog pessoal.

Ela usou personagens de Mauricio de Sousa (em parceria com o irmão, Victor) nas HQs Turma da Mônica: Laços (2013) e a continuação, Lições (2015). O mais recente trabalho dela são os desenhos de O mundo de dentro: Bruna Vieira em quadrinhos (Nemo, 80 páginas, R$ 36,90), espécie de biografia ficcionalizada em quadrinhos da youtuber Bruna Vieira.

Outra que começou na internet foi Fefê Torquato, da série Gata garota. Protagonizada por uma simpática menina com características felinas, a HQ publicada em gatagarota-hq.tumblr.com mistura humor, drama e aventura em delicadas ilustrações em preto e branco.

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