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Livro de pernambucano traça paralelos entre o governo do marechal Deodoro da Fonseca e o Brasil atual

Breno Pessoa - Especial para o EM
- Foto: Fernanda Fiamoncini/Divulgação
A história tende a se repetir, muitos acreditam. Esse caráter cíclico da sociedade é um dos pontos de partida de O marechal de costas (Alfaguara), livro que o pernambucano José Luiz Passos lançará em novembro. Com duas linhas narrativas, uma à época da presidência de Floriano Peixoto (a partir de 1891) e outra no Brasil contemporâneo, o romance aponta paralelos entre os dois períodos e como algumas fragilidades se perpetuam ao longo de mais de 120 anos de República.

“O livro surgiu de um conto que escrevi há três anos para a revista Granta”, explica Luiz Passos, citando Marinheiro só, narrativa curta sobre traição política durante a Revolta da Armada no Rio de Janeiro (1893-1894), rebelião monarquista liderada pela Marinha contra o governo do marechal Floriano Peixoto. A obra que serviu de base para o romance vai ser republicado com outros dois textos do autor (um deles inédito), em coletânea da editora Mariposa Cartonera, com lançamento programado para novembro.

Segundo o autor nascido em Catende (PE), “O marechal de costas é um romance sobre política e, ao mesmo tempo, um pedaço da biografia de Floriano Peixoto”, que tem também um recorte da história atual do país e das tensões políticas iniciadas a partir da onda de protestos sociais deflagrados a partir de 2013. A personagem que serve de fio condutor da linha narrativa contemporânea é uma cozinheira de Alagoas que tem parentesco distante com o marechal.

Vice Passos afirma que o objetivo da obra é mostrar semelhanças entre situação no início da República e o tempo presente. Floriano Peixoto, vice de Deodoro da Fonseca, assumiu a Presidência após o primeiro presidente do Brasil renunciar, em período marcado por crises e oposição dos defensores da monarquia. Peixoto deveria convocar novas eleições, como previsto pela Constituição vigente, mas se manteve no poder com a prerrogativa de brechas na lei. “Contar a história de nosso primeiro ditador traz ecos para que a gente reflita sobre a trajetória de poder”, acredita o escritor.

Finalizado há alguns meses, o livro acabou recebendo uma modificação de última hora, alguns dias atrás, quando a obra já estava em fase de revisão final.
A alteração foi a inclusão do discurso da então presidente afastada Dilma Rousseff no plenário do Senado, durante a última fase do julgamento do processo de impeachment.

“Achei o discurso muito emocionante e, como o romance já tratava desse tema, das frustrações do povo brasileiro em relação à política, coincidia com o encerramento do livro”, explica o autor. “Não foi oportunismo, nem uma ideia de última hora”, acrescenta Passos, ressaltando que já vinha acompanhando outros discursos da ex-presidente nos últimos anos. Outras falas também são referenciadas na obra.

Três perguntas para...

José Luiz Passos
escritor e professor de literatura brasileira
na Unversidade da Califórnia (EUA)


Incluir acontecimentos reais na trama ajuda a fortalecer a ficção?

Do ponto de vista filosófico, nada disso é real. Tudo é ficcional. Quando se escreve sobre algo que existe, a ideia é fazer o leitor pensar sobre a realidade política e o tempo presente. Então, não acho que a inclusão de fatos reais dê mais ou menos valor à ficção. É um romance bastante ficcional e imaginativo. Não conta necessariamente como as coisas aconteceram, há uma flexibilidade. Não é como se o romance fosse um pedaço do real, mas um convite ao leitor para imaginar.

Um dos assuntos do novo livro é a descrença com a política. Você está descontente?

Basta pensar naquela votação da Câmara (da abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em abril) e ver o nível intelectual dos deputados e as negociatas pelo voto. Mesmo quem é petista, apolítico ou que estava na torcida pela queda da Dilma consegue enxergar isso. Não é um descontentamento meu, mas de todos.

Você consegue enxergar algo de positivo nesse cenário?
Houve a derrota não de um partido, mas de um espírito democrático. O único ponto positivo que consigo tirar é que temos mais pessoas questionando o poder.
Houve uma espécie de repolitização do espaço público, algo parecido com o que aconteceu em 1964. A sociedade percebeu que passou por um processo de transformação, que agora tem um presidente com alto índice de rejeição e uma presidenta que saiu de maneira questionável, mas que também contribuiu para chegarmos a esta situação.
- Foto: Cinemascópio/Divulgação
Citação em Aquarius
O romance mais famoso de José Luiz Passos, O sonâmbulo amador, ganhador do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa em 2013, ganhou nova chance de ser conhecido pelo público. O livro aparece em cena no mais recente filme de Kleber Mendonça Filho, Aquarius, já visto por 100 mil pessoas. Em uma das passagens do longa, a obra é entregue por uma personagem (foto) à protagonista, Clara (Sonia Braga).“Ele (Kleber) me disse que tinha uma tirada de chapéu, um aceno para mim no filme”, diz Passos, que conheceu o cineasta pernambucano durante exibição de O som ao redor (2012) na faculdade onde leciona, nos Estados Unidos. “Há uma coincidência de visões de mundo, o que ele tem feito no cinema é parecido com o que faço na literatura”, afirma.

 

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