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Mostra em Tiradentes homenageia Nise da Silveira e discute a loucura

Evento multidisciplinar exibe obras que procuram questionar os limites do conceito de sanidade. Haverá palestras e debates diários

Pedro Galvão

Cena do filme Brutus, da russa Svetlana Filippova, que aborda a história da perseguição aos judeus na Alemanha nazista sob o ponto de vista de um cão. A diretora tem outros três títulos na mostra - Foto: FESTIVAL Artes Vertentes /DivulgaÇÃO

 

De amanhã até o dia 18, as ruas históricas de Tiradentes estarão movimentadas pelas atrações da 5ª edição do Festival Artes Vertentes. O evento vai misturar diferentes linguagens artísticas, com espetáculos gratuitos, entre filmes, concertos, peças de teatro, além de debates em torno do tema deste ano, que é a  loucura. A psiquiatra alagoana Nise da Silveira, referência mundial no combate aos métodos violentos de tratamento de patologias mentais, será a homenageada do festival, que conta com a promoção cultural do Estado de Minas.


Nise faleceu em 1999, aos 94 anos. Sua principal bandeira foi o combate a métodos como eletrochoque, lobotomia e o confinamento. As transformações proporcionadas por sua luta na psiquiatria brasileira lhe renderam um lugar de membro fundadora na Sociedade Internacional de Expressão Psicopatológica, em Paris, entre outros reconhecimentos no exterior. O legado de gente como ela, que lutou pelos direitos das pessoas com distúrbios mentais, foi o norte da programação deste ano, que busca questionar o conceito de sanidade da sociedade.


“É um tema muito concreto, que exige imenso respeito, por ser muito delicado. O festival procura questionar onde está a loucura, a sanidade, a expressão, a transgressão e a repressão através das linguagens que trazemos”, afirma o diretor artístico e curador do festival, Luiz Gustavo Carvalho.


Para fazer o “elogio à loucura” proposto, a curadoria reuniu diversos artistas que de alguma forma dialogam com o tema em suas obras. É o caso dos filmes Em nome da razão e do infantil O menino maluquinho, ambos de Helvécio Ratton, e da animação A doida, produzida coletivamente por alunos do curso de cinema de animação e artes digitais da Escola de Belas -Artes da UFMG.


O curta é uma adaptação da história de Carlos Drummond de Andrade e surgiu após uma oficina ministrada pela diretora russa Svetlana Filippova.

Quatro filmes de Filippova estão na grade, com destaque para Brutus, que conta a história da perseguição aos judeus na Alemanha nazista sob o ponto de vista de um cão. Ao todo, serão 15 filmes, entre animações, documentários e ficções, nacionais e estrangeiros, exibidos gratuitamente no Centro Cultural Yves Alves.
Artistas desencaixados dos padrões convencionais de normalidade mental serão contemplados. Entre os filmes está Estrela de oito pontas, dirigido por Fernando Diniz, ex-interno do hospital psiquiátrico de Barbacena e que chegou a ser atendido por Nise da Silveira.

CONCERTOS Na programação musical, que levará 15 concertos às igrejas de Tiradentes, o público poderá conferir, por exemplo, a obra do alemão Robert Schumann, que possivelmente sofreu de esquizofrenia. A seleção de concertos contará com a presença de músicos estrangeiros, com destaque para os russos do Bolshoi. Os espetáculos terão ingressos vendidos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) e ocorrerão na Igreja do Rosário, na Matriz de Santo Antônio e no Centro Cultural Yves Alves.


Ainda na abordagem da loucura, o festival inclui a exposição do fotógrafo Luiz Alfredo, com seus registros do Hospital Colônia de Barbacena. As fotos foram feitas para a extinta revista O Cruzeiro, em 1961. A barbárie praticada por décadas contra os pacientes do local, a maioria nunca diagnosticada com qualquer patologia mental, também foi tema de um livro da jornalista Daniela Arbex (Holocausto brasileiro), lançado em 2013. Ela fará uma palestra sobre o tema durante a mostra, no domingo, às 15h.


Palestras e debates sobre o tema central ocorrerão diariamente, no auditório Yves Alves. A organização tem estratégias para facilitar o acesso de pacientes de instituições de tratamento de doenças mentais e também de estudantes da rede municipal. Apesar de a programação ser diversa, a curadoria admite dificuldade maior neste ano em razão da crise econômica. “Ano passado, tivemos recortes em São Paulo e em Pernambuco. Neste ano não será possível. Diminuímos o número de artistas para manter a excelência dos anos anteriores”, afirma o diretor artístico.


Diante do conturbado cenário político brasileiro, ele espera que o Artes Vertentes seja uma plataforma para discussão.

“Enxergamos uma urgência de os festivais servirem como uma plataforma de discussões fundamentais no país. Escolher uma mulher como grande homenageada num país que exclui a presença feminina de todos os seus ministérios, por exemplo, foi uma decisão extremamente pensada e uma postura de militância cultural diante desse governo nefasto que encontramos há uma semana no Brasil.”


Além de Tiradentes, a edição deste ano se estenderá também a São João del-Rei, com a exposição Fernando Diniz e o cinema, com pinturas feitas pelo ex-paciente de Nise da Silveira, no Solar Baronesa.

 

ARTES VERTENTES – FESTIVAL INTERNACIONAL DE ARTES DE TIRADENTES
Concertos, exposições, teatro, cinema e debates. De amanhã até domingo (18/9), em Tiradentes e São João del -Rei .
Programação completa

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