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Com exposição na Bienal de São Paulo, mineiro propõe reflexão sobre papel do espectador


José Bento, de 53 anos, vai mostrar na 32ª Bienal de São Paulo Chão, área feita com tacos, com partes sólidas e outras instáveis (por ter molas sob o piso). E Do pó ao pó, 25 árvores e caixas de fósforos sobre 25 mesas, criadas com madeiras dos diversos biomas brasileiros. “Para mim, é um trabalho que condensa muito o contexto do século 20 para cá, quando se afirmou o processo de ocupação que derrubou matas e abalou o sistema ecológico, causando desordem ambiental”, conta. “São esculturas e não instalações”, afirma. Escultores transformam matérias “em outras coisas” e instaladores, explica, são artistas que têm o espaço como matéria da obra.

O mineiro está participando da Bienal de São Paulo pela primeira vez. “Veio na hora certa”, observa. José Bento recorda que, nos anos 1990, até sonhava em participar da exposição paulista. “Depois, deixei de lado esse tipo de ansiedade.
É só mais um trabalho, como outro qualquer, vou apresentar o que faço”, afirma, sem deixar de considerar que a mostra “é importante e uma ocasião de muita troca”. A expectativa do artista é ver a interação do público com Chão, já apresentada no Museu de Arte da Pampulha. O trabalho propõe uma discussão sobre a base da escultura e quem anda sobre a obra. “Arte não existe sem o público. Não é a obra, mas o espectador o centro de tudo”, garante.

“O bom das bienais é a possibilidade de desenvolver projetos maiores e de ter um retorno que permita sua continuação”, conta o artista. José Bento já participou de bienais no Peru e no Benin. Para a última, levou 4 mil pequenas árvores.
Doou várias delas a pessoas que encontrou no país, num ato com o propósito de estender a Bienal para dentro da casa dos moradores da cidade. Além disso, criou no local onde foi realizada a exposição uma escultura com pequeno objeto dentro de um grande tronco sobre um mapa apontando para o Brasil. O trabalho faz alusão ao fato de a cidade abrigar um porto de onde saíam navios negreiros em direção às terras brasileiras. “A Bienal de Benin é pobre de recursos, mas muito rica de significado cultural”, avalia.

A arte existe na vida de José Bento desde criança. Seu pai, baiano, era amigo de artistas e vizinho de colecionador. Foi do pai a iniciativa de colocar o filho na escolinha de arte de Arlinda Corrêa Lima, quando a família se mudou para Belo Horizonte, em 1968. O artista recorda a surpresa ao ouvir da professora que, na escola, “só tinha três nomes feios”: régua, borracha e cópia. “Eu gostava de desenhar, mas quando você é obrigado a ir para a escola, as coisas se complicam”, observa, com bom humor, lembrando que foi para a escolinha de má vontade.
José Bento recorda que, ao sair de lá, deixou de ser artista, só voltando a flertar com a atividade mais tarde, depois do curso de psicologia, interrompido um semestre antes da formatura.

BARRACÃO

No início da carreira artística, José Bento alugou um barracão e passou três anos fazendo esculturas com pauzinhos de picolé, criando cenas e ambientes, já que as tentativas de pintar “não davam certo”. Em 1989, esses trabalhos foram apresentados na sala Arlinda Corrêa Lima, do Palácio das Artes, e despertaram enorme empatia com o público. Desde então, não parou mais. Espinha dorsal de toda obra, conta, é a madeira. “É um material amigo, vivo, de enorme diversidade e que possibilita infinitas descobertas e aprendizados. Cada tipo de madeira é uma enciclopédia, cada uma fala uma língua”, afirma. Para ele, esculpir é troca com a matéria “e a relação fica marcada na peça”.

O artista conta que as obras podem ser mais orgânicas ou explorar uma geometria sensível, figuras e alegorias convivem com abstrações. O cubo é um motivo recorrente. “Sou multidirecional”, afirma, explicando que não há caminho único. “Arte é experiência, às vezes o acerto é o erro”, acrescenta.
Suas criações são movidas por um fazer aliado ao pensar. “Não sou de ficar julgando as peças. Deixo isso para outros”, conta. “O meu interesse é por esse corpo que é matéria, espírito e filosofia ao mesmo tempo”, argumenta, apontando os motivos que, para ele, são inerentes à arte.

José Bento conta que fazer escultura não é nada simples. “Tem que acreditar muito, muito”, enfatiza. É uma atividade trabalhosa, cara, que cobra um apoio especializado. A peça é pesada, difícil de transportar e precisa de espaço. “Escultura não gosta de se escorar no mundo, gosta de ficar em pé sozinha”, brinca, contando que, mesmo os trabalhos mais radicais, são marcados por se colocarem soltos no espaço. Ele explica que, por causa de imprevistos, é complicado fixar uma data exata para finalizar uma obra. Para ele, são aspectos que explicam o pequeno número de escultores.
“Quem vê acha que é trabalho leve, mas não é assim.”

Exposição vai até dezembro


A 32ª Bienal de São Paulo, que tem o tema ‘Incerteza viva’ e curadoria de Jochen Volz, começa no dia 7 de setembro e fica aberta à visitação até 11 de dezembro, no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera. A entrada é pelo Portão 3, Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, (11) 5576 7600. Os horários para ver a mostra são: terças, quartas, sextas, domingos e feriados, das 9h às 19h (entrada até 18h); quintas e sábados, das 9h às 22h (entrada até 21h). A entrada é franca.

Há opção de visitas mediadas para diversos tipos de público. Confira:

. Público espontâneo (uma hora de duração), às terças, quartas, quintas e sextas, nos horários das 10h, 11h, 14h e 16h. Aos sábados e domingos, a cada 30 minutos, a partir das 9h30 até as 17h.

. Visitas noturnas, quintas e sábados, às 19h e 20h. Grupos agendados (duas horas), com no mínimo 10 pessoas, às terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos. Informações: (11) 3883-9090

. Visitas em libras e multissensoriais: quartas, sextas e sábados, às 11h30 e às 17h. Atendimento à pessoa cega ou com baixa visão, às quartas e quintas-feiras, às 11h30 e 17h.

. São oferecidas, ainda, visitas em inglês e espanhol, a partir de agendamento com 48 horas de antecedência.

. Cadeira de rodas: os visitantes que precisarem do equipamento devem se dirigir aos balcões de atendimento nas entradas da exposição. As visitas com cadeirantes têm o auxílio de funcionários da Bienal para condução nas rampas..