A escultura, linguagem com história em Minas Gerais desde o século 18, é a linguagem que dois artistas mineiros apresentam na 32ª Bienal de São Paulo, que vai ser aberta no dia 7 de setembro e fica em cartaz, no Parque Ibirapuera, até 11 de dezembro. São eles Lais Myrrha, de 41 anos, e José Bento, de 53. A curadoria-geral é do alemão Jochen Volz e o tema da mostra é “Incerteza viva”. A ênfase recai sobre artistas nascidos após 1970 e as mulheres são mais da metade dos autores convidados. A promessa é de uma investigação sobre o viver com a incerteza, pontuando diversidades, o olhar para o desconhecido e a interrogação do que é conhecido, colocando diferentes saberes em complementariedade.
“Lais Myrrha e José Bento são dois artistas com grande inteligência escultórica, embora bastante diferentes entre si. Lais claramente está ancorada na arte conceitual e poética e suas obras muitas vezes parecem parábolas, traduzindo uma questão em forma e massa. José Bento é escultor mesmo, um mestre da transformação de matéria prima em objetos e ambientes que podem ser usados (numa forma ou outra) pelo público”, analisa Jochen Volz, curador-geral da Bienal. Alemão, Volz transita entre a Europa e o Brasil, com grande intimidade com a arte brasileira.
Lais Myrrha, de 41 anos, vai mostrar Dois pesos e duas medidas, obra inédita criada especialmente para a Bienal. São duas torres com cerca de oito metros, criadas a partir de empilhamentos de materiais. O trabalho ocupa lugar nobre: o vão central do prédio projetado por Lina Bo Bardi. Uma foi criada com cimento, tijolos, telhas e vergalhões e é alusiva à construção civil; a outra, com madeiras, vegetais, argila e matérias orgânicas, evoca hábitos construtivos indígenas. A artista conta que o trabalho, que estimula a observação comparativa dos volumes, coloca para o espectador um jogo com escalas, pesos, medidas, temporalidades, relações sociais, cadeias produtivas, normas jurídicas e arqueologias.
Dois pesos e duas medidas, explica Lais Myrrha, dialoga com a arquitetura do local da exposição.
“Faço também uma história do esquecimento”, observa Lais Myrrha, pontuando o declarado interesse por história a contrapelo, conceito do alemão Walter Benjamin (1892-1940). Ela cita como exemplo outro trabalho seu, intitulado Projeto Gameleira 1971, sobre o desabamento de um pavilhão de exposições que deixou 65 operários mortos e 50 feridos em Belo Horizonte. “O Brasil renega a memória desse tipo de coisa. Tais situações não poderiam ter sido esquecidas.
Mineira de Belo Horizonte, Lais Myrrha vive em São Paulo, mas cursa doutorado na capital mineira, na Escola de Belas-Artes da UFMG. Conta que só teve certeza de que queria trabalhar com arte ao fazer o curso e perceber que, na área de arte, poderia dar vazão a seu interesse por vários saberes, informações e inquietações, o que seria difícil em outra disciplina. “Não consigo me ver fazendo outra coisa”, garante. Lais não coloca a atividade artística apenas como um fazer, mas como prática que se insere em sistema, “nem sempre tão nobre”, que envolve desde a circulação de informação até aspectos mercadológicos, passando por múltiplas relações com o social.
Potência A artista vai logo avisando: não tem e nem gosta de uma definição de arte. “Qualquer uma delas sempre deixa de fora algo. O que sinto é que a produção simbólica deve ter algo muito potente, senão ela não permaneceria por tanto tempo e o ser humano não se comprometeria tanto com ela”, argumenta. Não esconde sedução pela sofisticação no pensar artístico e o poder de abstração da prática.
Com relação à Bienal de São Paulo, Lais Myrrha conta que a expectativa era realizar o trabalho da melhor forma possível. Mesmo sabendo que uma realização puxa outras, diz que finalizar um projeto grande e alcançar o resultado desejado já lhe trouxe satisfação. “Por mais que a gente faça maquete, a peça pronta te surpreende”, observa. “Ser artista não é carreira como a do executivo, não tem nível um, dois ou três. Cada um tem o seu caminho particular. Entender o seu caminho faz a diferença, mas isso demora. Aos poucos, vai se descobrindo que há situações que não são para o que você faz e não há porque ficar gastando energia à toa. Quando você começa, a intenção é fazer muitas coisas, mas chega um momento em que o melhor é ser seletivo”, conclui.
Wilma Martins
Está na exposição mais uma mineira ilustre: Wilma Martins, de 82 anos. Ela mora no Rio Janeiro, foi aluna de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) e é autora de desenhos e pinturas admiráveis, que fustigam o cotidiano com cenas em que bichos invadem ambientes domésticos. Trata-se de uma produção aparentemente alheia ao burburinho metropolitano, que, com visão irônica, carrega também alguma perplexidade diante do mundo.