"Eu não consigo dissociar. É difícil para mim. O Eucanaã tem essa capacidade de olhar com e sem melodia. Eu não consigo mesmo, mas se ele diz que elas existem no papel, tenho total confiança porque ele é um poeta incrível", diz Adriana Calcanhotto. Ela gostou do resultado: "O que é bacana no livro é que ele traz o olhar de alguém.
Adriana conta que nunca sentou para escrever uma letra e que elas são sempre relacionadas a alguma melodia dela ou de seus parceiros. Ou seja, primeiro vem a melodia; depois, a escrita. E aí voltamos a uma questão estrutural da obra.
"Esse tipo de livro parte de um equívoco, que é separar o que é inseparável. A canção é o objeto inteiro", diz Ferraz. Mas, ao mesmo tempo, ele completa, a canção da Adriana tem uma qualidade, como texto, que quase passa imperceptível porque se dilui na canção. "Não vemos mais a letra, só cantamos." Então, quando a música recua e a letra é reproduzida, vê-se a palavra "soar na matéria silenciosa do papel". E, assim, na opinião do organizador, o texto ganha mais qualidade.
Entre as letras selecionadas, estão Mentira, Vambora, Seu Pensamento, Esquadros, Senhas e tantas outras - algumas delas são inéditas (antigas e recentes) e foram enviadas pela compositora ao poeta. Ela, aliás, está em fase de composição e conta que não pensa ainda em novo álbum
Quanto à organização dos textos em blocos, Ferraz explica que dessa forma foi possível fazer uma aproximação com as questões de mundo de Adriana, com o que mobiliza sua criação e seu coração. O livro começou a ser pensando há cinco anos.
Adriana Calcanhotto não escreve prosa e seus versos são sempre acompanhados de música, mas a relação da compositora com a literatura é antiga e perpassa toda a sua obra - como outros tipos de arte também a influenciaram e servem de matéria-prima.
Ferraz resgata uma história antiga na apresentação do volume. Ainda adolescente, na casa dos pais, ela ouviu no rádio uma canção cantada por Fagner. "Eu senti uma coisa muito especial ouvindo aquilo, uma coisa que eu não sabia dizer o que era.
"Adriana é, antes de qualquer coisa, uma leitora. Seu mundo é o da música, mas ela é uma compositora literariamente culta, sempre muito atenta, que organiza antologias de poesia, faz recitais, é muito próxima de poetas. Isso tudo ajudou a forjar essa qualidade na personalidade artística dela como um todo e no trabalho dela como cancionista", finaliza Eucanaã Ferraz.
PRA QUE SERVE UMA CANÇÃO COMO ESSA?
Org.: Eucanaã Ferraz
Editora: Bazar do Tempo
(192 págs.; R$ 48).