No império português, não havia coroação dos monarcas, mas aclamação, esclarece o autor da obra. E quem olhar cuidadosamente a gravura de Jean-Baptiste Debret que ilustra esta página vai demorar a descobrir um detalhe curioso: o cenário não tem nada de real, é totalmente “efêmero”. Trocando em miúdos, a fachada do prédio que aparece ao fundo nunca existiu. “Foi criada em tecidos e madeira para a festa. Isso era muito comum no período monárquico. Na terra do carnaval, as alegorias vêm de longa data e, em Minas, houve comemoração também no Arraial do Tijuco, atual Diamantina”, conta Villalta.
As duas datas do título são fundamentais para entender os fatos que antecedem a independência do país, diz o especialista em história do Brasil colonial, de Portugal e contemporânea.
PESQUISAS
O trabalho de Villalta demandou 12 anos de “olímpicas” pesquisas, com longos mergulhos na documentação do Arquivo Nacional Torre do Tombo, em Lisboa, no Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e na Biblioteca Nacional da França, em Paris, onde fez levantamento de dados em documentos históricos dos tribunais das inquisições de Lisboa e Coimbra, da Intendência Geral de Polícia de Lisboa, do Ministério do Reino e outras instituições. Paralelamente a essas tarefas, correu com entusiasmo atrás de histórias saborosas sobre o período e que envolvem conspiração, espionagem e intrigas palacianas.
Em sua busca pelas informações, o professor jogou luz sobre o general francês Antoine Rougé, nascido no Haiti, então colônia da França, “que se bandeou para o lado da restauração da dinastia dos Bourbon”. Em Lisboa, Rougé revelou que ouvira, na França, do ministro dos Negócios Estrangeiros francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), que dom João VI fugiria para o Brasil com apoio da Inglaterra, a qual passaria a ter controle sobre o comércio com a colônia. “E olha que isso ocorreu em 1799, 14 anos antes, portanto, do general Junot (1771-1813) chegar a Lisboa e obrigar a Corte portuguesa bater em retirada para o Brasil. Aliás, por muito pouco, ele não alcançou a família real na saída do porto no Rio Tejo.”
O processo de queda do Antigo Regime no mundo luso-brasileiro, de que a Independência do Brasil foi um dos episódios, ocorreria com ou sem a transferência da corte, diz o professor, pois era uma tendência. Ele destaca que, a exemplo da França pré-revolução, desenvolveu-se em Portugal e na América Portuguesa, na passagem do século 18 para o 19, um processo de dessacralização. Isso favoreceu a percepção crítica e de combate ao Antigo Regime e provocou uma erosão de autoridade na família, no Estado e na Igreja, além do desenvolvimento de um ceticismo que corroeu, pouco a pouco, a fé nos valores e hierarquias tradicionais, instituindo uma verdadeira crise de confiança na ordem vigente.
INDEPENDÊNCIA
Se não houvesse a transferência da Corte para o Rio de Janeiro em 1807-1808, “no mínimo teríamos uma fragmentação da América portuguesa, com a instalação de vários ‘países’, muito provavelmente republicanos, ainda mais que, até 1808, as várias capitanias que constituíam as possessões portuguesas na América tinham relações diretas com Lisboa, mesmo depois da supressão, em 1774, do estado do Grão-Pará e Maranhão, com sua incorporação ao Estado do Brasil”, relata Villalta, autor de três livros e organizador de mais quatro.
E mais: “Foi com a presença do príncipe regente e depois rei dom João VI (a quem o general Lannes, embaixador francês em Portugal no início do século 19, com certo desprezo, chamava de monsieur du Brésil ou senhor do Brasil) que se viu um esforço de centralização política na América portuguesa. O Rio, a partir aí, tomou o lugar antes ocupado por Lisboa, sendo o centro para o qual as capitanias se dirigiam desde 1808, situação essa, como se veria em 1817, motivo de ódios no então Norte do Brasil, particularmente em Pernambuco e na Paraíba.”
Para Villalta, “nossa independência é filha do seu tempo, de uma situação em que as colônias das Américas adquiriam força e ambições de autonomia, impulsionadas pela Independência dos Estados Unidos e à qual se seguiram as do Haiti, da América espanhola, com exceção de Cuba, e do Brasil. É filha do seu tempo também por causa da Revolução Francesa. No caso do Brasil, em particular, é importante pensar que, sem Napoleão Bonaparte (1769-1821) e a invasão de Portugal pelas tropas de Junot, o projeto de transferência da Corte portuguesa para o Brasil, embora antigo, não se tornaria realidade, ao menos naqueles tempos”.
CORTE CORRUPTA
Ao longo da obra, o leitor vai ler que a corrupção de hoje não é uma erva daninha apenas do Brasil. “Ela vem de longe, já estava presente no domínio português na América.
Na avaliação do autor, o livro pode ajudar na compreensão do que se passa atualmente, “à medida que nos dá informações sobre situações que marcaram um momento crucial na nossa história e, tristemente, nos perseguem até hoje como se fossem um fardo legado pelos portugueses e cultivado, aprimorado e tornado ainda mais perverso por nós. Digo mais: os debates dos tempos da Independência, no Brasil e em Lisboa eram mais sofisticados, engenhosos e fundamentados do que os que vemos agora, sobretudo se considerarmos o campo das instituições de Estado”.
O Brasil e a crise do Antigo Regime português (1788-1822)
De Luiz Carlos Villalta
FGV Editora
272 páginas
R$ 49 (livro)
R$ 35 (e-book)
LANÇAMENTO
Terça-feira, 16 de agosto, às 19h, na Livraria e Café com Letras, na Rua Antônio de Albuquerque, 781, Savassi
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