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Apesar dos ataques à liberdade de expressão, artistas turcos tentam sobreviver sem ceder ao pessimismo

Istambul é considerada um polo de arte contemporânea, mas cenário é de preocupação

AFP
O cartunista Nazim Dikbas acredita na força da arte para enfrentar a repressão política - Foto: Ozan Kose/AFP

Os artistas de Istambul tentam sobreviver sem ceder ao pessimismo, apesar dos atentados, dos ataques à liberdade de expressão e dos expurgos maciços ocorridos depois do frustrado golpe de Estado que abalou a Turquia nos últimos meses.

A cidade, que no início desta década era considerada um polo de arte contemporânea, “já não é um lugar de sonhos”, diz Vasif Kortun, diretor do Salt, centro cultural que funciona no Bairro de Gálata. “Estamos isolados. Antes, ao menos uma vez por mês, curadores ou artistas estrangeiros vinham me ver. Este ano, não recebi quase ninguém”, explica uma artista de Istambul, preocupada com as dificuldades dos jovens criadores.

Os atentados, a retomada da guerra contra os curdos e o endurecimento do governo Recep Tayyip Erdogan se refletem na cultura. “É cada vez mais difícil viver aqui, sobretudo no mundo da arte, que necessita de liberdade de expressão”, explica Kortun. Ex-diretor de um museu em Nova York, ele coloca artistas turcos em contato com estrangeiros.

Com cinema, midiateca e vários ateliês, o Salt é comparado a uma fonte de oxigênio por estudantes que frequentam o espaço. Eles lamentam o aumento da intolerância, principalmente por parte dos aliados de Erdogan. Porém, Kortun e artistas rejeitam a tentativa de derrubar o governo.
“Nunca mais quero ver um putsch neste país”, afirma a escritora e artista visual Pinar Ögrenci, lembrando as consequências “perigosas e nocivas” do golpe turco de 1980.

A guerra contra a rebelião do Partido dos Trabalhadores do Curdistão também afeta os artistas. Um policial civil quis protestar no Salt, que projetaria um filme sobre os curdos. “Não está proibido”, disse Kortun. Porém, à noite, ele recebeu ameaças por telefone.

REPRESSÃO Em janeiro, cerca de 1,2 mil intelectuais e artistas assinaram a Petição pela Paz, que denunciava a violência do Exército contra os curdos. Acusados de “traição” pelo presidente Erdogan, vários deles vêm sendo perseguidos ou perderam o cargo de professor. “Nosso espaço de expressão está cada vez menor”, revela uma dessas artistas, que prefere não se identificar.

“É um erro pensar que de repente tudo ficou pior devido à tentativa de golpe. A Turquia já tinha problemas graves de liberdade de expressão antes, aprisionando jornalistas e defensores dos direitos humanos”, explica o cartunista Nazim Dikbas, que traduziu livros de Orhan Pamuk para o inglês.

O governo turco pouco financia a arte contemporânea. Agora, o diretor do Salt planeja converter o centro em uma espécie de monastério para desenvolver novas ideias longe do entorno hostil.

“Não nos queixemos, acreditemos”, consola-se Dikbas. “Obras de arte colaboram com algo positivo, em vez do medo, do estancamento e da divisão”, conclui.
(Isabelle Wesselingh/AFP).