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Caixa reúne cerca de 300 crônicas de Rubem Braga escritas para jornais e revistas do país

Observador atento, o capixaba soube, como poucos, equilibrar forma e conteúdo

Mariana Peixoto

- Foto: FERNANDO LOPES/CB/D.A PRESS

Em texto definitivo sobre a crônica A vida ao rés do chão, Antonio Candido fala sobre transitoriedade e permanência dos textos curtos publicados na imprensa. “Quando passa do jornal ao livro, nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava.”

Rubem Braga (1913-1990) foi o único cronista puro, “ou quase”, nas palavras de Candido, que o Brasil produziu. Tanto pela qualidade de seus textos quanto pela produção prolífica ao longo de quase seis décadas, é considerado o maior cronista brasileiro.

 

A caixa Rubem Braga – Crônicas (Autêntica) traz à luz, em três volumes, textos até então inéditos em livro. Cada publicação versa sobre um tema: artes plásticas, política e música. Os segredos todos de Djanira foi organizado pelo crítico André Seffrin; Bilhete a um candidato pelo historiador Bernardo Buarque de Hollanda; Os moços cantam pelo escritor e músico Carlos Didier.

Cada volume reúne cerca de 100 crônicas, selecionadas ao longo de 2015 do arquivo de Braga, doado em 1997 pela família para a Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Os organizadores se debruçaram sobre material deveras volumoso: são 15 mil textos, já totalmente digitalizados e disponíveis para consulta.

Como atesta Buarque de Hollanda no posfácio do volume que organizou, “a leveza lírica que encantou os leitores era antecedida por uma escrita rigorosa, solitária e reflexiva, calcada numa arquitetura bem cerzida entre forma e conteúdo”.

Braga nasceu em Cachoeiro do Itapemirim (ES), mas viveu em outros estados até se estabelecer, definitivamente, no Rio de Janeiro. Formado em direito (começou a estudar na então capital federal, mas formou-se na Universidade Federal de Minas Gerais), estreou profissionalmente como cronista em BH, na década de 1930, no extinto Diário da Tarde, dos Diários Associados.

Passou por vários jornais – do Rio de Janeiro, Recife e São Paulo –, foi perseguido durante o Estado Novo (era antigetulista ferrenho), cobriu tanto a Revolução Constitucionalista de 1932 quanto a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Nunca deixou de escrever.

Em livro, estreou com O conde e o passarinho (1936, publicado quando morava em BH). A essa compilação de crônicas sucedeu-se uma dúzia de volumes editados em vida – houve outros tantos póstumos.

POLÍTICA Dos três volumes da caixa, apenas o de crônicas políticas, Bilhete a um candidato, obedece, por razões óbvias, à ordem cronológica. Os textos são divididos por décadas – de 1940 a 1980. A atemporalidade da escrita de Braga é comprovada em Ordem do dia, a primeira crônica do volume. “Os tempos são confusos; e há tanta história que hoje a gente não consegue saber direito; e os escritos desta época andam tão cheios, ora de inverdades, ora de subentendidos, ora de omissões e enganos...”. Foi publicada no extinto Diário Carioca, em 3 de junho de 1944.

Braga abordou as artes plásticas, vertente menos conhecida de suas crônicas. Em 1953, publicou o ensaio Três primitivos, sobre os pintores José Antônio da Silva, Heitor dos Prazeres e Cardosinho. Os segredos todos de Djanira coloca em perspectiva a escritura bem-humorada, mas sempre crítica, da obra de pintores, arquitetos, críticos e desenhistas. Aqui, a divisão é diferente. A primeira parte, 3X4, reúne perfis de Pancetti, Millôr Fernandes e Niemeyer, entre outros. Do maior arquiteto brasileiro, saiu-se com esta: “‘É acusado de ser antes de tudo um plástico (eu mesmo escrevi, anos atrás: se tivesse 2 mil contos para fazer uma casa, faria uma por mil contos com algum arquiteto camarada, daria os outros mil ao meu vizinho para fazer uma casa com desenho de Oscar)”. Na segunda parte, Temas e voltas, as crônicas apresentam a arte brasileira sob viés mais reflexivo do que a seção final, Notícias, que leva a questão para o debate diário.

SAMBA Rubem Braga, o próprio admitiu, era homem “de pouca música e nenhum ritmo”. Os moços cantam desmente esse comentário autodepreciativo.
O cronista ouviu e escreveu bastante sobre música – samba quase sempre. Saudou o recém-chegado Chico Buarque de A banda (“Confesso que me apertou o coração aquela moça feia que se debruça na janela pensando que a banda tocava pra ela”); criticou o Geraldo Vandré dos festivais (“A vida para ele é um festival em que ele tem de ficar sempre em primeiro lugar”); e admitiu não ter boa impressão de Villa-Lobos (“É um homem excessivamente cabotino, que talvez possa ser pitoresco, mas me parece principalmente cansativo”).

A coleção de textos reúne também observações sobre gente de outras artes. Nutrindo grande admiração por Mário de Andrade, tinha consciência de que o paulista lhe era hostil. Isso não o impediu de, mais uma vez, ter um olhar bem à frente. Visionário, Rubem Braga escreveu, em 1957: “Ainda há de aparecer um editor com peito para lançar uma das mais volumosas e interessantes obras da literatura brasileira, as cartas de Mário de Andrade.”

RUBEM BRAGA: CRÔNICAS
• Org: Bernardo Buarque de Hollanda, Carlos Didier e André Seffrin
• Três volumes
• Editora Autêntica
• 736 páginas, R$ 134,90

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