A situação era bem clara. Arsène Lupin, que, por ironia do destino, havia se tornado a vítima e sido roubado, teria a qualquer custo que recobrar sua carteira. Dentro dela, uma série de documentos, como o nome de correspondentes e planos de futuros roubos. O larápio com a carteira de Lupin se encontrava em um trem, rumo à estação de Montérolier-Buchy, onde, chegando, poderia fazer a baldeação para outros quatro destinos, e assim desaparecer. Arsène Lupin teria que correr como nunca contra o tempo. Em seu carro, um Moreau-Lepton de 35 cavalos, fazia contas entre a distância da estação e o horário previsto da chegada do trem e seguia firme, pressionando seu pé direito até o assoalho do bólido. Em uma bela passagem do livro, o autor descreve a interação da máquina com o protagonista de maneira quase simbiótica, mostrando suas respostas mecânicas ao propósito do condutor e como, após emparelhar e travar uma feroz e vertiginosa batalha contra a locomotiva, Lupin vence o duelo e chega à frente. Ele estava a 72km/h.
Arsène Lupin, o ladrão de casaca compila as primeiras nove histórias do célebre ladrão francês.
Um anti-herói requintado e audacioso, mestre na arte do disfarce e lutador de artes marciais, Lupin utiliza seus recursos de planejamento, sedução e raciocínio como principais ferramentas para aplicar seus golpes. Bon vivant, além do dinheiro busca notoriedade. Por vezes, doa o fruto de seus furtos. Não, claro, sem antes mandar aos jornais a resenha de suas façanhas e a demonstração de sua benevolência.
Sem oferecer detalhes sobre as descrições físicas de Lupin, o escritor traz o leitor para próximo do desconforto das vítimas, mantendo o clima de mistério com um interessante recurso narrativo. As histórias são narradas tanto pelo autor quanto por um cronista ou mesmo pelo próprio Lupin. Em alternância, esse artifício faz com que as certezas que o leitor acredita ter, não se concretizem. Confiante ao máximo em si mesmo, o protagonista chega a anunciar por cartas a intenção de seus roubos.
Filho da virada dos séculos 19 e 20, Lupin habita um curioso e efervescente cenário descrito por Leblanc. As mudanças ocorriam de maneira cada vez maior, com os resquícios de uma época passada dando lugar aos ventos da modernidade. A dicotomia novo/antigo permeia a obra. A ambientação divide espaço por entre vielas e requintados palacetes. Castelos seculares com suas passagens secretas e pesadas cortinas de veludo emolduram o opulento estilo de vida da aristocracia parisiense em decadência.
O ladrão de casaca – As primeiras aventuras de Arsène Lupin
De Maurice Leblanc
Zahar
272 páginas
R$ 29,90 (livro) e R$ 14,90 (e-book).