É isso que Márcia Haydée tem feito por 76 anos. Com apenas 3, a niteroiense, numa viagem de férias com os avós para São Lourenço, no Sul de Minas, saiu dançando ao ouvir a música que tocava no rádio. É a primeira lembrança que a bailarina, coreógrafa e diretora tem da dança. O primeiro espetáculo, no jardim de infância, veio três anos mais tarde. E a vontade de ser uma grande bailarina existe desde sempre. E ela foi. Ou melhor, ainda é – hoje, aos 79.
Entre o público leigo, o nome de Márcia Haydée não é tão conhecido como o de Ana Botafogo.
Nessas mais de cinco décadas longe do Brasil, Márcia sempre deu um jeito de voltar. Quando a mãe, sua maior incentivadora, ainda vivia, ela passava pelo menos dois meses no país. Também se apresentou bastante por aqui, até que, no ano passado, realizou, como coreógrafa, seu primeiro trabalho brasileiro: criou O sonho de dom Quixote para a São Paulo Companhia de Dança.
Márcia Haydée está de volta agora, acompanhando a temporada de Zorba, o grego que o Ballet de Santiago faz no país. Amanhã, a mais importante companhia chilena de dança se apresenta no Palácio das Artes. Além de Márcia, a companhia, com 55 bailarinos, traz três brasileiras: a primeira bailarina Andreza Randisek, Michele Bittencourt e Lara Gonçalves Costa, esta do corpo de baile.
Há quatro anos, Márcia montou Zorba, o grego em Santiago. “Quando estreou, foi o maior sucesso que houve num teatro no Chile. O público de lá não é efusivo como o brasileiro, é mais conservador, calmo”, relembra. Porém, a montagem da coreografia de Lorca Massine – com música de Mikis Theodorakis – provocou reações intensas.
Márcia Haydée não mexeu em nada da coreografia original. O próprio Massine foi até Santiago conferir a nova montagem. “A maneira como ele conseguiu misturar as diversas danças, com muita referência oriental, fez com que Zorba se tornasse um dos balés mais interessantes que existem. No final, durante a sirtaki (dança popular criada para o filme), as pessoas querem subir no palco”, comenta.
A temporada chilena de Márcia já tem data para terminar – o contrato com o Ballet de Santiago vai até o fim de 2017. “Chegou o momento de deixar a companhia. Vou fazer outra coisa”, comenta. Quando sair, Márcia já terá chegado aos 80. O que não faz tanta diferença assim, pois a dança, para ela, não tem idade.
Diariamente, faz ioga – atividade que não lhe chegou através da moda. “Pratico há 18 anos e criei meu próprio programa, que misturo com pilates.
Ela se aprofundou na prática na década de 1990. “Quando parei de dançar no Balé de Stuttgart, estava casada com um mestre de ioga e meditação. Ele me levou para conhecer a Índia e, naquele período, fiz muitas coisas sem nada a ver com o palco”, revela.
Existe um projeto para o futuro que, se tudo der certo, deve ser viabilizado em 2017 justamente para comemorar os 80 anos da bailarina. Estão incluídos na comemoração um documentário, um livro e uma exposição. E dançar, sempre.
“Os coreógrafos criam papéis para a idade que tenho”, comenta ela, que, no palco, atua mais na seara do teatro-dança. “Sou como uma atriz no meio dos bailarinos”, explica Márcia. Por ora, ela prefere fazer poucos planos. “Quando criança, disse para minha mãe que queria ser uma grande bailarina, mas não pensei que iria para a Europa. Não planejei a vida que tive, as coisas foram acontecendo e segui a direção”, finaliza.
Eles criaram para Márcia
Em 1961, Márcia Haydée participou de uma audição para o Balé de Stuttgart, na Alemanha. O então diretor, o sul-africano John Cranko (foto), logo a fez primeira-bailarina. Foram 13 anos na função. Ela dançou espetáculos que marcaram época, como Romeu e Julieta, A megera domada e Carmem. Em 1976, três anos depois da morte de Cranko (1927-1973), ela assumiu a direção da companhia. Foi ali que conheceu seu parceiro de palco (por 36 anos) e marido (por 16), o norte-americano Richard Cragun.
Se John Cranko formou Márcia Haydée, coreógrafos tão importantes quanto ele criaram para ela, já bailarina consagrada. No Ballet de Stuttgart, Márcia dançou o papel principal de A dama das camélias, coreografia do norte-americano John Neumeier (foto), de 74 anos, que a dirigiu no longa-metragem homônimo. Outra criação dele foi Blanche DuBois, de Um bonde chamado desejo.
O coreógrafo francês Maurice Béjart (1927-2007,foto) criou uma série de papéis para a brasileira – entre eles, Divine (1981), sobre Greta Garbo, e Isadora II (1983), sobre Isadora Duncan. Márcia comenta que os papéis são de acordo com sua idade. Ela foi também Madre Teresa de Calcutá numa proposta mais voltada para dança-teatro, em Madre Teresa e as crianças do mundo (2002).
ZORBA, O GREGO
Com Ballet de Santiago. Amanhã, às 20h. Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Setor 1: R$ 200 (inteira) e R$ 100 (meia-entrada). Setor 2: R$ 160 e R$ 80 (meia). Balcão 1: R$ 120 e R$ 60 (meia). Balcão 2: R$ 50 e R$ 25 (meia).