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Conheça o professor aposentado da UFMG que domina quase 10 idiomas


João Carlos de Melo Mota tem 73 anos e é professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por mais de 20 anos deu aulas de português, espanhol e latim – sendo essa última língua sua grande paixão. A intimidade com idiomas é de tal maneira impressionante que, adolescente, já escrevia em quatro deles, incluindo o latim. Dominou quase 10, mas em alguns regrediu por falta de prática, como grego e alemão. Também inventou linguagens (nada menos que nove) e chegou a pensar em latim. E não ficou nisso.

Não fosse o suficiente, desenvolveu habilidade incomum e curiosa de ler de trás para frente. Não aquela leitura reversa que qualquer um é capaz de fazer (simplesmente emendando letra por letra), nem a inversão da ordem silábica. Ele o faz pela maneira fonética: se sua voz for gravada enquanto faz isso e posta para tocar no sentido contrário, é possível ouvir frases de maneira próxima à que são faladas normalmente.

Não é perfeito, obviamente, mas fica parecido.

De que serve isso? Nada, responde: “É pura diversão, diletantismo mesmo”. Entretanto, ele arrisca dizer que tal exercício, por mais excêntrico que seja, talvez contribua com alguma pista sobre o fato (ou enigma, como prefere Mota) de o português ser uma língua com tantas vogais nasais – como a de romã, por exemplo. É uma brincadeira bem mais complicada do que pode parecer, exigindo, entre outras “maldades”, que se preste atenção para manter a acentuação tônica das palavras. Do contrário, tal leitura reversa não dá certo.


A mania começou nos anos 1950, quando foi seminarista na cidade histórica mineira de Congonhas. Foi a palavra acaiaca, lembra sem esforço, que lhe despertou tal interesse: não por acaso, ela pode ser lida perfeitamente de trás pra frente – novamente, basta ficar atento na hora de posicionar a sílaba tônica. O aperfeiçoamento da técnica (pela maneira fonética de ler) veio com o tempo e graças a obras do acaso, como ter escutado, sabe-se lá por que, a música Lígia, de Tom Jobim, tocada ao contrário.

NAMORADA Outra diversão do tipo é a criação de haicais (forma de poesia japonesa, em três versos e 17 sílabas) e, neste caso, fica clara a tendência de Mota em escrever sem economia. Boca de areia, a maior obra que já escreveu, tem uns 4 mil deles, totalizando nada menos que 12 mil versos.
Para não deixar dúvida, sua tese de doutorado sobre samba-enredo, defendida na França, tem 804 páginas, divididas em dois tomos. Detalhe: tudo em francês e graças ao fichamento de 300 livros.

Sua obra atual é composta por 18 títulos em cinco línguas, além de 30 sonetos em italiano e outros 107 em espanhol, entre outras produções complementares. “Sou de sentar e fazer. Faço muito rápido e em qualquer língua. Minha produção vem sempre por insight e, quanto mais me envolvo, mais rápido sai. Em latim, faço mais rápido que os próprios romanos. Muitos autores, inclusive, falam da dificuldade de lidar com latim e grego”, conta, sem qualquer ar de superioridade. Ele faz poemas em sete línguas, incluindo latim, claro.

Numa “sentada”, como gosta de dizer, pode fazer vários poemas, mas é preciso haver um sentimento para motivá-lo.
Ou seja, independentemente da natureza do estímulo, não basta sentar. “Trinta anos atrás, fiz de brincadeira um de quase 300 versos em latim, depois de uma viagem a São João del-Rei, gozando um reitor pão-duro da universidade federal da cidade que saiu para comer e nem sequer ofereceu almoço a mim e a dois colegas que tínhamos ido para lá só para compor a banca de avaliação de um candidato à vaga de professor de latim”, lembra.

Ao longo das décadas, Mota perdeu muitos escritos autorais que engrossariam essa conta consideravelmente, alguns deles em esperanto, feitos quando ainda era “rapaz”. “Quando fui seminarista, já tinha tudo na cabeça. Quando os padres passavam para vigiar a gente dormindo, me achavam escrevendo poemas na cama. Eles me boicotavam e apenas um lia o que eu escrevia. Ninguém me apoiava. Perdi uns 500 poemas dessa época, que ficaram com uma namorada que tive. Bonita e simpática, ela também sumiu”, conta.

Curiosidade: embora use frequentemente o computador para escrever, ele nunca acessa a internet. Os ícones de navegadores estão em sua tela, mas jamais são clicados. Ali, só o Word tem vez.

FUGIDINHA No fim das contas, o latim, que aprendeu em três meses, prevalece como sua língua favorita.
“Eu tinha uns 12 anos quando comecei e a vontade de aprender mais sobre o idioma foi tanta que eu não sou soube como reagir. O latim me dominou. Absorveu-me de tal forma que abandonei outras línguas, como grego e alemão. Tenho preocupação de não ficar afastado do latim e, sempre que me dedico a outra língua, arrumo um jeito de dar uma fugidinha até ele”, brinca.

Carinhosamente, Mota chama o latim de “doença” e acrescenta que a paixão por ele resultou, até o momento, em 350 poemas e duas obras inacabadas, além de uma terceira, concebida quando era adolescente e só recentemente resolveu tirar da gaveta. Paralelamente, ele relata ter traduzido com rapidez para o português moderno obras clássicas do idioma como Eneida, de Virgílio, e Metamorfoses, de Ovídio, com cerca de 11 mil versos cada. E ainda arranja tempo para revisar, por diversão, o dicionário Houaiss.

Com tanta facilidade e tempo para poder escrever, Mota garante que não pensa em publicar nada que escreve. “Talvez eu dê mais valor ao que fiz em latim, por ter conseguido ser lírico numa língua tão antiga”, acrescenta. É que, antes de mais nada, tudo isso para ele é uma questão de prazer. Ou não teria se sentido tão feliz por ter escrito, no dia desta entrevista, um poema para o irmão que morreu, depois de ter escutado uma obra de Bach enquanto dirigia. E foram apenas dois versos..