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As 24 horas em que BH virou palco

Com um público estimado em 580 mil pessoas, batendo o ano passado, evento ocupa ruas e praças com centenas de atrações. Apesar de proibição, manifestações políticas marcaram a festa

Mariana Peixoto
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Em seu quarto ano, a Virada Cultural não tem mais segredos para o público de Belo Horizonte. Quem gosta de cultura já sabe: ao longo de 24 horas, todas as turmas e tribos da cidade se reúnem em espaços públicos para shows, apresentações e performances. Tem de tudo, e para todos. Nesta edição, que terminou na noite de ontem, depois de 500 atrações, foram 580 mil pessoas nas ruas, superando a estimativa de 500 mil do ano passado. Boa parte dos integrantes dessa multidão se dividiu à espera dos shows de encerramento, do pernambucano Lenine, no Parque Municipal, e da carioca Elza Soares, na Praça da Estação. Antecipada por uma polêmica no já controvertido cenário político-social brasileiro – a tal cláusula 8 do contrato dos artistas mineiros que participaram do evento, que impõe multa àquele que se pronunciar sobre política – havia uma dúvida no ar. Como eles se manifestariam? A resposta foi dada ao longo de todo o evento.

Com a marca do hip-hop na abertura da Virada Cultural de 2016, a Praça da Estação foi, também, palco para posicionamento político. Muita gente levou para lá cartazes onde se lia “Fora Temer”, mas os artistas que se apresentaram – Dexter, Flávio Renegado e Criolo – deixaram claro que política vai muito além de palavras de ordem.

Dexter, o primeiro a se apresentar, revelou que, mais cedo, visitara presídio feminino em BH e, revoltado, reivindicou mais dignidade para homens e mulheres que vivem nas cadeias brasileiras.
Lembrou que a profunda injustiça social do país é máquina de fabricar bandidos.

- Foto: O mineiro Flávio Renegado foi ovacionado quando trocou a camiseta preta por outra, onde se lia “Cláusula 8”, na frente, e “Fora Temer”, atrás. O contrato do artista com a organização não continha a cláusula que impõe multa ao artista por se pronunciar sobre política, informou a produtora do cantor, Danusa Carvalho. Depois do show, Renegado disse ser complicado para ele ficar calado e ir de encontro ao que faz em suas apresentações. “Não vou nunca fugir dos meus princípios, da minha missão”, disse.

Último a se apresentar, Criolo não gritou palavras de ordem. Mas defendeu os estudantes que têm ocupado escolas pelo Brasil afora para reivindicar educação de qualidade, mandou um “axé” para os professores brasileiros e ressaltou as mazelas impostas ao cidadão humilde no país. “Franco-atirador de rimas”, ainda atacou o racismo, a homofobia e a intolerância.

No Parque Municipal, o clima se repetiu. O mineiro Di Souza e sua banda usaram mordaças e a inscrição “É golpe” na barriga – em referência ao afastamento da presidente Dilma Rousseff –, e leram a contestada cláusula 8. O público foi à loucura. Também no parque, Sandra de Sá e a Banda Brilha animaram uma plateia estimada em 20 mil pessoas. A cantora lembrou seus grandes sucessos e brincou com a letra de Vale tudo. “Quem tem preconceito é um mané”, disse, depois de cantar “só não vale dançar homem com homem / nem mulher com mulher”. Sem atropelos, a carioca não protestou. “Sou pré-candidata a vereadora”, disse.

Na Rua Guaicurus, onde ficou o chamado palco da diversidade, houve momentos distintos.
Se as primeiras atrações – Gaby Winehouse e DJ Xuxu MPC – mantiveram-se alheias às manifestações, duas bandas mineiras, Djalma não Entende de Política e Cabezas Flutuantes, deram seu recado, com slogans contra o presidente em exercício Michel Temer e contra o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda.

Quem andava pelas ruas do Centro via a cada esquina frequentadores com camisas com frases e cartazes de conotação política. “A cláusula 8 se compara à ditadura. O público e os artistas têm total liberdade de se expressar, ainda mais neste momento político”, comentou a socióloga Rivana Alves, no show do francês Nicola Són, na Praça Sete.

No Sesc Palladium, o performático cantor pernambucano Johnny Hooker levou o público ao delírio com as canções de seu disco Eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito!, Muitos homens usavam saias ou vestidos. “Tem tudo a ver com ele. Além de um artista brilhante, o Johnny Hooker é uma figura que defende a liberdade de gênero, de cada um ser o que quiser, vestir o que quiser. Isso é bem bacana”, opinou Lisieux Araújo.

Na Praça da Rodoviária houve dupla estreia. Além de o espaço servir de palco pela primeira vez na Virada, o coletivo Masterplano também debutou com a festa eletrônica Se vira, baby. No cenário, projeções com imagens de políticos como o presidente em exercício e o deputado federal Jair Bolsonaro, com a palavra “Socorro “. “Aqui é um espaço pouco valorizado da cidade e a gente aproveitou esse momento político e social para contextualizar a nossa festa”, declarou um dos integrantes do coletivo, o artista visual Pedro Saldanha, o Pedro Pedro..