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"Ocupação é a única saída que esses alunos tiveram para ser reconhecidos", diz professor

Pedro da Hora
Por Pedro Castilho - Psicanalista e professor da Faculdade de Educação da UFMG.

“O jovem no Brasil nunca é levado a sério” - Chorão, Charles Brown


Na política do Brasil, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff tem dominado o noticiário do país, mais uma crise no Estado que tem o potencial para moldar a democracia no país para os próximos anos.
Uma das consequências dessa crise é um enorme protesto em resposta ao plano do Estado brasileiro em reorganizar escolas públicas ou mantê-las sucateadas – escolas em São Paulo, em 2015, e no resto do Brasil este ano.

As manifestações de junho de 2013 ainda não acabaram. Agora é a vez de os estudantes de escolas públicas do país responderem as estas novas exigências do Estado neoliberal brasileiro. Neste ano de 2016, está ocorrendo um fenômeno que há muito não se via: uma eclosão simultânea e contagiosa de movimentos sociais de protestos, com reivindicações peculiares em várias regiões do Brasil dos estudantes secundaristas. Uma onda de mobilizações e protestos sociais que tomou a dimensão de um movimento nacional. Segundo recente reportagem de Maíra Martin, no jornal El Pais, estes jovens “são filhos de cozinheiras, pedreiros, faxineiras, costureiras ou desempregados e uma escola particular é um luxo inalcançável no orçamento familiar. Eles já perderam aulas de geografia ou física durante um ano inteiro por falta de professor ou assistiram às aulas de olho na mesa do lado por falta de livros”.

O novo anulado, agora, tem consciência de seus direitos e quer fazer história na educação brasileira. Este é um movimento que demonstra coragem por parte desses alunos.
Coragem que outras gerações, ainda carregando um certo ranço dos tempos da ditadura, não tiveram e que os jovens agora deixaram de lado para reafirmá-la. A estratégia de desmontagem do movimento secundarista é colocar os grupos que ocupam as escolas contra os grupos que querem a desocupação.

A ocupação é a única saída que esses alunos tiveram para ser reconhecidos pelas esferas públicas e sociais, uma vez que as reivindicações foram sempre inaudíveis para os representantes do Estado, juntamente com uma resposta que vinha articulada com uma burocratização ou adiamento de decisões reais. Encontramos nas falas desses alunos e alunas causas de professores, causas de empoderamento das mulheres e jovens, causas raciais, causas relacionadas às estruturas das escolas e causas relacionadas à questão de gênero. Esses alunos e alunas não fazem uso de drogas e também não estão vinculados a nenhum partido político, embora sejam acusados desses atos.

Os jovens denunciam um projeto neoliberal que aborda a educação a partir da contenção de gastos, do fechamento de algumas escolas e da terceirização do setor. Esse projeto neoliberal é o caminho escolhido pelo governo para desinvestir e produzir um desmantelamento da escola pública, com salas superlotadas e com professores convivendo com as piores condições de trabalho.

Seja qual for a possível caracterização do capitalismo na sua mutação neoliberal, um fato é evidente: a natureza ilimitada do mesmo e como isso ataca todas as esferas institucionais. O capitalismo se comporta como uma força de liderança, que se expande ilimitadamente até os confins da vida. Agora, é a vez da educação pública. Essa é uma tendência de sucateamento do serviço público e uma tentativa de transformar jovens estudantes em corpos dóceis que vão acatar passivamente esse projeto neoliberal. Os próprios estudantes fizeram o levante contra esse processo e não aceitaram um novo projeto neoliberal do Estado.

A solução do Estado para o problema tem sido a criminalização dos movimentos dos estudantes, reprimindo com violência policial as ocupações dos jovens nas escolas públicas. No entanto, o movimento brasileiro não lembra em nada o maio de 1968 francês, pois, no país europeu, as manifestações estavam vinculadas à classe burguesa, que procurava um reconhecimento da classe média na sociedade francesa.

Agora, no Brasil, temos uma luta horizontal, em que não há centro do poder e sua matriz é a classe trabalhadora. São jovens filhos de trabalhadores pobres de todo o Brasil que se rebelam contra a estrutura educacional vigente. Se em um dia um estudante era porta-voz do grupo, no outro havia outro porta-voz, o que demonstra uma estratégia de pulverização do poder dentro do mesmo movimento social. Esses jovens trabalham, muitas vezes, com uma visão política que quer um Estado democrático de fato e de direito.
Não apenas um governo que tem uma fala diferente da prática. Nessas manifestações existem apoios vindo dos pais, das comunidades e dos professores que ajudam nas ocupações. Nesse sentido, podemos perceber que há ainda um efeito de transmissão no processo que passa do adulto para os jovens. As ocupações fazem da situação um elo entre as gerações que trabalham juntas em prol dos direitos dos jovens e dos estudantes.

Além disso, é importante ressaltar os efeitos psicológicos que se produzem nesse novo movimento de grupo. Até então, era muito comum relacionarmos os comportamentos dos estudantes nos tempos atuais como movimentos individualistas e sectários, sem qualquer ideal de grupo ou coletivo. Ademais, na segunda metade do século 20, o neocapitalismo, as novas tecnologias e as comunicações digitais facilitaram uma ampliação dos valores dos jovens em escala universal. Os movimentos contemporâneos demonstram que uma parcela da juventude continua bastante organizada, produzindo reivindicações de grupo e políticas dentro de uma sociedade bastante consumista e hedonista na qual o adolescente é o principal alvo da lógica consumista.

A juventude predomina quando o segmento jovem é relativamente significativo em relação à população adulta. No momento em que a sociedade passa por rápidas mudanças de valores em razão do declínio de ideais históricos, vemos os adolescentes lutando por seus objetivos. Parece contraditório, mas o que estamos percebemos são jovens mais bem organizados do que adultos e políticos tradicionais.

Pode-se perceber que, agora, o estudante não é mais alvo do discurso do capitalismo, mas sujeito de ação e de escolha próprias, questionando a submissão às exigências do capital e criando demandas para seus interesses. Existe nesse movimento um aspecto subjetivo em que os estudantes demonstram que estão em busca de reconhecimento, mas não apenas um reconhecimento material, mas sim um reconhecimento que procura trazer à tona a realidade do adolescente e do jovem no século 21..