Finalmente, terminou o texto. Imprimiu, leu novamente, rabiscou, trocou palavras e frases, depois corrigiu no lap. Parou, deu voltas, mergulhou no ruído da cidade, absorto. “O menino, o assovio e a encruzilhada”. Frases curtas e o assovio, mágico, mudando o cenário e transformando tudo. Perto de Maurice Druon, pensou. O que diria Bartolomeu? Finalizou o arquivo, abriu
o navegador e mandou para o seu email, com uma longa carta. O que ele diria? Precisava saber.
Murilo sempre caminhava por ali.
O telefone preto, imenso. Não sabia por que, mas se lembrava muito daquele telefone na casa de Bartolomeu. Ficava horas sentado em uma pequena cadeira ao lado do corredor, conversando. Quando não tocava, ia conferir se estava mudo.
Murilo sentado na mesa do Pelicano. Um chope claro, com espuma, desencadeou a enxurrada de histórias. Ou, às vezes, apenas uma, sistemática, insistente, única. O trecho das leoas devorando o elefante impressionava, mas não estava resolvido.
Sentado na cadeira, deslizava as mãos sobre o braço de metal polido. Era uma cadeira modernosa, com o braço em curva. Depois da centésima vez, repetido o gesto, olhou teatral: não haverá mais governo, um dia. Nem leitura, nem literatura. Um dia não haverá mais nada. Sobrarão apenas os professores e as professoras, ensinando ao vento. Tenho muita pena das professoras que não sabem disso – que não sabem que esse dia virá. Olhou novamente o e-mail, nenhuma resposta. Indignou-se. Morte.
Murilo Rubião veio, andando, sem parar, segurou em um braço do rapaz, que continuou andando. Bartolomeu Campos de Queirós acompanhou os passos e segurou no outro braço. Começou a levitar. Entendeu a encruzilhada, o caminho a tomar. E ouviu o assovio. Maurice Druon.
*Escritor, produtor cultural e criador do Sempre um Papo. Este conto inédito foi gentilmente cedido ao Pensar e faz parte do livro Olhos de carvão, a ser lançado em 2017 pela Editora Record
.