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Centenário de Rubião

Um encontro mágico

''Intrigava-me como aquele homem de terno e gravata, aparentemente sisudo, tinha gestado um texto que me causou tanto assombro''

- Foto: Reprodução/Quinho
*por Thais Guimarães
 
Era 1974, ano da publicação de O pirotécnico Zacarias. A ditadura militar regia o país e, no meu imaginário, garota de 13 anos, havia um monstro do qual era preciso esconder. Tinha ido visitar meu tio, preso político, em um presídio em Fortaleza, e toda aquela brutalidade ficou gravada em meus olhos. O Sítio do pica-pau amarelo, naquele momento, estava em algum lugar perdido da infância. Meu imaginário pedia outros textos.

Até que ganhei O pirotécnico Zacarias, de onde saltou um coelho aprisionado por seu desejo de ser humano. Para quem criou coelhinhos branquinhos até os 12 anos, Teleco era uma vertigem, talvez um desencanto, quebrando definitivamente a inocência de quem tinha visto tantos homens presos como animais. Queria que Teleco fosse um anjo, mas ele se tornou apenas uma criança morta. Era impossível interromper ou sair daquele mundo.
Logo, ex-criança, tornei-me também a operária da construção de um arranha-céu sem fim, artífice do Edifício e, em certa medida, me sentindo desde então uma fora da lei.

O que me surgia da leitura de Murilo Rubião era outra fantasia, tão mágica quanto realista, em minhas idiossincrasias juvenis. Exatamente por isso, guardei, e até hoje guardo, a primeira edição de O pirotécnico Zacarias, durante anos encapado com um plástico verde que amarelou e trincou, mas não o que me trouxe de perplexidade naquele momento.

Exatamente por isso, nos anos 1980, quando fui então funcionária da Imprensa Oficial, como montadora de fotolito e, depois, do próprio Suplemento Literário, olhava com tanta inquietude para aquele homem atrás dos óculos, que me parecia tão comum. Foi quando me contaram que ele era o autor do livro que fez parte de passagem tão importante da minha vida. Intrigava-me como aquele homem de terno e gravata, aparentemente sisudo, tinha gestado um texto que me causou tanto assombro. Seria o pirotécnico em carne e osso e eu apenas um ser passando assustado?

Quase nove anos após a leitura, me sentia a mesma garota perplexa. Mas, com a coragem de quem já tinha tido um poema publicado no Suplemento Literário, bati à porta de sua sala. Na época, ele era o diretorda Imprensa Oficial e me apresentei como poeta. Sentada diante dele, o autor, relatei-lhe a viagem proporcionada pelo livro, o mesmo que tirei da bolsa, ainda encapado com o plástico verde, e quee le, visivelmente emocionado, autografou com dizeres simples e generosos: “Com o abraço afetuoso e a estima do Murilo Rubião”.

*Poeta, autora de Jogo de cintura, Dez pretextos para uma noite de solidão, Bom dia, Ana Maria (Prêmio Jabuti, 1988), entre outros. Seu livro Jogo de facas está no prelo.
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