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Depoimentos

A armadilha

As histórias de adaptações de contos de Murilo Rubião

- Foto: Divulgação/Rafael Conde

*por Rafael Conde

 

Não sei precisar meu primeiro encontro com os personagens de Murilo Rubião. Nem com as histórias envolvendo sua escrita: do dia em que, voltando para casa, esquece os originais dos novos contos no banco de trás de um táxi; as viagens lisérgicas, as conversas com o ar pelos corredores do Edifício Maletta. No final dos anos 80, procurei o autor para conseguir sua autorização para adaptar para o cinema quatro de seus contos. Atendeu me por telefone, uma voz muito baixa, pausada. Pediu desculpas, não podia falar muito, estava se recuperando de uma cirurgia na garganta, decorrência do tabagismo.


Cheguei ao hall do antigo prédio da Avenida Augusto de Lima e já procurava nesse cenário os locais reais para filmes que já me perseguiam, os labirintos da armadilha em seus corredores, o desespero de Manfredo nos gestos do porteiro, a melancolia de Galimene na moça que esperava olhando para a rua.

 

Fui atendido pelo próprio Murilo. Sempre sussurrando, me disse que gostava muito de cinema e que ver seus contos na tela era sempre estimulado por ele. Vez por outra algum jovem o procurava. Perguntou-meo porquê daqueles contos.

As dificuldades do Mágico enfastiado do ofício. Lembro me de que falei algo sobre o realismo pedido pelo registro da câmera, encenado com os efeitos mágicos do corte na montagem de Meliés. Ali mesmo, na mesa de centro, havia uma Olivetti portátil, onde datilografou a autorização. Aproveitei para convidar o escritor para uma pequena participação no filme. Filmei o primeiro conto no ano seguinte e os dias de filmagem coincidiram com o de seu falecimento. O filme demorou quase 10 anos para ficar pronto e, mesmo em suas imperfeições, ele me lembra que O ex-mágico da Taberna Minhota é um dos melhores contos autobiográficos já escritos.

 

*Rafael Conde é professor de cinema da Escola de Belas-Artes da UFMG. Dirigiu, entre outros, o curta-metragem O ex mágico da Taberna Minhota (melhor direção, roteiro e ator no Festival de Cinema de Brasília de 1996).

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