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Por Rodolfo Magalhães

Salto histórico

"Sem saber, Murilo me propiciou saltar do analógico para o digital. Era esse o salto acontecido: do realismo fantástico para as placas de computadores, do analógico paras os bits, de computadores carroças para processadores velozes"

O vídeo experimental 'O pirotécnico Zacarias', de Rodolfo Magalhães, é baseado na obra de Rubião - Foto: Reprodução/YouTube
*Por Rodolfo Magalhães
 
Éramos todos analógicos quando, recém-formado, trabalhava em uma pequena produtora de vídeos pioneira na pesquisa e uso de recursos digitais. Ansiávamos fazer da poesia projeções digitais com alcance publicitário, editorial. Era uma ilusão, claro, mas o exercício da pesquisa pela poesia podia ser caminho para as intenções publicitárias, musicais, artísticas, institucionais, midiáticas e derivadas.

Varios roteiristas e diretores foram chamados à Secretaria Municipal de Cultura para ouvir de Julio Varela uma proposta rara naqueles tempos: produzir uma obra artística a partir da literatura de Murilo Rubiao. O roteiro escolhido seria produzido para integrar uma grande mostra de arte dedicada ao autor; o projeto chamava-se Memória Viva.

Conhecia Rubião apenas através das coletâneas Para gostar de ler. Ao mergulhar em sua obra para redigir o roteiro, naturalmente, fundamentei minhas soluções nas possibilidades da incipiente computação gráfica. Era muito claro na minha imaginação que o realismo fantástico poderia se beneficiar das ferramentas digitais, apesar de elas ainda engatinharem. E assim foi produzido O pirotécnico Zacarias, uma video arte de aproximados oito minutos que mesclava diversos textos da obrade Murilo em uma viagem ainda analógica, mas repleta de estocadas digitais.

Sem saber, Murilo me propiciou saltar do analógico para o digital. Era esse o salto acontecido: do realismo fantástico para as placas de computadores, do analógico paras os bits, de computadores carroças para processadores velozes.
Uma armadilha para a velocidade. Ao fazer a história que havia proposto, pegar pelas vias visuaisas narrativas de Murilo Rubião e distorcê-las em poucos píixels, poucas cores (usavam-se ainda 256 apenas) e fazer com que figuras se transmutassem em outras, fizemos, aqui nas Minas, algo pioneiro e assustador. De certo, com a devida modéstia, como a literatura de Rubião fez.

Encontrei Murilo pela primeira vez em sua visita à sede da produtora para que apreciasse a obra pronta. Discreto, mas visivelmente satisfeito, acalmou-me com um curto elogio. Era maio, e aexibição pública adiava-se devido à saúde do escritor. Voltei a encontrá-lo em seu apartamento, na Augusto de Lima, mais uma vez.
 
Em setembro, o vídeo foi lançado, graças a uma feliz dica da jornalista Ângela Faria, no Edificio Malleta, ponto habitual do escritor. Um público diverso – figuras importantes da literatura e cultura, jovens descolados – compareceu. E ele, Murilo Rubião, para surpresa de muitos, também estavalá. Sentado na única cadeira disponível, iria revera projeção ao meu lado. Com gentileza e amparo, estendeu sua mão ao jovem cineasta, e vimos juntos, pela última vez, as mutações de Teleco, a viagem do pirotécnico.
 
Assista ao vídeo experimental O pirotécnico Zacarias, de Rodolfo Magalhães, lançado poucos dias antes da morte de Murilo Rubião, em 1991:
 

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