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O mestre Murilo

Depoimento do jornalista e escritor Carlos Herculano, sobre as influências de Rubião

Carlos Herculano Lopes
- Foto: Eugenio Silva/O Cruzeiro/EM
O meu primeiro contato com a obra de Murilo Rubião ocorreu em meados dos anos 1970, quando prestei vestibular para medicina-veterinária na UFMG, e não fui aprovado. Entre os livros de leitura obrigatória para aquele ano estava O pirotécnico Zacarias, do qual nunca tinha ouvido falar, como também do autor. Lembro-me de que a edição era da Ática, e integrava a Coleção de Autores Brasileiros, dirigida por Jiro Takahashi. Logo de cara (por aqueles tempos eu também já me aventurava a escrever), fui literalmente tomado por três contos muito estranhos: Os dragões, O ex-mágico da Taberna Minhota, e Bárbara, que nunca mais deixei de ler.
 
Mas meu primeiro contato pessoal com Murilo Rubião só viria a ocorrer em 1982, quando, já formado em jornalismo – e trabalhando na Editoria de Pesquisa do Estado de Minas –, venci o Prêmio de Literatura Cidade de Belo Horizonte comum livro de contos chamado Memórias da sede. Lúcia Machado de Almeida, Ary Quintela e Rubião, os três já mortos, foram os jurados. Algum tempo depois, numa conversa com Bartolomeu Campos de Queirós, ele me disse que havia se encontrado com Murilo, esse tinha falado de mim, e manifestado vontade de me conhecer. Nosso primeiro encontro, junto com Bartolomeu, foi no Restaurante Pelicano, no Edifício Maletta.

Lá pelas tantas, depois de já haver tomado alguns uísques, Murilo Rubião virou-se para mim, olhou por cima dos óculos, passou a mão na careca e disse: “Meu caro, se você tivesse pontuado aqueles contos de Memórias da sede, teria escrito um grande livro. Ele é muito bom.
Mas a falta de pontuação atrapalhou bastante. Foi uma pena”. Fiquei encabulado, sem saber o que responder, e olhei para Bartolomeu, que havia acendido outro cigarro,embusca de socorro.
 
Os contos tinham sido escritos logo após uma leitura empolgada que eu havia feito de O outono do patriarca, de Gabriel García Márquez. Mas ficou a lição e naminha modesta carreira de escritor, já com 15 livros publicados, Memórias da sede segue sendo o único dos meus trabalhos que não me empolgo em reeditar. Escrever histórias sem pontuá-las, com certeza nunca mais.
 
A partir daquele dia, fosse na companha de Bartolomeu Campos de Queirós, Roberto Drummond, Fritz Teixeira de Salles, Wander Piroli, Oswaldo França Júnior, Geraldo Magalhães, José Maurício, Wilson Leão, Antonio Barreto, Paulinho Assunção, Jaime Prado Gouvêa, Adão Ventura, Branca de Paula e tantos outros, sempre me encontrei com Murilo, e nos tornamos bons amigos. Às vezes, pois morávamos na Serra (eu na Rua Caraça, e ele na Trifana, só depois ele se mudou para a Augusto de Lima), costumávamos subir de táxi, logo após um encontro no Maletta, ou em algum lançamento de livro. Às vezes, Oswaldo França Júnior, no seu lendário Opala azul, nos dava uma carona.

No dia 16 de setembro de 1991, quase 10 anos após aquele nosso primeiro encontro, recebo um telefonema de Bartolomeu Campos de Queirós, então superintendente da Fundação Clóvis Salgado, do Palácio das Artes, me falando da morte de Murilo Rubião. “Vou propor à família fazermos o velório no foyer do palácio”, ele me disse. No dia seguinte, junto com outros amigos, fui me despedir de Murilo Rubião, que embora tenha publicado somente 33 contos, se imortalizou como um dos maiores escritores deste país, econtinua sendo o guru de várias gerações de escritores mineiros, inclusive da minha.
 
*Carlos Herculano Lopes é jornalista e escritor, autor de Sombras de julho, O vestido, Poltrona 27, entre outros.
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