A escolha inaugural foi Sharaz-De, do mestre italiano Sergio Toppi (1932-2012). Como o subtítulo diz, são “contos de as mil e uma noites”, narrados por Sharaz-De, mais conhecida no Brasil como Sherazade. As histórias são famosas e retumbam no imaginário mundial, além de responsáveis também por constituir nossa noção sobre o Oriente e uma certa imagem mística e quase fabular sobre o povo árabe.
RENOVAÇÃO Além de muitos prêmios, o autor conquistou reconhecimento de público com colaborações para revistas de peso – Corrieire del Piccoli, Alter Alter – e ao publicar na França pela Editora Mosquito. Embora praticamente inédito no Brasil, a obra de Toppi tem importância significativa para a linguagem dos quadrinhos europeus. A adaptação feita em Sharaz-De renovou a estética visual ao conseguir uma boa síntese visual, sobrepondo imagens em um único quadro. Toppi é transgressor, sobretudo, ao conceber o elemento narrativo próprio dos quadrinhos – os quadros em sequência, dispostos em uma página – como um todo.
O artista alcança o sublime ao verticalizar os elementos visuais e recompor a sequência narrativa da leitura tradicional para a composição da página inteira, usando dos elementos em claro e escuro de maneira própria e criando estruturas internas a partir deste contraste. Também é notável a disposição dos balões – outro elemento de linguagem específico dos quadrinhos –, que servem para conferir equilíbrio ao todo. Toppi faz uso de recursos gráficos pouco usados até então. A concepção de página como uma obra única e praticamente autônoma aproxima seu trabalho da pintura ou da tradição da gravura.
Seu traço elegante demonstra completo domínio da técnica ilustrativa e combina fidelidade realista e elementos fantásticos plenamente coerentes com a ideia dos contos narrados por Sharaz-De. Muitas vezes os traços remetem a Gustav Klimt ou Egon Schiele, ao criar padrões gráficos semelhantes a colagens, alternando linhas finas e o prato e branco contrastado. O artista consegue impor seu estilo singular ao texto árabe, criar misticismo, e envolver o leitor com tecidos e indumentárias, seres imaginários e reinos distantes, nos enreda como faz a narradora que, por isso, viveu 1001 noites a mais..