Há quase 200 anos, a jovem burguesa Mary Godwing Shelley concebeu uma das criaturas de terror mais famosas da história da literatura: Frankenstein. O livro narra a história de um cientista que traz à vida um cadáver, que acaba por provocar sua desgraça. Para marcar a criação da obra Frankenstein ou o Prometeu moderno, a Fundação Martin Bodmer, museu dedicado à conservação do pensamento universal inscrito em livros, organizou a exibição Frankenstein, criação de trevas, inaugurada na semana passada e em cartaz até 9 de outubro.
O museu fica no Bairro Colony de Genebra, o mesmo onde a escritora britãnica estava há 200 anos quando concebeu a história. Ela pretendia passar o verão desfrutando o Lago Léman na companhia de um grupo de jovens. No entanto, a erupção de um vulcão em Java, na Indonésia, espalha cinzas faz que o céu da Europa fique nublado e provoca temperaturas de outono e chuva quase persistente. Com isso, os amigos ficam confinados em uma casa e decidem escrever. “O boletim meteorológico da época está exposto. O objetivo da exposição é mostrar o mais fiel contexto de criação da obra”, explicou Nicolas Ducimetière, um dos curadores da exposição.
Mary era uma jovem inquieta, filha de um filósofo e de uma escritora feminista, libertária e boêmia, amante do casado e famoso poeta romântico Percy Shelley.
Diante da impossibilidade de sair para o ar livre, Lorde Byron propõe um concurso: que os quatro escrevam uma história de fantasmas. “Byron escreveu um relato curto sem muita importância; Polidori escreveu O vampiro; Shelley o poema Darkness (Escuridão); e Mary começou a escrever Frankenstein, explicou David Spurr, o segundo curador. Todas essas obras são exibidas na mostra, inclusive o diário íntimo da autora e vários manuscritos de Mary editados por Percy, nos quais é possível perceber a evolução do texto. Além disso, está exposto o original do livro editado dedicado por Mary a seu hóspede: “A Lorde Byron, o escritor”.
“A primeira edição não estava assinada. É preciso levar em conta que na época não seria visto com bons olhos que a autora fosse uma mulher. Especulou-se que era obra de Percy, e apenas na versão francesa de 1821 – a primeira edição data de 1818 –, quando a obra já tinha uma grande fama, que o nome de Mary, já com o sobrenome Shelley, foi incluído”, indicou Spurr.
Percy e Mary se casaram em dezembro de 1816 após o suicido da primeira esposa do poeta. “Quando se casaram já tinham dois filhos juntos, eram realmente modernos e boêmios para a época. O grupo era chamado de a liga do incesto”, ressaltou Spurr. Uma das incógnitas que ninguém resolveu em 200 anos é a escolha do sobrenome de Victor Frankenstein, criador da horrenda criatura. “Há duas versões: a primeira diz que Mary o copiou de um livro de François-Félix Nogaret de 1790, que pôde ler durante sua passagem por Paris, onde há um inventor chamado Frankestein, sem ‘n’. A segunda se refere à derivação do nome de uma região da Alemanha que teriam cruzado em seu trajeto para Genebra”, comentou Spurr.
Na exibição são expostos retratos dos quatro personagens, pinturas, litografias e desenhos tanto dos lugares visitados pelos ilustres escritores como de cenas de Frankenstein, que de fato, em muitos casos, são repetidas. A infame criatura visita Plaine de Plainpalais, sobe o Monte Salève, e enfrenta seu criador na geleira Mar de Gelo, em Chamonix, lugares por onde Mary havia passado.
A autora não se inspirou apenas nos lugares, mas também no espírito do local, especialmente o do filósofo Jean-Jacques Rousseau, natural de Genebra.