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Clovis Levi relata sentimento de isolamento das crianças em 'Quero Minhas Escola de Volta'

O autor trata da visão de uma menina sobre o isolamento social e afastamento da escola na pandemia, de forma lúdica e emocionante

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Redação - Observatório dos Famosos clock 30/09/2022 09:41
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O escritor e autor teatral Clovis Levi lança o livro 'Quero Minha Escola de Volta', com ilustrações de Ana Biscaia, na Semana da Criança - no dia 10 de outubro - na Livraria da Travessa de Botafogo, às 19h. O livro conta de forma emocionante, bem-humorada e, às vezes, delirante, o que acontece com Maya, uma menina de oito anos, nos tempos da Covid e mostra as consequências do seu forçado afastamento da escola e dos amigos.

A dupla Clovis Levi e Ana Biscaia recebeu, esse ano, o Prêmio da Feira de Bolonha - 'The Braw Amazing Bookshelf', com o livro, lançado, em Portugal, O Retrato (aquilo que não se vê). Ana Biscaia já conquistou o Prêmio Nacional de Ilustração de Portugal com o livro de Clovis Levi 'A cadeira que queria ser sofá'.

Indicado para crianças de oito anos em diante, 'Quero minha escola de volta' fala sobre a personagem Maya, que entra em depressão durante a covid, vira azeitona para voltar ao útero materno, fica toda cinza e enfrenta, ao mesmo tempo, o Deus do Medo e a Deusa da Curiosidade. Com tanta saudade da escola, sem poder brincar com as amigas, Maya chama a atenção para os novos costumes, emoções surgidas com o novo convívio familiar, com passagens bem-humoradas e, também, tristes. Confira a entrevista!

Lançado recentemente, a sua obra 'Quero Minha Escola de Volta', retrata de forma emocionante e bem-humorada a trajetória de Maya, uma menininha de oito anos que passou pelo isolamento dos amigos durante a pandemia. Como foi conseguir trabalhar com uma situação tão séria quanto a que nós passamos e conseguir transmitir esse conceito através da literatura infantil?

Toda situação grave vivida no nosso planeta está aberta ao delírio, está escancarada para o humor, está de mãos dadas com o non-sense. Todos os temas estão abertos a uma leitura não óbvia. E, nesse sentido, as crianças viajam muito mais livremente do que nós, adultos. Anos atrás eu fui conversar com umas crianças pequenas, numa escola em Portugal. Elas faziam perguntas muito inesperadas - e eu adorava isso. Numa hora eu disse que a criação era algo absolutamente livre, que elas podiam inventar o que bem entendessem. Uma menina - talvez sete/oito anos -  perguntou: 'Quer dizer que eu posso escrever uma história sobre garrafas verdes? ' Talvez essa pergunta seja a melhor resposta para a sua pergunta.

Apesar de muitos subestimam, a literatura ainda é um dos melhores meios de se obter bons conhecimentos, não importando a idade que você tenha. Como autor de obras infanto-juvenis, como você enxerga o contato das crianças com a literatura atualmente e como os livros de histórias conseguem auxiliar no desenvolvimento delas, principalmente nessa fase de formação?

Em princípio, temos de criar o hábito da leitura, temos de estimular, nas crianças, o amor pelos bons livros porque, naquelas páginas, há um mundo de mistérios, aventuras e personagens que poderão marcá-las de modo expressivo pelo resto de suas vidas.

A Educação é a base do desenvolvimento de um país. A Literatura deveria ser parte importante disso. Mas não é. Lembro que, quando criança, eu adorava os livros da Biblioteca da escola, mas a aula de Português nos obrigava a ler Antologias com textos que em nada nos interessavam. Certamente isso afastou dos livros, definitivamente, vários colegas meus, porque ler era muito- muitíssimo chato: temas 'importantes' e estilos baseados numa estética formalista, dentro de regras rígidas a serem seguidas pelos escritores - isso não nos mobilizava. Para a nossa salvação, de repente, surgia um Macunaíma. A Educação não recebe a devida importância e nem a merecida verba no Orçamento da União.

O imaginário, o poético, o estético, o sensível - os governos não percebem nada disso. Só conseguem ver o que é concreto, o que é mensurável - o que dá votos. Os governantes - com raras exceções, não conseguem ver 'aquilo que não se vê' - título de um dos meus livros. A Educação formal, baseada em discutíveis Programas Curriculares, na maioria das vezes trabalha apenas com o que é lógico e pragmático. Então, parecendo incoerente, mas sem ser, lembro o que dizia sobre a nossa Educação, a maior escritora de Teatro Infantil do Brasil, Maria Clara Machado, autora de Pluft, que esteve agora, nos cinemas - 'De vez em quando, feche os livros. E abra os olhos!'

Quando escrevo, desejo falar para as crianças, na linguagem delas, sobre a complexidade da vida, sobre o claro e o escuro, sobre o conflito entre o medo e a curiosidade, procurando fazê-las perceber que, apesar dos Acasos que surgem nas nossas vidas (falo dos Acasos negativos) você sempre é capaz de novamente se levantar e saber que você é quem pode escrever e reescrever o seu futuro. Não acredito em destino e sim na força resiliente do ser humano.

Indicado para crianças de oito anos em diante, como foi processo de escrita desse novo livro e quais foram suas inspirações para criar a Maya, além de escolher o tema do isolamento como foco da história, sendo que o ápice desse isolamento foi em 2020 e 2021?

Nunca pensei nisso mas, com a sua pergunta, parei para refletir e minha resposta mais verdadeira talvez seja o que se passou pela minha cabeça: passaram as minhas netas Izadora e Maya - uma com 17 anos e a outra com poucos meses quando comecei a escrever o livro, em 2020; passou a minha profunda relação com as escolas que frequentei como aluno e como professor, relação que produz, até hoje, fantásticas lembranças e saudades; a minha relação com os alunos/estudantes de Teatro e, com a pandemia, perceber a decepção/revolta/tristeza de serem obrigados a trocar a vida pulsante dos ensaios ao vivo, repleta dos mistérios e das fantasias existentes num Espaço Cênico, por ensaios online, limitando em muito a descoberta de novos caminhos, novas vivências;  e, com certeza,  o lock-down vivido em Portugal em 2020, quando só eram permitidas saídas de casa para a compra de comida e alguns, para fugir da reclusão, chegavam a  pedir  emprestado os cachorros de vizinhos para que pudessem andar pelas ruas sem serem abordados pelos guardas. Foi em 2020, neste contexto, que escrevi a primeira versão, que não era boa. Depois, fiz inúmeras versões, mostrei para algumas pessoas, recebi feedbacks e fui reescrevendo.

Se para os adultos, a fase da pandemia já trouxe alguns desafios ao sermos obrigados a ficar por dois anos em casa, sem poder sair ou conviver em nossos cotidianos normais, para as crianças, isso acabou ficando ainda mais difícil, até por terem que tentar entender a realidade que estávamos vivendo. Acredita que a sua obra poderá ajudar muitos pequenos leitores a entenderem o porquê de tudo?

Espero que as crianças - agora já distanciadas da pandemia, de volta aos corredores e pátios das escolas e de volta ao convívio e às brincadeiras com os amigos - não só entendam como consigam rir um pouco do drama vivenciado.

Durante o enredo da história, nós acabamos indo parar em um imaginário totalmente fantasioso, onde a protagonista deseja virar uma azeitona para voltar ao útero materno e enfrenta o Deus do Medo e a Deusa da Curiosidade. Essa imaginação fértil é algo muito característica da fase infantil. Como é para nós adultos conseguir captar e transmitir esses pensamentos com tamanha exatidão?

Nunca sabemos se conseguiremos. 'Exatidão' me parece algo sempre discutível. É tudo um tanto vago, algo fluido. Tentamos diariamente captar a realidade e falar dela não apenas nos limites da fotografia do real, mas retratar o real penetrando nele através do delírio, do ilógico, do imprevisível. Não gosto de escrever uma história onde, na terceira página, o leitor já começa a prever o que acontecerá com os personagens. Gosto de trabalhar com personagens incoerentes, contraditórios. Um livro colocado nas mãos do leitor carrega o seu mistério: o que acontecerá dentro do universo interior de quem for lê-lo? E há ainda outro doloroso mistério para nós, escritores: alguém vai lê-lo?

Além de todo seu trabalho de escrita, o livro contou com belas ilustrações da Ana Biscaia, que inclusive receberam o Prêmio da Feira de Bolonha no ano passado através da obra 'The Braw Amazing Bookshelf'. Como foi trabalhar em conjunto com ela?

Ana Biscaia é uma joia muito bem lapidada. A concepção que ela criou para O Retrato (aquilo que não se vê) transformou a edição do meu texto numa pequena obra de arte - todos os que veem o livro se surpreendem com a força poética das imagens criadas por ela. As ilustrações da Ana foram decisivas para a nossa premiação na Feira de Bolonha. Ela me foi sugerida pelo meu editor em Portugal (Lápis de Memórias) para ilustrar o meu livro A Cadeira que queria ser sofá - três histórias delicadas, para crianças, sobre a morte. Isso foi em 2011 e, com este livro, Ana Biscaia ganhou o Prêmio Nacional de Ilustração de Portugal. Anos depois, convidei-a para ilustrar O Retrato (aquilo que não se vê) e, agora, estamos juntos novamente com Quero Minha Escola de Volta. Hoje, somos muito amigos. E estamos preparando uma Banda Desenhada - uma história em quadrinhos bem delirante. 

Uma das condições que Maya adquire durante o livro, infelizmente é a depressão, um diagnóstico sério e que por ano causa do suicídio de milhares de pessoas, que muitas vezes não são levadas a sério e com o tempo acabam piorando suas situações. Sendo que nessa idade elas são tão dependentes dos seus pais, da família e dos professores, como acha que os responsáveis devem treinar para ficarem atentos a tais situações? Além do acompanhamento médico, a literatura também poderá fazer parte dessa cura?

Confesso minha incapacidade para sugerir algo para familiares, professores, vizinhos. Isso é assunto sutil, delicado, grave e exige especialistas na área da Saúde Mental. Eles trabalham diariamente com situações de fragilidade humana e são treinados para isso. Para nós, escritores, a responsabilidade é diferente - somos apenas uma modesta Linha Auxiliar no combate às doenças. O nosso campo não é o da precisão - nós tateamos a realidade através dos sonhos, das fantasias, do delírio. Maya se transforma numa azeitona para ser comida pela mãe e voltar ao útero - imagino que, ao lerem isso, as crianças achem graça, se divirtam e queiram ler outras histórias e se transformem em leitores constantes pela vida adulta. É apenas através de seu efeito colateral que a Literatura poderá 'fazer parte dessa cura'.

Falando um pouco sobre sua trajetória profissional, além da literatura, também possui graduação em teatro e é professor de interpretação da CAL (Casa de Artes Laranjeiras), no Rio de Janeiro. Como a sua jornada cultural teve início e as duas áreas acabaram contribuindo para quem você é hoje?

Neste caso, há uma mistura.  Minha primeira profissão foi o jornalismo - trabalhei em jornal, rádio, revista e televisão. Por dez anos escrevi uma coluna sobre Teatro Infantil no Globo - eu assistia a três ou quatro peças por semana. Isso me ajudou muito a captar melhor o universo infantil e perceber com mais clareza, vendo as reações da meninada nas plateias, o conjunto de elementos que mobilizavam as crianças positivamente: boa concepção de textos, encenações com muita criatividade, sem obviedades, se afastando de modo absoluto dos clichês, do tatibitate e do nhen-nhen-nhen. Paralelamente me formei como Diretor Teatral e, em seguida, comecei a escrever peças de Teatro. A última, 'O Anjo do Apocalipse', sobre o conflito israelo-palestino, foi montada em 2019, no Teatro Ipanema.

Escrevi novelas para a tevê e, com o nascimento da minha primeira neta - Izadora - senti o desejo de inventar umas bobagens para ela se divertir. Eu morava em Portugal e ela no Brasil. Daí saíram os contos divertidos de 'O Pinguim que Morria de Frio'. Mas, curiosamente, esse não foi o meu primeiro livro para crianças publicado. Em 2008, em Coimbra, lancei 'O Beco do Pânico', que trata do desespero de um adolescente ao perceber que sentia atração por mulheres e por homens. E, curiosamente, a coletânea de contos de 'O Pinguim que Morria de Frio' nunca foi publicada em Portugal e sim aqui no Brasil, anos depois, pela Viajante do Tempo.

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Com Regina SoaresLetícia Cleto e Affonso Tavares

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