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Roosevelt Colini apresenta novo olhar sobre empoderamento e compartilha sua bagagem cultural

Autor já participou de movimentos importantes na faculdade, foi jornalista da Folha de S. Paulo e utilizou de suas observações para escrever novo livro

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Redação - Observatório dos Famosos clock 17/09/2022 03:47
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O escritor Roosevelt Colini que andou fazendo outras coisas por 30 anos e que faz agora meio século de idade. Quando o vagalhão de 1968 acabava de deixar suas últimas espumas na praia e recuava com força ao mar, arrastando aquela geração de volta para as utopias irrealizadas e deixando o cheiro de maresia e AIDS na década de 1980, Roosevelt participou da última leva do movimento estudantil não-profissionalizado.

Depois, foi jornalista por dois anos na Folha de S.Paulo e então decidiu batalhar grana virando empresário. Estudou Filosofia e Ciências Sociais na USP, mas não conclui nenhum dos cursos. Escalou dois dos sete cumes mais altos dos continentes: Elbrus e Kilimanjaro. Montou uma operadora de telecomunicações, mas há três anos, delegou a gestão da empresa. Escreveu três romances e dezenas de contos. Daqui para frente, sua vida será focada na escrita.

As cartas do pai não chegam mais. O aguardo pelo seu retorno, no fim da tarde, começa a desesperançar mãe e filha que decidem partir à procura dele, porém sem nenhuma pista do seu paradeiro. É assim, com  muito suspense, que Curva do Rio, de R. Colini, se inicia e convida os  leitores a viajarem no tempo e conhecerem um Brasil, das décadas de 1970, 1980 e 1990, com   repressões, desigualdades sociais e revoluções.

Em um cenário novo, a menina nordestina e de baixa renda enfrentará os  desafios da migração, o começo tardio na escola e sua jornada à ascensão social por meio da educação, que a levará a seguir uma carreira acadêmica. Em meio a estas transformações, a personagem crescerá, viverá amores, a liberdade sexual, as repercussões da AIDS no Brasil, a inflação galopante e a política estudantil. Confira a entrevista!

Recém-lançada, a sua obra 'Curva do Rio' relata as grandes mudanças vividas pelas mulheres nessas últimas décadas, saindo de suas posições de dependência material e psicológica e assumindo postura de protagonistas em suas vidas. Como aconteceu o nascimento desse livro e como foi passar essa mensagem de empoderamento através da literatura?

O local aonde cheguei, migrando de Taguatinga-DF para São Paulo, é o mesmo onde foi ambientada a infância da personagem do livro. Há alguns anos eu tentei fazer um balanço sobre as vidas daqueles jovens do bairro, procurando nas redes sociais. O que encontrei foi uma predominante repetição das condições de existência, uma profecia autorrealizável que eu cito no livro.

Mas foi muito pior para as meninas. Três garotos, incluindo eu, conseguiram chegar até a universidade pública, mas nenhuma garota. Quanto aos que seguiram algum tipo de carreira e progresso material, só tive notícia de uma colega, que fez carreira em um banco. Do lado dos homens, foram vários os que conseguiram.

Isso me angustiava, e quando descobri o ativismo estudantil (e depois na universidade), conheci jovens fantásticas, com origens ainda mais humildes que a minha, e que brilhavam e continuaram brilhando pela vida. Elas desafiaram tais profecias, venceram barreiras, tornaram-se livres e independentes, em uma época mais difícil que hoje. Empoderamento não era um termo utilizado na época, a gente seguia o instinto e a crítica social. Meu objetivo no livro não é exatamente esse: são histórias, alegrias e dores que eu gostei muito de reviver.

A respeito do ponto de vista utilizada pelo seu livro, você como homem, para descrever esse tipo de situação, durante a construção chegou a usar historias vividas por outras mulheres ou outros estudos? Como é para um homem conseguir abordar esses temas?

Foi um desafio considerável, mas que me atraiu demais. Adoro a Clarisse Lispector falando na voz masculina, muitos autores fizeram isso, mas um conto maravilhoso do Haruki Murakami (O pequeno monstro verde) me provou que era possível escrever no nível de intimidade que eu procurava. E sim, são histórias vividas por amigas daquela época. Foram longas conversas, confidências, risos e choros que eu guardei até hoje. Ouvir é ouro, sempre foi. O meu interesse no humano, em particular o feminino, permitiu realizar essa imersão. Eu pergunto para algumas leitoras que enviaram mensagens através das redes: Eu consegui te convencer? A depender da opinião dessas leitoras, eu fui bem-sucedido.

O movimento feminista vem ganhando cada vez mais importância por tentar (e conseguir em muitos casos) igualar os direitos entre ambos os sexos, e desde o histórico incêndio na fábrica têxtil da Triangle Shirtwaist em 1911, e que virou um marco para que se se inicia uma verdadeira luta pelos direitos das mulheres. Como acredita ter sido a influência desse marco?

Vejo essa atrocidade como parte de um momento da história contemporânea em que movimentos sociais ganham conotação política e específica. A luta das mulheres e outros segmentos oprimidos começam a ganhar contorno de forma irreversível, entre avanços e recuos.

Admiro muito o papel das mulheres na revolução francesa, eu diria fundamental. Além disso, elas foram muito ativas nos movimentos de resistência aos nazistas. No entanto (são os tristes paradoxos da história) na França elas só foram votar no final da segunda guerra. 1911 realmente é um marco, mas não podemos esquecer as precursoras solitárias dessa luta, em particular Flora Tristan, cuja história de vida dá um livro (deu mais de um).

Vários de seus artigos foram escritos para o jornal 'Gazeta do Povo'. Como foi a sua entrada nesse veículo e como o jornalismo influencia você no dia a dia?

Eu conheci o jornalismo na Folha de S.Paulo quando tinha 21 anos e fui o caçula da redação. Afastei-me por alguns anos (bota alguns nisso) para me dedicar a projetos de tecnologia ligados à internet. Quando esses projetos foram consolidados, voltei às origens. Escrevi quatro romances e dezenas de contos, além de artigos eventuais para alguns jornais, dentre os quais a 'Gazeta'.

O jornalismo foi decisivo na minha formação de leitor. Os cadernos culturais nos influenciavam muito, eram maravilhosos e foram marcantes para as últimas duas ou três últimas gerações, incluindo a minha.

Hoje eu fico preocupado com o rumo do jornalismo e espero que as empresas consigam vencer a barreira do fim do papel e que o público se conscientize de que a imprensa profissional é fundamental para a democracia. A assinatura de um jornal (pouco importa se digital ou de papel) é uma ação de cidadania.

Durante todo esse tempo que tem de carreira, você já publicou vários artigos e livros. Como costumam nascer e quais considera serem os passos para transcrever ideias para os seus textos? O que costuma inspira-lo em seu trabalho?

O que mais me inspira é o legado dos outros escritores. Para cada romance que escrevo, há pelo menos uns quarenta que li pelo caminho. Para cada conto, pelo menos vinte.

Eu concordo com Faulkner: não acredito na inspiração. A base da literatura é a experiência, a observação e a imaginação. O Curva do Rio tem principalmente experiência e observação, enquanto no meu próximo lançamento a trama se passa durante a Guerra de Canudos, onde a imaginação tem um papel um pouco mais predominante.

Quando ao processo criativo, eu não penso previamente na estrutura e na forma. Eu me deixo conduzir pelos primeiros dois ou três capítulos. Nesse ponto eu já defini as linhas gerais dos personagens e o tipo de abordagem. Pode acontecer de reescrever esse início para mudar a narração de primeira para terceira pessoa. Nesse ponto o estilo ganha definição. Talvez por isso os meus livros sejam diferentes entre si. É preciso um olhar detalhista para dizer que o autor do Curva do Rio é o mesmo que escreveu 'Entre fogo, sob a água', meu próximo lançamento.

Sobre sua trajetória na literatura, você acredita que com um pouco de dedicação e estudo, qualquer um poderá proporcionar uma boa leitura em suas obras? Quais são os segredos para ter boas ideias e dar os primeiros passos na escrita de um livro?

Acho que sim. Não escrevo de forma hermética, embora exija do leitor algumas consultas no Google: de vez em quando eu coloco algumas citações de músicas ou trechos de outros escritores que gosto em itálico, sem identificação da fonte. Acho estimulante esse tipo de busca e descoberta.

Se há alguma fórmula para dar os primeiros passos, eu recomendo o livro Viver para Contar, do Gabriel Garcia Márquez. O livro é sobre sua história criativa. Ele estava patinando com dificuldade nos seus primeiros textos, até que finalmente resolveu olhar para dentro de si e de sua história, em uma viagem à lendária cidade de sua infância que inspirou Macondo. Para ele foi uma revolução. Não quero dizer que esteja limitando a opção criativa à autobiografia. O que se busca é o acervo de experiências infantis e de vida para dar o passo seguinte.

Em meio a estas transformações, a personagem crescerá, viverá amores, a liberdade sexual, as repercussões da AIDS no Brasil, a inflação galopante e a política estudantil. A respeito da temática, a sua obra traz muitos exemplos do cotidiano. Como é argumentar sobre esse assunto com o público jovem, que muitas vezes sentem não ter liberdade sexual?

Em relação ao sexo, talvez eu consiga demonstrar aos jovens que seus pais e mães também enfrentaram conflitos e impasses de ordem amorosa e de escolhas sexuais.  Aliás, os vovôs e vovós também... E que, mesmo sob uma ditadura carola, enfrentar desafios e adotar postura de liberdade do corpo é uma opção, mesmo que dura, mesmo que difícil, mas é uma opção e que os jovens terão sempre a possibilidade de recusar as mistificações.

Durante sua vida profissional, você já passou por vários trabalhos, tais como office boy, empreendedor no ramo de startups, jornalista e hoje autor. Em qual ponto da sua vida percebeu que queria seguir na escrita e como cada profissão teve influência para formar quem você é hoje?

Sempre fui rato de biblioteca. Porém a primeira vez que pensei que poderia escrever foi lá pelos dezoito anos. Eu frequentava o laboratório de redação literária do Museu Lasar Segall. A partir daí eu sabia que, com intervalos mais ou menos longos, eu jamais deixaria de escrever. Nos últimos seis anos essa é minha atividade principal.

Se a literatura pode deixar a gente um pouco mais cético, ela tem a capacidade de fortalecer nossos juízos morais. A gente não lê um livro sobre o holocausto ou o 1984 e sai imune da leitura. Por isso acho que a literatura teve mais influência nas minhas atividades profissionais do que o contrário. Seja do ponto de vista ético, seja na boa dose de criatividade que a gente precisa arrancar do nada para vencer as encruzilhadas.

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Com Regina SoaresLetícia Cleto e Affonso Tavares

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