A (in)visibilidade bissexual: pessoas da comunidade discutem formas de se posicionar na sociedade

Essa é uma das maneiras de se relacionar que mais enfrentam preconceitos e tabus no cotidiano

Beto Novaes/EM/D.A Pres
Nanda, Analice e Matheus sentem que ainda falta muito apoio à causa e veem muita luta pela frente (foto: Beto Novaes/EM/D.A Pres)

Quem não é hétero é o quê? É provável que você pense ‘gay’, ou talvez até ‘lésbica’. A bissexualidade, uma das formas de amar e de se relacionar que mais encaram os preconceitos e tabus do cotidiano, é uma identidade distinta. Uma sexualidade elevada a dois e uma orientação harmonicamente homossexual e heterossexual. Para muitos, uma oscilação; para outros, uma busca pela autoaceitação. Realidade: a letra B da sigla LGBT+ ainda luta por sua legitimação fora e dentro de um dos movimentos de minorias mais poderosos da nossa cultura. Portanto, há muito ainda para se lutar e, neste domingo, vai ocorrer a 20ª Parada do Orgulho LGBT de Belo Horizonte, que espera receber 60 mil pessoas na Praça da Estação.

Praticamente sozinha, a bissexualidade enfrenta resistência e pode ser considerada a mais "destabulizadora" das identidades. "Não somos gays e nem héteros. Não há confusão. Sinto atração por homens e por mulheres. Sou bi", declara Matheus Dias, de 30 anos. Ele é tatuador e artista plástico de BH e reitera a ideia de que a orientação é incompreendida. "Se você não fala sobre isso, é comum apontarem o dedo e falarem que você é um gay que não saiu do armário. É muito importante levantar essa bandeira pelo simples (e péssimo) motivo que é a sociedade te falando o tempo inteiro que você está errado."

Porém, Matheus se diz um homem de sorte, já que se identificou e se entendeu rapidamente com a sua sexualidade: aos 15 anos teve suas primeiras experiências amorosas com uma pessoa do mesmo sexo. “Já tinha namorado garotas. Demorei a entender se era gay, se estava me enganando ao gostar de garotas. Mas percebi que não. Mas preferi ficar com mulheres porque era mais fácil, pois não precisava falar sobre isso. Só aos 24 anos entendi a importância de falar sobre ser bissexual”, afirma.

Analice Souza passou por um processo de entendimento parecido com o de Matheus. Aos 32, a empresária, dona do Oliver Art Bar, conta que as pessoas tendem a achar que tudo se trata de uma “fase bissexual”. “Se for uma fase, tem 18 anos que estou nela”, ela ri. “Na adolescência, comecei a conviver com orientações diversas. Ficava com meninas por ‘brincadeira’ e curiosidade, até que me apaixonei por uma mulher e entendi que não era algo transitório. Então, assumi a identidade bi”, relembra.

O belo-horizontino Davi Collares, de 32, percebe o orgulho bissexual como uma forma de revidar. Ele funciona como um método de contra-ataque. "A sociedade está constantemente nos dizendo que ser LGBT é razão pra ter vergonha", diz. Davi é médico patologista, doutorando na França e transgênero, figurando em duas letras representativas da sigla. "Antes da minha transição de gênero, só ficava com meninas. Só fui começar a me interessar por outros homens depois de bastante tempo. Hoje em dia, não me incomoda ser visto como gay quando estou com outro cara, mas como uma menina era insuportável.” Davi nasceu menina, mas jamais se identificou com o próprio corpo. Ele conta que o entendimento da transgeneridade o fez explorar as formas de amar. “Quando ‘transicionei’, fiquei livre e passei a ser percebido como homem, em sintonia com a minha identidade”, conclui.

O conceito bissexual ainda pode se estender para a pansexualidade. Trata-se de uma identidade sexual caracterizada pela atração por pessoas, independentemente do sexo ou gênero, incluindo intersexuais, transexuais e intergêneros. “Tem gente que não entende, acha que o bissexual é a pessoa que precisa estar com os dois gêneros ao mesmo tempo (de fato, pode ocorrer). Se você é pansexual, então, vão falar que você transa com árvore”, Davi reflete.

Thiago Costa, diretor do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais, sustenta que esse estereótipo de que pessoas bissexuais são confusas ou promíscuas dificulta encontrar um parceiro que consiga entendê-las. “Não quer dizer que, por você estar aberta a viver experiências sexuais, esteja buscando por ela o todo o tempo. É como se bissexual fosse, por decisão, poliamorismo. Mas isso é apenas uma das opções. Ela pode viver um relacionamento monogâmico por escolha, assim como qualquer casal heterossexual”, pondera Thiago.

MACHISMO E APAGAMENTO

Ser mulher e ser bissexual pode parecer aceitável pela sociedade, mas, na realidade, trata-se da fetichização e do machismo que objetifica o corpo feminino. Nanda Rossi, de 24, militante LGBT e integrante do Coletivo Colakasbi, conta que “muitas pessoas podem achar que é ‘tranquilo’ para as mulheres, por ser visto como algo ‘sexy’ o fato de podermos ficar com várias pessoas, mas não necessariamente é assim. Sofremos muita rejeição, seja dos heterossexuais seja dos homossexuais”, conta a estudante. De acordo com a militante, a saúde mental é um problema que preocupa a comunidade bissexual, já que, segundo ela, muitos profissionais da saúde estão despreparados e chegam até a diagnosticar “transtorno bipolar” quando uma pessoa se diz bi. Por conta de falta de apoio, ela relata que há muitos casos de expulsão de casa, automutilação e tentativa de suicídio dentro do movimento. “Muita gente acha que a família, os amigos e os parceiros agem só por homofobia ou lesbofobia, mas muita gente sofre violências ouvindo que tem que se decidir... Falta tanto à sociedade quanto à comunidade LGBT olharem mais pra gente”, completa.

A bifobia não é um termo muito conhecido popularmente, como o termo homofobia. Trata-se de “aversão, preconceito ou ato discriminatório contra as bissexualidades ou as pessoas bissexuais”, conforme pontua Dalciria, psicóloga, conselheira do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais e militante LGBT . “Essa violência pode ocorrer de várias maneiras, desde a simbólica (com reforços de estereótipos negativos, ou por meio do apagamento da identidade bissexual) até a física, culminando em feminicídios e homicídios bifóbicos”, afirma a especialista.

Parada LGBT

Há muito ainda para se lutar. LGBT é um termo que designa lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Em alguns locais no Brasil, o T, que representa a presença de travestis e transexuais no movimento, também diz respeito a transgêneros, ou seja, pessoas cuja identidade de gênero não se alinha de modo contínuo ao sexo que lhes foi designado no nascimento. Ainda há pessoas que usam as siglas LGBTTTIS, LGBTI, e LGBTQ ou LGBTQI.

Em 28 de junho, comemora-se o “Dia do Orgulho LGBT”, por conta de um confronto entre policiais e frequentadores LGBTS de um bar, em Nova York, em 1969. Depois de ser comemorado na capital paulista, com cerca de 3 milhões de pessoas, agora é a vez de Belo Horizonte tomar as ruas com a festa das cores, da diversidade e do amor. A 20ª Parada do Orgulho LGBT de Belo Horizonte ocorre neste domingo.

No ano passado, segundo organizadores, cerca de 60 mil pessoas lotaram as ruas do Centro. O encontro deste domingo está marcado para as 11h, na Praça da Estação, com o tema “Famílias e direitos – Nossa existência é singular, nossa resistência é plural”. Segundo Thiago Costa, diretor do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais, o número cresce a cada ano, proporcionalmente ao debate sobre a importância do reconhecimento à diversidade e a luta pela liberdade identitária, de gênero e sexual. “Passamos o ano todo sendo atacados, e esse momento é para nos sentirmos felizes e reforçar que não precisamos sentir vergonha de nada. É aquele momento para se sentir completo”, afirma.

CARNAVAL

Este ano, a Parada conta com uma novidade: blocos de carnaval arrecadaram dinheiro para colocar o trio na rua e acompanhar o movimento. Blocos Corte Devassa, Garotas Solteiras, Alô Abacaxi e Sapajanga prometem agitar a festa ao som da diversidade. Jhonatan Melo, arquiteto e regente dos blocos Garotas Solteiras e Alô Abacaxi, explica que a campanha surgiu ano passado, quando o coletivo “Beijo No Seu Preconceito” convidou os blocos para uma reunião aberta antes do carnaval, a fim de promover ações tendo em vista o aumento do número de relatos de agressão por LGBTfobia. Segundo um dos organizadores, o objetivo é entender que o carnaval de BH vem entrando em um novo ciclo de lutas para além da ocupação do espaço público, desejando criar espaços seguros para a população LGBTIQ e fortalecendo os movimentos sociais dessa pauta.

PALAVRA DE ESPECIALISTA:
Dalcira Ferrão, psicóloga, conselheira do Conselho Regional de Psicologia de MG e militante LGBT

Diferença entre orientação sexual e identidade de gênero


"Orientação sexual se refere ao afeto e/ou desejo a alguém e que pode ser alguém do mesmo gênero (homossexualidade), gênero diferente (heterossexualidade), mais de um gênero (bissexualidade) ou a ausência de afeto e/ou desejo por algum gênero (assexualidade). A identidade de gênero* é a maneira como nos reconhecemos socialmente, como nos identificamos e queremos ser reconhecidos. Não necessariamente está vinculada à maneira como fomos identificados durante nosso nascimento. A discussão da travestilidade e da transexualidade se refere a construções identitárias de gênero que divergem da lógica binária imposta no nascimento. Identidade de gênero » Cisgênero – Toda pessoa que se identifica com as características do gênero designado a ela no nascimento » Transgênero – Toda pessoa que não se identifica com as características do gênero designado a ela no nascimento. Nesse caso, podemos dividir entre o grupo denominado “dimensão identitária” (travesti, mulher transexual e homem transexual) e “dimensão funcional” (crossdressers, drag queens, drag kings e transformistas) » Identidade não binária ou genderqueer – Termo “guarda-chuva” para identidades de gênero que não sejam exclusivamente homem nem mulher, estando, portanto, fora do binarismo de gênero masculino e feminino e da cisnormatividade.