Transtorno obsessivo-compulsivo atinge 2,5% da população mundial

Consequências do TOC variam de acordo com a gravidade, mas sempre são acompanhadas de angústia e sofrimento

Reprodução/Internet/Psiquiatra RJ
(foto: Reprodução/Internet/Psiquiatra RJ)

Quase todo mundo tem uma mania. Quem nuca conheceu uma pessoa fissurada por limpeza? Ou então, alguém que não pode ver exatamente nada desalinhado, fora do lugar? Isso tudo é normal. O problema é quando a mania foge ao controle e vira compulsão e passa a se tratar de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Trata-se de uma doença psiquiátrica bastante frequente, afetando cerca de 2,5% da população mundial. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2020, o transtorno estará entre os 10 motivos mais importantes de comprometimento por doença.

Ela se caracteriza pela presença de obsessões e/ou de compulsões. “As obsessões são pensamentos ou imagens que o paciente, apesar de reconhecer que são seus, produzidos por sua própria mente, não consegue controlar. Já as compulsões são atos ou rituais que, embora possam existir sozinhos, sem as obsessões, geralmente são secundários a elas e são executadas para reduzir a ansiedade produzida pelas obsessões. Por exemplo: um paciente com pensamentos obsessivos relacionados a contaminação pode ter uma compulsão como lavar as mãos dezenas de vezes ou tomar banhos demorados, às vezes de horas, seguindo um determinado ritual”, explica Humberto Correa, professor de psiquiatria da UFMG e vice-presidente da Associação Mineira de Psiquiatria.

As consequências variam de acordo com a gravidade, mas sempre são acompanhadas de angústia e sofrimento, fazendo com que o paciente não relate o problema a terceiros ou relute em procurar ajuda. Geralmente, é um transtorno guardado em segredo. Quem tem sofre calado, sozinho, com medo de que os outros pensem que enlouqueceu. Por isso, o diagnóstico costuma demorar.

A vergonha foi o que manteve Cleber Menezes, de 27 anos, por tanto tempo sem tratamento. Diagnosticado com a doença há dois anos, o contador passou por mal bocados no trabalho antes de procurar ajuda profissional. “Eu demorava horas, literalmente, para checar cada cálculo. Tudo o que fazia tinha que ser conferido e checado várias e várias vezes. Meu desempenho no trabalho foi seriamente afetado porque eu não conseguia fazer nada com a agilidade necessária”, conta. Por causa das compulsões, começou a ser criticado na empresa, sendo visto com deboche pelos colegas. Foi quando começou a se sentir deprimido e ansioso e resolveu buscar ajuda especializada.

“Antes disso, eu já tinha outros rituais como lavar as mãos dezenas de vezes por dia e estar sempre com álcool em gel por perto. Também tinha muito forte o ritual de alinhar tudo o que via pela frente, e ficava extremamente irritado quando as coisas não estavam organizadas da maneira certa. Eu morria de vergonha, tentava me controlar para ninguém perceber. Mas essas coisas fizeram com que eu fosse ‘o esquisito, louco e paranoico’ da empresa. Todos me viam assim. Eu me sentia muito envergonhado e fui me afastando de todos, até que comecei o tratamento. Mas a minha imagem continua sendo a do ‘esquisitão’”, conta.

Ter manias não significa ser portador de TOC. Normalmente, elas não são patológicas e se tratam apenas de comportamentos repetidos gerados por crenças ou superstições, como bater três vezes na madeira ao ouvir algo ruim. “Certos comportamentos repetitivos ou cuidados maiores em determinadas situações podem ser normais. Vamos suspeitar de TOC quando isso passa a trazer sofrimento e angústia para a pessoa, ou passa a ocupar um papel central na vida de alguém”, explica o professor de psiquiatria da UFMG, que lembra que as correlações mais frequentemente encontradas no TOC são ligadas aos transtornos depressivos e transtornos de ansiedade, como a fobia social, além de uma associação frequente com o TDAH.

OBSESSÕES

Bruna Carvalho/Divulgação
"Pedir a um portador de TOC que controle seus sintomas seria algo parecido a pedir a um paciente hipertenso que abaixe sua pressão arterial, ou a um diabético que reduza sua glicemia" - Humberto Correa, professor de psiquiatria da UFMG e vice-presidente da Associação Mineira de Psiquiatria (foto: Bruna Carvalho/Divulgação)
Segundo o especialista, os casos mais comuns de TOC são aqueles relacionados à contaminação e medo/preocupação com sujeira ou germes, à necessidade de se ter certeza de tudo, ao medo de falhar e à simetria e/ou ordem de objetos. São também comuns as obsessões em que o paciente tem pensamentos, imagens ou impulsos indesejáveis e desagradáveis, geralmente relacionados a sexo ou atos violentos.

“É uma doença em que o paciente não tem controle sobre seus sintomas. A tentativa de driblar sua vontade leva, quase sempre, a um aumento brutal da ansiedade do paciente. Pedir a um portador de TOC que controle seus sintomas seria algo parecido a pedir a um paciente hipertenso que abaixe sua pressão arterial, ou a um diabético que reduza sua glicemia.”

Por ser tão difícil lidar com os transtornos causados pelo TOC, a família tem um papel fundamental no tratamento. Os familiares devem estar atentos, estimulando e ajudando o paciente a procurar ajuda.

ESFORÇO

Milhões de pessoas passam a vida aprisionadas pela doença. A libertação não é fácil, exige muito esforço e até mesmo coragem. Por isso, quanto mais cedo o paciente começar a se tratar, melhor. De acordo com o especialista, o tratamento deve ser multidimensional e individualizado. Envolve, muitas vezes, uma combinação de remédios e psicoterapia: “A combinação de psicoterapia, de tipo cognitivo-comportamental, mais medicamentos com ação serotoninérgica, como os inibidores de recaptura de serotonina, se mostra superior a qualquer um isoladamente”. Em alguns casos, outras abordagens podem ser necessárias, incluindo farmacológicas e não farmacológicas.

PALAVRA DE ESPECIALISTA:
As várias formas de TOC
Soraya Hissa de Carvalho, médica e psicanalista


“O transtorno obsessivo compulsivo consiste na combinação de obsessões e compulsões. No transtorno, as compulsões são comportamentos repetitivos e intencionais (apesar de quase involuntários) desempenhados em resposta à ideia obsessiva. Os dois tipos de sintomas quase sempre estão juntos, mas pode haver a predominância de um sobre o outro. Um paciente pode ser mais obsessivo que compulsivo ou mais compulsivo do que obsessivo. A maior dificuldade para o tratamento do TOC está em convencer o paciente de que o que ele sente é uma doença e que é possível tratá-la. A grande maioria desses pacientes tem constrangimento em relatar seus sintomas a outras pessoas, incluindo os médicos. Hoje, o tratamento mais adequado é a combinação da farmacoterapia com as terapias cognitivo-comportamentais que isoladamente também apresentam bons resultados, assim como os remédios antidepressivos. A combinação desses tratamentos é superior ao uso isolado de cada um deles.”