Pais x filhos adolescentes: Como lidar com as diferenças?

Entender o comportamento dos jovens e respeitar o momento que eles vivem é fundamental para uma relação saudável e feliz

Beto Novaes/EM/D.A Press
Eustáquio Machado, pai de Yan Lucca, de 6 anos, e dos adolescentes Yuri e Joshua, de 12 e 13, faz questão de entrar no mundo dos filhos (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )
Adolescência. Uma fase complicada, que costuma provocar calafrios nos pais de crianças que, em alguns anos, terão de lidar com as especificidades dessa etapa da vida. Cheios de energia, convicções e uma avidez de conhecer o mundo e tudo o que nele há, os adolescentes costumam testar toda a base educacional que receberam, exigindo paciência e, principalmente, muita sabedoria.


Por diversas razões, é difícil definir a adolescência em termos precisos. O início da puberdade, que pode ser considerada uma linha de demarcação entre a infância e a tal fase, não resolve a dificuldade de definição. Termos científicos não são práticos e pesquisas não são 100% assertivas, já que cada indivíduo vivencia esse período de modo diferente e único. Então, o que resta? Como entender os adolescentes e essa fase tão singular?


A resposta é simples e direta: ouvindo-os. É o que defende Deisyane Rocha, de 13 anos. Apesar da pouca idade, a jovem garota percebe com muita sensibilidade o mundo ao seu redor. Para ela, a falta de diálogo é o que torna esse período tão complicado para os pais. “Todos acham que a dor que o adolescente sente é drama. Se reclama de algo, mesmo que seja necessário, é aborrecido. O que realmente ocorre é que, em muitas das vezes, não escutam o que temos a dizer. Por serem mais velhos, todos acham que sabem mais sobre tudo”, desabafa.


O abismo entre eles e os mais velhos pode ser reduzido com uma lembrança: “Isso não faz sentido porque eles também já foram adolescentes. Já passaram por tudo o que passamos durante essa fase”. Para Deisyane, a sociedade impõe tabus que precisam ser quebrados: “Acho que deveríamos ter mais abertura para conversas sobre todo e qualquer assunto”, defende a adolescente, que define essa fase como um período de mudanças e descobertas constantes, principalmente em relação à personalidade.

POSSIBILIDADES Para lidar bem com um período tão sensível e delicado, o segredo é respeitar esse momento na vida dos filhos, como indica Gláucia Rezende Tavares, psicóloga clínica e professora da Fumec. “Aos filhos, cabe aprender a lidar com o aumento gradual de suas possibilidades. Aos pais, a se sentirem menos ‘executores’. É preciso que eles aprendam a ficar na retaguarda, permitindo que os filhos expandam, responsavelmente, os horizontes”, explica.


“Os conflitos entre pais e filhos adolescentes não precisam ser vividos de forma violenta, mas podem ser vistos como uma oportunidade de lidar com percepções diferentes, respeitando e solidificando uma base de interações harmônicas”, afirma.
Outra chave para uma boa convivência é aprender com as diferenças e lidar com os temperamentos. Foi assim com Shirleide Rocha, mãe de Thiago, de 16, e Thalyta, de 22. O caçula, mais apegado, sempre demandou maior presença e dedicação do que a primogênita. “O adolescente masculino é completamente diferente do feminino. O menino é mais ‘grudado’ e, no nosso caso, ainda tem um agravante. A saúde dele é um pouco frágil, desde bebê, então sempre estivemos muito juntos”, conta a técnica de enfermagem, que precisou lidar com o ciúme da filha. “Como ele precisava de mais atenção, a minha presença na adolescência da Thalyta não foi tão constante. É diferente porque a menina é sempre mais precoce, e ela começou a ficar muito rebelde já com 12 anos. Foi quando vi que ela precisava de um contato maior.”


Isso fez com que Thalyta se apegasse mais ao pai e passasse a se desentender com a mãe: “Houve um período em que ela se revoltou contra mim. Ficou hostil, com poucas palavras. Mas eu também passei por isso na minha adolescência e essa situação acabou sendo muito interessante para o crescimento dela”. Para superar o problema, Shirleide começou a confiar à filha algumas tarefas que tinha em relação ao Thiago, como levá-lo ao médico e acompanhar o seu desenvolvimento na escola. “Queria que ela sentisse na pele o que eu passava para entender as minhas dificuldades. Creio que ela pensava que minha vida com o Thiago era só diversão, já que não parávamos em casa. Quando comecei a passar minhas responsabilidades para ela, foi possível perceber o peso da minha carga. Ela começou a se colocar no meu lugar e a me apoiar mais, se aproximando de mim”, conta.


Colocando em prática os principais conselhos de especialistas, Eustáquio Machado, pai de uma criança de 6 e dois adolescentes de 12 e 13, faz questão de entrar no mundo dos filhos: “Faço isso como se eu tivesse a mesma idade, discutindo e conversando no território deles. Assisto a filmes voltados para o público adolescente vibrando com aquilo. Faço disputas com eles como se fosse um colega num determinado desafio. Sei que é uma das fases mais complicadas da vida, por isso tento me lembrar da minha época, de como eu gostaria que meu pai fizesse comigo”, conta.

O temido distanciamento

Thalyta Fernandes/Divulgação
Shirleide Rocha, mãe de Thiago, de 16 anos, e Thalyta, de 22, conseguiu superar o distanciamento e criar uma relação harmoniosa com os filhos (foto: Thalyta Fernandes/Divulgação )

A adolescência é uma fase em que os filhos saem do seio familiar para descobrir o mundo e a si mesmos. É comum que haja um afastamento, já que eles se interessam mais por estar com outros jovens da mesma faixa etária, dividindo interesses e visões de mundo. E isso é completamente normal.


O problema, cada vez mais presente, é quando o adolescente se afasta demais dos pais e passa a ignorá-los. Nessa hora, é necessário voltar ao ponto de partida e entender o que ocasionou tal afastamento e, principalmente, o que tem fomentado essa atitude.


A dificuldade na convivência pode partir das duas partes, como afirma o psicólogo, psicanalista e professor universitário Alessandro Pereira dos Santos. “Vivemos um tempo em que a paternidade e a maternidade estão em questão. O comportamento dos pais na atualidade também sofreu e sofre uma série de impactos. A superficialidade está tanto nos filhos quanto nos pais. Os motivos de um distanciamento podem ser vários, entre eles o trabalho, os estudos, o consumo, o modelo de relacionamento, o não acompanhamento dos filhos, a terceirização da educação e do cuidado para terceiros... São vários os fatores que podem resultar nesse problema”, explica.

INTERNET Outra causa pode ser o uso excessivo da internet, um drama que atinge mais e mais famílias com o passar do tempo. O contato com a tecnologia é inevitável, e pode ser muito benéfico para todas as partes. Proibir não é o caminho, mas o uso deve ser muito bem observado, principalmente na infância. Uma criança que fica tempo demais na internet pode se transformar em um adolescente fechado, com dificuldade para interagir socialmente. “Não existe uma medida-padrão, mas é importante verificar se as crianças conseguem estabelecer relações e práticas no campo não virtual. Se conseguem brincar, dialogar e interagir. Por vezes, os pais oferecerem acesso ao mundo virtual como uma forma de docilizar as crianças. Não estabelecer limites ou deixá-las entregues à internet apenas para que elas fiquem quietas é um erro”, alerta o especialista.


Quando o problema já é uma realidade na adolescência e os filhos já estão distantes demais, a dica do psicólogo é evitar discussões e arbitrariedades: “É fundamental não estabelecer uma concorrência ou polarização, como por exemplo: ‘Ou nós, ou o mundo virtual’. É importante investir nas relações, no contato, no querer saber do outro. Não de modo utópico ou pedagógico, mas uma prática cotidiana. Um modo de mostrar aos adolescentes e jovens que a relação com os pais pode ser algo interessante”, aconselha Alessandro, que salienta que a simples censura, cerceamento ou competição traz ainda mais afastamento entre pais e filhos.

CONFIDENTES Shirleide Rocha e a filha Thalyta, de 22 anos, conseguiram superar o distanciamento e as diferenças e ficaram mais amigas e confidentes. Com isso, o convívio e a presença foram melhorando. Hoje, casada e mãe de um bebê de três meses, Thalyta desfruta de uma relação próxima e harmoniosa com a mãe. “Agora que me casei, nossa convivência só melhorou. Ela e meu pai sempre nos orientam quando passamos por alguma situação complicada, e com a chegada do meu filho consigo compreender muito melhor como é essa fase de ser responsável por um ser. Agora, sim, sei valorizar muito mais tudo o que eles fizeram e quero ser para o meu filho o que eles foram para mim”, diz.


Thalyta, que é fotógrafa, agradece o apoio e o diálogo que os pais sempre ofereceram, assim como o grau de independência que teve na adolescência. Independência que é mantida até hoje pela mãe, que, após ajudar na adaptação com a chegada do filho, a deixa passar por alguns pequenos sufocos para que ela aprenda a cuidar da criança.


Com a emancipação da filha, que vive em outra casa com seu marido e filho, Shirleide agora participa mais da adolescência de Thiago. Com seus 16 anos, o garoto não abre mão da internet, mas ao contrário do que ocorre em muitos casos isso os aproxima ainda mais. Os dois se divertem fazendo parcerias em jogos e trocando mensagens entre eles e com os amigos do estudante. “Na época da adolescência da Thalyta, não tinha WhatsApp nem celulares tão avançados. Até os 15 anos ela não tinha acesso à internet, então era mais difícil saber o que ela estava fazendo e quais eram as suas amizades. Agora, até aconselho os amigos do Thiago em suas conversas. Converso com eles quando eles precisam desabafar e eles gostam muito disso.”


Para Thiago, a familiaridade dos pais com a tecnologia é um dos pontos altos da convivência entre eles: “O que mais gosto é jogar Clash of Clans com a minha mãe e tirar as dúvidas que meu pai tem com o celular”, diz o adolescente de poucas palavras, que também gosta de tocar violão e ouvir as histórias que os pais contam.


Marco Túlio Fuse/Divulgação
Edileide participa ativamente da vida dos filhos Heloiza, de 19 anos, e Weverton, de 12 (foto: Marco Túlio Fuse/Divulgação)

O prazer da convivência
Ela ajuda a manter a forma, levanta a autoestima, protege o corpo de problemas cardíacos e respiratórios, desestressa, controla a ansiedade e aproxima pessoas. Os benefícios da dança já são conhecidos por quem busca uma vida mais saudável e alegre, e agora têm ajudado mães e filhos a se conectar mais.


Prova disso é a procura crescente que fez com que a arte-educadora Gisele Petrina começasse a dar aulas de dança do ventre para esse público. Há um ano, a professora atende mães e filhas adolescentes e jovens que buscam se divertir juntas, a fim de ter um tempo só para elas. “Vejo nelas o prazer de realizar uma atividade com quem você ama. A dança estreita os laços e aproxima pelo contato direto entre os corpos, quando muitos pais e filhos já não se tocam mais”, diz.


As aulas são dominadas por cumplicidade e sensibilidade: “Em alguns aquecimentos, focamos na consciência corporal. Algumas atividades são de sensibilização, começando pelo toque na pele. Nesse momento, elas observam as mudanças que ocorreram em seus corpos. Todo o processo que possibilita o aprendizado dessa dança é envolto pelo estreitamento do laço materno”, explica Gisele, que destaca também a empolgação das alunas, que ensaiam até em casa.


Uma delas é Edileide Almeida, que frequenta as aulas com a filha de 19 anos há oito meses. “Sempre admirei muito a dança do ventre. Mas por falta de tempo abandonei a vontade de dançar. Minha filha sempre soube disso e, quando conheceu o trabalho da Gisele, me perguntou se eu queria fazer. Resolvi experimentar e unimos o útil ao agradável. É uma forma de estar junto com ela, já que, por causa da faculdade, ela quase não tem tido tempo de ficar em casa”, conta.


Foi uma maneira de estreitar ainda mais uma relação que, graças ao diálogo, é aberta e amigável. “Temos liberdade de conversar sobre qualquer assunto. Ela tem a mente muito aberta, e às vezes me surpreendo com a forma como ela aborda certos temas. Não sei se por ser mulher ou se é pela natureza dela, mas nos entendemos muito bem.” A filha confirma: “Somos bem próximas e de uma maneira espontânea. O que temos, a meu ver, transcende um laço puramente biológico. Somos confidentes e as aulas têm permitido que passemos mais tempo juntas”, conta Heloiza, que acredita que o diálogo e o ato de aprender a escutar são fundamentais para uma convivência harmoniosa dentro ou fora do ambiente familiar.


O filho, de 12, não fica de fora. Segundo Edileide, Weverton é mais arredio e reservado. Mesmo assim, o princípio do diálogo permanece, e a relação é alimentada com muita presença. “Ele gosta muito de assistir a filmes comigo, de ir ao cinema, ao sítio do avô. Nos domingos, sempre reunimos a família e fazemos almoço juntos. Em relação às amizades, dou a ele liberdade de trazer amigos em casa, e sempre fazemos uma ‘sessão pipoca’. Além disso, o que tento fazer com os dois é incentivá-los a sempre praticar algum exercício físico”, diz a mãe, que já apostou em aulas de violão, futebol, artes marciais e natação para o filho.


Mas o que Weverton tem mais gostado atualmente é das redes sociais. Edileide tenta acompanhar os passos do filho na internet sem invadir muito sua privacidade. Entre eles há um combinado: quando for necessário que ela entre em seu perfil ou no seu aplicativo de mensagens, ela o fará com ou sem o seu consentimento.

CUIDADO DESDE A INFÂNCIA Esse controle também é uma preocupação de Eustáquio Machado, pai de Yan Lucca, de 6, e dos adolescentes Yuri, de 12, e Joshua, de 13. “Meu primogênito é muito ligado à tecnologia. Às vezes fica no celular, computador e TV ao mesmo tempo. Isso me deixa perplexo a ponto de pensar que a infância lúdica e divertida que tínhamos um dia vai acabar caso não tomemos alguma atitude.”


Para evitar que essa seja uma verdade na vida dos filhos, Eustáquio aposta em várias atividades para tirá-los um pouco do mundo virtual: “Andamos de carrinho de rolimã, de bicicleta, soltamos pipas, jogamos futebol, pebolim... Além de brincar em jogos de fuga em salas especiais, ir ao cinema e a parques. Como sou corredor amador, também os levo para correr comigo e minha esposa, Márcia”, conta. Além do esporte, os meninos fazem vários passeios culturais, como visitas a museus, espetáculos de orquestras, teatros, bibliotecas e exposições. “BH hoje pode ser considerada uma cidade cosmopolita. Existe uma infinidade de programas, muitas vezes gratuitos, que podemos aproveitar”, diz Eustáquio, que cita o Circuito Cultural da Praça da Liberdade como exemplo.


O maior desafio, segundo Eustáquio, é encarar as mudanças e diferenças entre as gerações. “Temos que nos conscientizar o tempo todo de que o mundo mudou. Precisamos estar o tempo todo atentos às mudanças para que nossos filhos aprendam que a vida não é só flores e alegrias num mundo colorido. Também há decepções, problemas e uma série de fatores que nos fazem perceber que ela nem sempre vem com aquele final feliz.”

 

UNIVERSO TEEN

Os quatro erros mais frequentes na convivência entre pais e filhos adolescentes e jovens

1)Não se aproximar: “Com a chegada da adolescência, os filhos vão ganhando mais independência e começam a ter suas próprias ideias. Temos que dar ouvidos a eles e analisar suas queixas. Os pais não podem ser inflexíveis. O principal erro é não querer entrar no mundo do adolescente, não tentar entender o seu universo. É não discutir as coisas nem trocar ideias”.

2)Adotar o rendimento escolar como único padrão de avaliação: “O quanto a questão de fazer uma faculdade vai determinar o futuro de alguém? Esse pensamento é construído e precisa ser colocado à prova. Há 30 anos, um curso superior era a única saída para uma vida de sucesso. Hoje é diferente, e muitas vezes o jovem vai buscar uma carreira que não está envolvida com o ensino superior. Isso tem que ser discutido, não imposto”.

3)Não conhecer as amizades do filho: “Os adolescentes se caracterizam pelas suas amizades. É importante que os pais tenham proximidade com esses amigos, que saibam quem são e que eles frequentem sua casa. Isso permitirá saber com quem os filhos estão lidando, e assim será possível orientá-los em relação a quais cuidados tomar, mostrando quais amigos são bons, quais são oportunistas e quais buscam apenas manipular o adolescente pra conseguir algo. Às vezes falta paciência, mas é muito importante estar por perto.

4)Alimentar tabus: “Os pais devem conversar sobre sexo, drogas, morte, histórias ruins que já aconteceram na família... São essas questões delicadas que deixarão claro que o que queremos é ajudá-los, e não simplesmente impor coisas. Isso é importante para mostrar que queremos discutir, ajudando-os a entender o mundo expondo razões, e não ameaças. Sempre levando em conta que o protagonismo do adolescente é importante”.

Fonte: Igor Dutra Santos, psicólogo

 

Palavra de especialista

 

Igor Dutra Santos
psicólogo

 

Diferença de gerações

 

“Temos que nos lembrar de que os jovens se ‘descolam’ do mundo dos pais. Por isso, há essa distância entre eles. Pra lidar com isso, é preciso conversar e conhecer o mundo desse adolescente. O desprezo que algumas famílias enfrentam tem muito a ver com a diferença de gerações. Por isso, a dica é saber quem é esse jovem e estar perto do seu dia a dia. Na adolescência, a principal referência deixa de ser os pais e começa a ser os ídolos e os amigos. Por isso, os pais precisam observar os valores que eles apresentam, sempre conversando em casos de discordância. Aposte no diálogo e não em imposições, já que elas trazem conflitos. Converse sobre a nova visão de mundo que esse jovem tem adquirido, sabendo que os pais não são donos da verdade e podem aprender com seus filhos. Tenha consciência dos valores que foram passados na criação e observe como eles estão evoluindo. A proximidade é essencial: saiba do que o seu filho adolescente e jovem gosta e tente compreender o seu mundo. Demonstre interesse pelos seus gostos e assim será possível saber o que eles estão fazendo, conhecer o mundo que eles frequentam e ter ciência de que tipo de influências eles estão buscando.”