Militante, bem informada e engajada em causas sociais, a juventude brasileira mostra a sua cara

Jovens da geração Millenium se envolvem em movimentos sociais e ações voluntárias. Cada vez mais, eles buscam espaço em meio aos dilemas característicos da idade


Jair Amaral/EM
Conectados e com menos privações do que a geração anterior, eles se encontram, se identificam e se organizam, com a mente e os olhos mais abertos (foto: Jair Amaral/EM)

Nós jovens estamos inconformados e queremos gritar. Queremos que nos ouçam.” O desabafo é da estudante Eduarda Almeida. Aos 18 anos, ela está no pleno exercício do papel histórico do jovem: o de transformar.

Nos anos 1970, a luta era contra a ditadura militar. Nos anos 1980, a juventude gritava pelas Diretas já. No início da década de 90, os chamados “cara-pintadas” saíam às ruas pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Isso enquanto nascia a geração que cresceria na era da internet, cercada de informação por todos os lados.

Conectados e com menos privações do que a geração anterior, eles se encontram, se identificam e se organizam, com a mente e os olhos mais abertos. Conhecem o Brasil e o mundo com suas infinitas realidades e, em conjunto, começam a descobrir seu papel na sociedade. Mais do que isso, querem exercê-lo com toda a energia e vigor característicos da juventude.
 
Alexandre Guzanshe/EM
O jovem atuante quer ter voz. Participa de movimentos sociais e coloca a cara para bater, sem medo (foto: Alexandre Guzanshe/EM)

As manifestações contra a PEC 55, que impõe limite aos gastos públicos, e a Medida Provisória (MP) 746/2016, que reformula o ensino médio, propondo a implementação do ensino integral e a segmentação de disciplinas segundo áreas do conhecimento, foi o estopim para que Eduarda começasse a se envolver em movimentos sociais. Cursando o terceiro ano do ensino médio, ela estava indignada com a qualidade do ensino de sua escola e resolveu ajudar no que fosse necessário. Seu envolvimento foi crescendo à medida que a mobilização progredia. “Eu ia a várias reuniões e ajudava nas manifestações, mas tudo foi tomando uma proporção muito grande e a nossa dedicação lá dentro foi se fazendo mais necessária, principalmente porque éramos todos muito jovens”, conta.

A partir de então, ela vem se envolvendo em outras causas, como a do Passe Livre. “A tendência é que eu me engaje em mais movimentos. Isso por meio das coisas que vou lendo e de conversas com outras pessoas. Se eu concordar com aquilo, vou me engajar.” Contra a polarização que tem acirrado os ânimos, ela não se declara nem de esquerda, nem de direita. “Minhas ideias e pensamentos batem com os dois. Prefiro militar como eu mesma, sem nenhum lado, só com aquilo que acho justo ou injusto.”

Por mais que a luta por um país melhor seja comum em todas as épocas, os jovens engajados atualmente trazem as suas especificidades: o poder de organizar sem organizações, as formas criativas e alternativas de protesto, o uso de ferramentas tecnológicas para fortalecer o envolvimento de outros jovens. Pontos que fomentam o crescimento do interesse da parcela da população que mais dispõe de energia, vigor e coragem, e que se organiza cada vez mais.


O sonho de uma geração

Marcos Michelin/EM
Em junho de 2013, essa geração saiu em peso às ruas do país pela primeira vez (foto: Marcos Michelin/EM)
 

Para o IBGE, eles têm entre 15 e 24 anos. Já o Estatuto da Juventude amplia essa faixa etária até os 29 anos. Sendo um ou outro, o fato é que, ao contrário do que muita gente prega, os jovens estão cada vez mais atuantes na sociedade. Comumente vistos como alienados e indiferentes, eles querem ser protagonistas e militam em prol de diferentes causas por meio de diversas maneiras.

Para discutir o papel desse jovem, o primeiro passo é reconhecer sua diversidade e pluralidade. É o que explica o cientista social Leonardo Gonçalves: “Há um estereótipo de que o jovem é alienado e que não quer saber de nada. Mas determinados segmentos da juventude sempre foram politicamente ativos, assim como existe e sempre existiu a parcela que não é atuante. Não existe 'uma' juventude brasileira, mas sim as juventudes brasileiras. O jovem de hoje é pulverizado em vários grupos, em várias frentes e em várias lutas.”

Para o sociólogo, não houve uma mudança comportamental nos últimos anos, mas sim uma evolução após um período apático, que teve início após o impeachment de Collor: “Eu passei minha adolescência na segunda metade dos anos 90 e, excluindo os grupos específicos que militavam, a gente não falava de política. O Brasil teve duas décadas de ditadura e depois veio a abertura, nos anos 80. E então, quando ocorre a primeira eleição direta, o presidente sofre impeachment. Foi uma frustração muito grande, uma luta de muitos anos para conseguir algo e, quando finalmente se recebe, vem o maior 'balde de água fria'. Talvez isso tenha feito com que as coisas se amornassem, e isso se arrastou pela primeira década dos anos 2000”, diz Leonardo.

PAPEL SOCIAL

Alexandre Guzanshe/EM
Em 2013 fez surgir uma geração de agentes potencializadores de mudanças (foto: Alexandre Guzanshe/EM)
 
 
Em junho de 2013, essa geração saiu em peso às ruas do país pela primeira vez. “Vejo que esse jovem que foi para a rua em 2013 e que continua lutando pelos seus direitos é o mesmo que foi beneficiado pelas políticas afirmativas que foram feitas nos últimos anos. Essa democratização da educação e de outras esferas da vida social impulsionou uma geração que entendeu seus direitos e começou a lutar por eles. Uma geração que teve consciência do seu papel social e foi lutar por isso”, diz Leonardo.


Entender e assumir seu lugar na sociedade foi um fator preponderante para o envolvimento dos jovens com várias questões atuais e culturais. Mas outro ponto a ser observado é que tipo de engajamento é esse: resultado de um processo de análise e reflexão do momento político do país à luz da história, ou apenas um fenômeno de superfície, em que o sujeito circula num mar de opiniões sem se implicar a ponto de compreender o contexto?

Para Márcio Rimet Nobre, psicanalista e doutorando em psicologia pela UFMG, esse engajamento ocorre à medida que é trazido à evidência: “Há a parcela de jovens que se envolvem recorrendo à história e que, por isso, conseguem compreender e interpretar as mazelas que compõem o quadro do país atualmente. Mas, infelizmente, essa parcela não parece compor maioria. O aparente engajamento da maior parte da população parece ter se esgotado assim que determinados objetivos foram alcançados, quando, de fato, a esfera política tradicional não apresenta nenhum sinal de ter se qualificado após esses dois ou três anos de aparente engajamento”, pondera.

 
 Eles por eles: O que desejam os jovens 

 

Arquivo Pessoal
Minha luta é por um projeto popular para o Brasil e principalmente em defesa do SUS. %u2022 Igor Calçavara, estudante, de 22 anos (foto: Arquivo Pessoal )

“O perfil do jovem militante é ser multitarefa. E mesmo preso dentro das amarras sociais, conseguimos enxergar as diversas desigualdades do sistema político-social e lutamos com afinco contra. Minha luta é por um projeto popular para o Brasil e principalmente em defesa do SUS, como contribuição essencial para uma sociedade mais justa, emancipatória e popular”

 • Igor Calçavara, estudante, de 22 anos  
 

“O jovem atuante quer ter voz, quer mostrar para a sociedade que não devemos ficar calados e simplesmente aceitar que aumentem impostos e cobrem de nós mais trabalho para que
eles continuem tirando nossos direitos”
• Eduarda Almeida, estudante, de 18 anos


“Nossa principal luta é o enfrentamento contra todo tipo de opressão: racismo, machismo, LGBTfobia, desigualdades sociais...todas elas. E a gente propõe a construção de um mundo mais solidário, justo e igualitário. Não queremos que nenhum dos nossos direitos seja atacado. Temos que dizer não aos retrocessos e sim à democracia”
• João Guilherme, militante do Levante Popular da Juventude e membro do Coletivo Na Raça, de 28 anos