Pokémon GO fez as pessoas se exercitarem, mas efeito durou pouco

Game desperta interesse de pesquisadores da área de saúde. Estudo com 1.182 caçadores dos monstros virtuais mostra que, nas primeiras semanas do jogo, eles aumentam o nível de atividade física praticada, percorrendo em média 800 metros a mais por dia. O ritmo, porém, vai decaindo com o tempo

por Paloma Oliveto 30/12/2016 15:00
Leandro Couri/EM/D.A Press
Jogadores de Pokémon GO se encontram em pontos turísticos da cidade para trocar dicas: novas amizades (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Em julho passado, ruas, praças e parques do mundo todo foram invadidos por multidões que, grudadas nos celulares, andavam para lá e para cá atrás de monstrinhos virtuais. Um mês depois, o Pokémon GO chegou ao Brasil e provocou um fenômeno semelhante. Crianças, jovens e adultos acostumados a jogar solitários e entre quatro paredes passaram a caçar os personagens ao ar livre ou em pontos comerciais, geralmente acompanhados por muita gente. Logo o game despertou o interesse de pesquisadores da área de saúde. Afinal, em vez de sentados, os usuários precisam se movimentar bastante para conseguir passar de fase.

Agora, no dia da atualização de Natal que incluiu novos pokémons — entre eles um Pickachu com gorrinho de Papai Noel —, pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública Harvard Chan, de Boston, publicaram um estudo no British Medical Journal avaliando o nível de atividade física promovido pelo jogo. O trabalho, realizado com 1.182 participantes de 18 a 35 anos no mês de agosto, revelou que, de fato, os pokémons provocaram um aumento no número de passos diários. Contudo, na amostra avaliada, o efeito durou pouco. Na sexta semana, a quantidade de passos, medida por um aplicativo do iPhone, voltou aos mesmos níveis de antes da instalação do jogo.

“Neste verão, eu estava andando por Boston com um amigo. Ao longo dos anos, aprendi que ele não é um grande fã de corrida ou caminhada. Mas, depois do lançamento do Pokémon GO, em 1° de julho, o vi correndo pela primeira vez, perseguindo um personagem raro”, conta Katherine Howe, principal autora do trabalho e pesquisadora dos departamentos de Epidemiologia e de Ciências Sociais e Comportamentais da faculdade. “Meu amigo não é o único a caçar pokémons, esse jogo se tornou um fenômeno social global, com milhões se tornando usuários ativos, e isso nos faz pensar sobre o impacto dos jogos de realidade aumentada sobre a atividade física”, diz. Até hoje, foram realizados 500 milhões de downloads do Pokémon GO em todo o mundo.

Arquivo Pessoal
Richard andou muito quando começou a jogar, mas a empolgação diminuiu (foto: Arquivo Pessoal )
Os participantes foram recrutados por meio de um site, o Amazon Mechancal Turk (Mturk). Todos os escolhidos moram nos Estados Unidos e utilizam o iPhone 6, aparelho que conta automaticamente o número de passos quando carregado pelo usuário. Só entraram no levantamento aqueles que atingiram o nível 5 do jogo, que é alcançado após duas horas de caminhada (não necessariamente contínua). Os pesquisadores pediram que os voluntários enviassem o número de passos diários registrados nos dois meses antes do estudo. Eles, então, compararam a média de deslocamento nas quatro semanas anteriores à instalação do Pokémon GO à quantidade de passos dados diariamente ao longo das seis semanas seguintes.

Na primeira semana, os usuários deram 955 passos a mais que o habitual, o equivalente a 800 metros, considerando uma velocidade média de 4km/h. A mudança significa 11 minutos extras de caminhada diária, ou 77 minutos por semana, cerca de metade do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera ativa a pessoa que se exercita por pelo menos 150 minutos semanais. Porém, essa quantidade de passos foi decaindo gradativamente. Quando considerados fatores que poderiam influenciar, como idade, sexo, peso e facilidade de deslocamento na área de residência, os resultados permaneceram iguais.

Katherine Howe explica que esse é apenas o início da compreensão sobre os benefícios potenciais dos jogos de realidade aumentada à saúde. “Eles dão às pessoas uma razão para sair de casa, andar e se socializar”, observa. “Imagine o potencial de desenvolvimento desses jogos não apenas para aumentar a atividade física, mas para melhorar o bem-estar mental, as habilidades cognitivas e as interações sociais para pacientes, crianças em idade escolar ou idosos residentes de casas de repouso.”

Sem barreiras
Para o advogado Rodolfo dos Santos Born, 25 anos, o principal atrativo do game é justamente a socialização. Desde agosto, ele caça pokémons, personagens que marcaram a infância do jovem. “Passei a ir a lugares que eu nem frequentava, como a Praça dos Três Poderes, onde tem pokémons mais raros”, conta. “Nos fins de semana, quando poderia estar deitado, estou andando e procurando por eles. Mas o que mais mudou foi a comunicação das pessoas por meio do jogo. Você acaba falando com gente que, de outra forma, nunca falaria”, diz.

Nas caçadas, Rodolfo conta com a companhia da mãe, a servidora Kátia dos Santos Pereira. Ela também considera a interação social como a melhor parte do jogo. “A gente está no parque. Aí, passa um monte de garotos e diz onde tem pokémon. Acaba a barreira de idade”, diverte-se. Além disso, mãe e filho aproveitam para ficar mais tempo juntos. “A gente só se encontra à noite e, geralmente, está todo mundo cansado. Então, quando saímos para jogar, é um momento que tenho para aproveitar a companhia dela”, explica o advogado.

Já a dona de casa Patrícia Ferraz Tarlei de Freitas, 30 anos, além de fazer novos amigos, destaca o incentivo para se exercitar como outra vantagem do game. Uma das tarefas do jogador é chocar ovos, dos quais saem os bichinhos. Quanto maior a distância andada para chocar o ovo (2km, 5km ou 10km), mais raro é o personagem que sairá da casca. “Então, a gente caminha muito mesmo. Fiz muitas amizades, saímos sempre em grupo e, agora, estamos nos exercitando bastante”, conta Patrícia, que chegou a percorrer 10km em um único dia, atividade que não faria, caso não estivesse à caça dos pokémons. Quando está jogando com o marido, Narme Adouhassan, 33, e o filho Fernando,4, a também mãe de Beatriz, 1 ano e meio, faz um trajeto mais suave. Para ela, o jogo em família faz com que todos se divirtam juntos, ao mesmo tempo em que se exercitam ao ar livre.

O operador de telemarketing Richard Matheus Santos da Costa, 21 anos, é só elogios para o Pokémon GO. “Realmente o jogo foi um estímulo. Eu mesmo não andava muito, mas depois comecei a andar bastante e a frequentar lugares que eu não costumava ir, como parques”, elogia. “Me lembro que, assim que o jogo foi lançado, andei por Brasília toda”, conta. Porém, ele admite que, com o passar do tempo, a empolgação diminui, assim como as caminhadas. Richard acha que, com as atualizações do game, os usuários devem voltar a correr atrás dos monstrinhos.

O preparador físico Talles Sucesso, professor da academia Bodytech, acredita que o jogo de realidade aumentada pode ser um incentivo inicial para sedentários saírem dessa condição. “O número de passos a mais mostrado pelo estudo foi significativo, e isso pode trazer algum tipo de estímulo para que as pessoas comecem a buscar um exercício físico. Qualquer coisa que faça com que as pessoas se movimentem é melhor do que ficar deitado na cama”, diz. Contudo, ele lembra que, sozinho, o jogo não é uma atividade física. Além disso, o preparador destaca o risco de percorrer longas distâncias sem preparo. “Pode haver lesões por volume excessivo de movimento”, alerta.


Novo estímulo aos desenvolvedores

“Embora seja fantástico ver que muitas pessoas aumentaram o nível de atividade física com o Pokémon GO, esse aumento não foi muito grande e não permitiu que os usuários excedessem as diretrizes nacionais sobre o número de passos que devem dar por dia. Aumentar em mil o número de passos diários por seis semanas provavelmente não é o suficiente para minimizar a epidemia de obesidade. Mas é claro que essa não era uma aspiração dos desenvolvedores do jogo. Um teste como esse feito antes do lançamento do Pokémon GO poderia ter minimizado muitos dos problemas identificados pelos autores e acrescentado valores à saúde pública. É lamentável que os desenvolvedores de jogos de grande porte não sintam que é do interesse deles envolver atividade física e/ou pesquisadores da área antes de lançar os jogos. Eles mesmos poderiam se beneficiar desses estudos.”

Tom Baranowski, professor de pediatria do Baylor College of Medicine e editor-chefe das revistas médicas Games for health journal e Childhood obesity