Entenda a terapia de constelação familiar

Técnica atua nos estados profundos de consciência, um processo que trabalha as relações pessoais de cada um. Sessões podem ser individuais ou coletivas

por Lilian Monteiro 13/12/2016 09:00
Edésio Ferreira/EM/D.A Press
A psicoterapeuta Solange Rolla (ao centro) e seus pacientes durante a dinâmica: quando uma pessoa constela sua história, os demais representam integrantes do grupo familiar alheio (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Sabe aqueles dias em que dá vontade de sumir? Seja por uma situação pontual, mas complicada, pelas dificuldades da vida, por estar diante de alguém que lhe causa dor/raiva, enfim, por, muita vezes, não saber lidar ou resolver as provações que encontra pelo caminho? Um processo que pode ajudar neste momento é a constelação familiar, que, segundo a psicoterapeuta transpessoal e holística Solange Rolla, é uma terapia da alma, ou uma terapia dos estados profundos de consciência, que trabalha nosso inconsciente profundo coletivo, familiar e pessoal.

“Constelação familiar ou sistêmica significa olhar para as diversas consciências as quais somos tomados. Sabendo ou não, querendo ou não, gostando ou não. Pertencemos a um grupo, a um sistema, a uma família e funcionamos assim. Nosso corpo físico funciona num sistema, nossa sociedade. E quando algo não vai bem, a solução está em resolver alguma questão associada a essas áreas, pois fazemos parte desse todo. Foi a partir desse pensamento que o alemão Bert Hellinger chamou essa forma de interpretarmos essas relações de constelação, uma terapia que surgiu na Alemanha há aproximadamente 40 anos”.

Solange Rolla explica que a grande questão dessa terapia, com a qual ela atua há 12 anos, é que em uma sessão já é possível acessar questões do inconsciente profundo que um processo psicodinâmico tradicional demandaria mais tempo para acessar.

“Isso proporciona uma cura e uma liberação muito mais rápida. Não quer dizer que os demais tratamentos não são válidos, nem que são substituíveis, mas a constelação familiar é um processo que proporciona respostas muito mais rápidas”, diz. A psicoterapeuta afirma que o método é reconhecido como mudança de consciência, “já que a partir do momento em que começo a ver a vida e os relacionamentos com outros olhos, estou mudando minha consciência. Um tratamento ou uma mudança de consciência que pode ocorrer em várias áreas de nossa vida”.

Arquivo Pessoal
Ivan Francisco da Silva, empresário, que experimentou a constelação familiar há 10 anos (foto: Arquivo Pessoal)

Responsabilização
A cura maior se dá quando a pessoa entra em processo de autorresponsabilização, saindo do lugar de vítima ou de juiz. “Quando começo a desenvolver o olhar de benevolência e misericórdia para com os outros e para conosco também, quando estou na autorresponsabilidade e vejo algo que fiz, que causou um dano para o outro, sem entrar na culpa, entro na consciência de que todos somos passíveis de causar algum dano. Mas, daí, passo a me questionar o que posso fazer para transmutar isso. O que nos adoece é não deixar o amor fluir, aqui interpretado como uma energia que traz o movimento de harmonia, de vitalidade e de levar para frente. Por exemplo, se não deixo meu amor fluir para o meu pai porque acho que ele não me deu tudo que poderia dar, que não foi presente, não estou deixando meu amor fluir para ele e nem que o amor dele chegue até mim”, acrescenta.

A constelação familiar ensina que cada ser humano faz o seu melhor e que, às vezes, o melhor do outro pode nos causar uma sensação de que não foi suficiente, mas ganhamos a consciência de que aquela pessoa fez o melhor dentro das condições dela, aquela geração fez o melhor que podia. “Dizer que cada um fez o seu melhor não significa dizer que é leve, pesado, bom ou ruim. Não temos como ter controle sobre isso, vai além do poder humano. É uma prepotência quando colocamos nosso juízo de valor. Precisamos fluir em vez de lutar contra. Temos de caminhar de uma forma diferente para assim conseguir levar a vida com mais leveza”, assinala a especialista.

PALCO DA VIDA Nessa terapia, Solange Rolla diz que conduz o paciente para o palco da própria vida. O que isso significa? “Trabalhar questões da infância da pessoa, dos ancestrais ou até mesmo de vidas passadas. As imagens internas são projetadas de forma externa, por meio da técnica e da dinâmica da constelação familiar. Há um movimento próprio, guiado pelo campo da alma, pelo campo mórfico, segundo o qual cada espécie tem um saber, e partindo da concepção de que tudo que acontece no mundo fica registrado num campo energético. Quando entro com minha consciência nesse campo, ele se manifesta. Sendo assim, significa se colocar a par de uma situação vivida, se distanciar, para poder compreender e interpretar determinado fato da sua vida, produzindo cura e liberação. Pode ser visto como um exercício tanto individual ou coletivo quando contamos com a ajuda de outras pessoas neutras para representar/ilustrar nossos conflitos.”

Pensando no fim de ano, em que tanto a alegria quanto a tristeza e mágoas podem aflorar, essa terapia poderia ser de grande ajuda... “Nas celebrações que tradicionalmente unem a família em momentos de confraternização, em gratidão pelo ano que passou, e projetando sonhos para o ano que virá, justamente nesses momentos costumam aparecer os conflitos familiares que se arrastam, muitas vezes, ao longo de meses e até anos, ocultos pelas convenções sociais do dia a dia. Ignorar essas questões pode trazer consequências negativas. Toda família tem sistemas e padrões de comportamento que, muitas vezes, encontram-se adoecidos por questões de passado, que se tornaram hábitos viciados na forma de se relacionar, gerando desgaste, infelicidade. Se um pai, por exemplo, morreu de forma repentina sem que a família pudesse dele se despedir, é possível reunir todos, em meio a um grupo maior de pessoas neutras, para trabalhar esse luto. Consegue-se dar um último abraço, uma oportunidade de toda a família se despedir. Assim como ajudar um filho que não conversa com um irmão há anos.”

ALÉM DA FAMÍLIA Solange Rolla explica que, apesar do nome, constelação familiar, que começou como um tratamento focado apenas no sistema familiar, partindo do princípio de que a família é a base de tudo, ele já ultrapassou esse âmbito e alcança todos os sistemas dos quais fazemos parte. “É possível constelar com diversos objetivos, como melhorar a saúde financeira de uma empresa, interromper resistências ao desenvolvimento de um relacionamento, tratar doenças como depressão ou outros problemas específicos. Assim, hoje o termo mais utilizado é constelação sistêmica.”

A psicoterapeuta enfatiza que a constelação amplia a capacidade de interpretação das pessoas, a percepção da realidade, assim como torna mais realista e livre de julgamentos a percepção que cada um tem sobre si e sobre o outro, como falíveis, como iguais, como companheiros de jornada, e não como vítimas ou algozes.

“E aponta diversos outros caminhos para que as pessoas possam seguir. Imagina então associar esses benefícios ao poder da natureza. Muito já se fala sobre o poder da natureza de curar e ajudar em diversas recuperações. O cheiro da mata, o barulho das águas de uma cachoeira, o canto dos pássaros, a busca perfeita pelo equilíbrio entre o corpo e a mente. Esta é a minha nova proposta: associar a constelação familiar à natureza. Um tratamento que une terapia, lazer e turismo. O mais recente que fizemos foi no coração da Amazônia, na semana passada.”

Ver não é enxergar
O autoconhecimento não é fácil. É preciso perseverança e vontade para conquistá-lo. Ivan Francisco da Silva, empresário do segmento de moda em Divinópolis, de 44 anos, solteiro, é paciente da psicoterapeuta Solange Rolla há 10 anos. Ele revela que começou a terapia depois de perder um sobrinho e ficar deprimido. O processo, ele diz, ultrapassou as expectativas iniciais. “O que mais mudou foi que desenvolvi a capacidade de não julgamento, de ser grato ao universo e a tudo o que nossos antepassados fizeram, já que entendemos que, se estamos onde estamos, também foi devido aos esforços deles.”

Ivan Francisco conta que a partir da constelação e no decorrer dos anos ele se mantém neutro diante dos acontecimentos por entender que o julgamento aprisiona. “Não é indiferença, já que a indiferença não produz evolução alguma. Mas quando fico neutro, sem produzir julgamento, possibilito sentir uma mudança dentro de mim. Aprendemos a olhar o homem na função que ele realmente ocupa, a de ser humano, sem carregá-lo de nossas expectativas, que o colocam no lugar de um Deus. Desenvolvi a capacidade de não ficar armazenando o que não é bom para mim. Deixo as coisas ocorrerem no seu tempo, e entendo que, acima de nós, há algo maior”.

Ivan diz que com a constelação aprendeu a ter dentro dele “um espaço para acolher quem um dia achei que me prejudicou. Você começa a perceber que as pessoas que um dia o machucaram foram, na verdade, ferramentas para sua evolução, não agressoras. É como se o seu sistema interno fosse alterado. Você passa a acolher as pessoas que você julgava. Não é perdoar, é acolher. Elas passam a ter um lugar no seu coração, são reconhecidas como importantes instrumentos para sua evolução”.

DEMISSÕES O empresário afirma que a terapia da constelação familiar reverbera para diversas áreas da vida. “Atualmente, tenho usado muito para questões profissionais, na minha relação com os colaboradores. Com a crise econômica, precisava demitir funcionários, mas tinha muita dificuldade. E entendi que ela estava ligada ao posicionamento do meu pai, que foi fazendeiro, com uma postura de provedor. Sou de uma família tradicional, de 15 filhos, que tinha valores que carregava, entre eles o de gerar provisão para muitas pessoas. As pessoas que trabalhavam em nossa casa, moravam conosco. Eu, com minha dificuldade em demitir meus funcionários, estava honrando meu pai. Porém, de uma forma incoerente com minha realidade. Acabei adquirindo a capacidade de entender e enxergar isso. Com isso, alcancei estabilidade emocional, entendi que precisava me posicionar, que não sou um ‘semideus’, e que não tenho obrigação de consertar o mundo. Entendi que meu pai carregava as pessoas como se fosse solucionar a vida delas, e que essa era uma característica dele que eu não precisava carregar. Assim, pude realizar as mudanças que precisava na empresa sem me encher de culpa.”

Ao encarar essa situação, ele aprendeu a não esperar pela aprovação do outro para existir. “Sabe quando você precisa de que o outro te aprove para existir, como ser humano? Os processos de constelação lhe dão condições de entender seu próprio emaranhado para, a partir dali, traçar um novo caminho”, conclui.