Cientistas criam cápsula de longa duração para tratar doenças crônicas

Depois de ingerida, cápsula criada por cientistas dos EUA libera medicação no organismo de cobaias por 14 dias. A intenção é usar o dispositivo em humanos para tratar doenças diversas, da malária ao Alzheimer

por Correio Braziliense 01/12/2016 10:00
Diana Saville / Divulgação
Dentro do estômago, o invólucro ganha formato de estrela, facilitando a fixação. Segundo os pesquisadores, ele poderá funcionar por mais de um mês (foto: Diana Saville / Divulgação)
A adesão dos pacientes é um dos principais problemas no tratamento de doenças crônicas. Estima-se que apenas metade das pessoas que precisa tomar medicamentos todos os dias o faça na frequência correta. Para contornar esse obstáculo, pesquisadores do Hospital Brigham and Women de Boston e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ambos nos Estados Unidos, desenvolveram uma cápsula de longa duração que, no futuro, permitirá a liberação da droga ao longo de uma semana, um mês ou até por um prazo maior. Os testes iniciais foram para tratar a malária.

O experimento, com porcos, foi descrito na edição desta semana da revista Science Translational Medicine. A ideia é que o modelo possa servir para diversos medicamentos, mas, no teste, os pesquisadores investiram na ivermectina, droga utilizada para combater infecções parasitárias, além de ser indicada para o tratamento de malária em locais em que a enfermidade é endêmica, como a Região Norte brasileira e a África Subsaariana.

Os pesquisadores descobriram que, em modelos animais grandes, a cápsula permanece em segurança no estômago, liberando a droga por até 14 dias, surgindo, assim, como uma potencial forma de combater a malária e outras doenças infecciosas com disseminação preocupante. Só a malária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ameaça metade da população mundial, o equivalente a 3,2 bilhões de pessoas.

“Nós queremos tornar o mais fácil possível para as pessoas tomarem seus medicamentos. Quando os pacientes têm de lembrar de tomar uma droga todos os dias ou várias vezes ao dia, começamos a ver menos adesão ao regime. Ser capaz de engolir uma cápsula uma vez por semana ou por mês pode mudar a forma como pensamos sobre a ingestão de medicamentos”, diz Giovani Traverso, um dos autores e gastroenterologista da Faculdade de Medicina de Harvard e do Hospital Brigham and Women de Boston.

Pequena
“Além de melhorar a adesão, nosso sistema de longa ação pode reduzir os efeitos adversos e melhorar a eficácia da droga”, complementa Andrew Bellinger, primeiro autor do trabalho e cardiologista do Hospital Brigham and Women de Boston. Ele conta que a cápsula é do tamanho de um comprimido de óleo de peixe quando engolida. Uma vez dentro do estômago, ela, como um origami, se desdobra, assumindo a forma de uma estrela. Dessa forma, fica presa no piloro (constrição musculosa no fim do estômago), ao mesmo tempo em que permite a passagem de alimentos. Em duas semanas, o material da cápsula se desfaz, ela se rompe e viaja pelo trato digestivo para ser eliminada.

Segundo os pesquisadores, os ensaios clínicos com humanos devem começar no ano que vem. De acordo com o pesquisador Robert Langer, também do MIT, o sistema poderá ser usado para o enfrentamento de doenças diversas. Há, por exemplo, o projeto de usá-lo no tratamento de transtornos neuropsiquiátricos, HIV, diabetes e epilepsia. “Até agora, as drogas orais quase nunca duravam mais de um dia. Isso realmente abre a porta para sistemas orais de ultralonga duração, o que poderia ter um efeito sobre todos os tipos de doenças, como o Alzheimer e problemas de saúde mental” acrescentou.

Bellinger ressaltou, porém, a importância de a solução ser usada para o tratamento de doenças endêmicas, principalmente em regiões em que o controle é dificultado por questões financeiras, estruturais e/ou culturais. “Se o medicamento puder ser eficaz por um longo período de tempo, você poderá melhorar radicalmente a eficácia das campanhas de medicação em massa”, justificou.

Vacinação será iniciada na África
A primeira vacina contra a malária no mundo será usada na África Subsaariana no próximo ano, anunciou a Organização Mundial da Saúde (OMS). A substância obteve êxito na fase três de testes clínicos, feitos com mais de 15 mil lactentes e crianças pequenas em sete países na África Subsaariana.  A nova etapa, a imunização, ocorrerá em três países ainda não definidos, sendo que os que participaram dos últimos ensaios terão prioridade. De acordo com as Nações Unidas, a aprovação de US$ 15 milhões pelo Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária garantirá a execução dessa fase.