Composto da uva trata doença de Chagas

Testada em ratos, substância amenizou os efeitos da enfermidade sobre o coração. Casos de arritmia diminuíram em 35%

por Correio Braziliense 11/11/2016 15:00
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Resveratrol é um antioxidante encontrado na uva (foto: Getty Images)

O resveratrol é um antioxidante encontrado na uva e utilizado como suplemento alimentar pela capacidade de produzir benefícios cardíacos semelhantes aos causados pela prática de atividades físicas. Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) acreditam que a substância também possa ajudar o coração de pacientes com doença de Chagas. Os efeitos foram detectados em ratos e detalhados na edição de ontem da revista Plos Pathogens.

Baseado em evidências anteriores de que o Trypanossoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas, danifica o coração por meio de estresse oxidativo, o grupo liderado por Cláudia N. Paiva e Joseli Lannes-Vieira, ambas da UFRJ, testou se o resveratrol poderia combater essa condição. No estudo, ratos foram infectados com o parasita e desenvolveram rapidamente a fase crônica da doença, caracterizada pelos danos cardíacos. Os pesquisadores trataram as cobaias com resveratrol e monitoraram o coração delas usando eletro e ecocardiogramas.

O antioxidante reduziu os casos de arritmia em 35% e em 50% o número de outros problemas de condução elétrica. Cerca de 30% dos roedores apresentaram eletrocardiogramas normais após o tratamento, que também reduziu o dano oxidativo e a quantidade de T. cruzi no tecido do coração. Os benefícios se deram até mesmo em cobaias tratadas tardiamente, entre 120 e 160 dias depois da infecção.

“O resultado foi acima do esperado: as arritmias e a queda de capacidade de bombeamento do coração foram revertidas pelo tratamento com resveratrol. Ou seja, os animais apresentaram melhora na sua condição. Como o resveratrol é um suplemento alimentar, esperamos que ele possa ser logo testado em humanos”, disse, em comunicado, Claudia Paiva. As substâncias metaformina e tempol causaram efeitos similares nos ratos, mas não reduziram a quantidade de parasitas.

Nas células
Em uma segunda etapa, a equipe brasileira identificou como o resveratrol age nas células. Ele reduz a quantidade das moléculas chamadas espécies reativas de oxigênio, que são produzidas pelo coração para combater o parasita. Se essa produção é excessiva, ocorre o estresse oxidativo, quando as estruturas celulares são danificadas, prejudicando a função cardíaca. O estudo indica que ajustar o coração de volta a um estado saudável pode ser a melhor estratégia para ensinar o corpo a conviver com um parasita que o sistema imunológico não consegue eliminar, minimizando os danos.

A equipe também chegou à conclusão de que suplementos alimentares ou remédios usados contra outras doenças e que tenham o resveratrol podem ser reaproveitados para a doença de Chagas, cujo tratamento disponível apenas ameniza os sintomas da doença. “Ainda serão necessários outros testes antes de avaliar a terapia em pacientes, mas o fato de o composto já ser considerado seguro é uma vantagem”, ressaltou Joseli Lannes-Vieira, em comunicado.

Incurável e transmitido por insetos da família Reduviidae, os popularmente conhecidos barbeiros, o Chagas acomete de 6 a 7 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. A infecção, inicialmente, traz sintomas leves, como febre, fadiga e dor de cabeça, e não causa efeitos posteriores na maioria dos pacientes. Porém, um terço das pessoas contaminadas eventualmente desenvolve a cardiopatia chagásica, que causa inchaço nos ventrículos do coração e pode levar a arritmias e insuficiência cardíaca.

Alta concentração
Por ser um antioxidante, o resveratrol é capaz de reduzir a formação de substâncias tóxicas, como radicais livres, que podem danificar as células e levá-las à morte. Uvas vermelhas são os alimentos com a maior concentração da molécula, principalmente na casca, podendo conter até 1,25mg de resveratrol em uma porção de 160g. Outra importante fonte são os amendoins, mas eles devem ser cozidos para aumentar a concentração do antioxidante, chegando a até 1,28mg a cada 180 gramas.