Especialistas defendem alimentação baseada em insetos

A ampla adoção de dietas baseadas em bichos como grilos, formigas e gafanhotos ajudaria a combater o desmatamento, a escassez de água e a insegurança alimentar. Congresso mundial discutirá formas de superar a aversão a esses produtos

por Vilhena Soares 29/08/2016 15:00

REGIS DUVIGNAU
(foto: REGIS DUVIGNAU)
Que tal participar de um banquete repleto de guloseimas como larvas, formigas, besouros e escorpiões? Antes que você solte um sonoro e enojado “nem pensar”, um conselho: nunca diga nunca. É cada vez maior o número de especialistas que apontam a dieta baseada em insetos e outros artrópodes como a solução para grandes problemas atuais. Se mais pessoas no mundo adotarem a prática, argumentam, não será mais necessário destruir florestas e usar água em excesso para garantir alimentos a uma população mundial que não para de crescer. E o valor nutricional dos bichos rastejantes, garantem nutricionistas, não deixa nada a dever ao dos animais hoje consumidos em escala global.


Por isso, muitos cientistas se dedicam hoje a traçar estratégias que convençam pessoas a superarem o “fator nojo” e darem uma chance às receitas com insetos. O movimento é tão crescente que se tornou um dos principais temas a serem debatidos no 25º Congresso Internacional de Entomologia, em Orlando, na Flórida. Na programação do evento, estão previstas apresentações de diversos especialistas que buscam tornar essa culinária mais popular no Ocidente — em países orientais, ela é muito mais aceita.


Um desses palestrantes é Paul Rozin, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Pensylvania, nos Estados Unidos. “Para a maioria dos seres humanos, insetos não estão disponíveis como comida. E a principal razão para que um inseto comestível não seja consumido é a aversão”, afirma ao Correio. Essa rejeição, acredita, costuma ter origem na infância. Crianças são ensinadas a associar os pequenos animais a sujeira e doenças, e isso faz com que o nojo surja por um processo de associação.

Rozin, contudo, acredita que essa aversão pode ser superada com algumas estratégias. No congresso, ele apresentará os resultados de um experimento no qual expôs 502 adultos a pratos preparados com insetos. Os voluntários foram convidados a escolher entre preparos nos quais besouros, grilos e outros animais eram oferecidos picados, inteiros ou misturados com farinha. A rejeição ao consumo dos animais em sua forma natural foi grande, mesmo quando as pessoas eram informadas sobre a esterilização dos bichos. Já o prato em que os insetos estavam integrados à farinha, o que suavizava o sabor, teve aceitação melhor.

Cor Sokunthea / Reuters
Grilos fritos vendidos em mercado popular no Camboja: consumo de insetos comestíveis é mais disseminado em países orientais (foto: Cor Sokunthea / Reuters )
Segundo o especialista, superado o nojo, os insetos passam a apresentar várias vantagens, como alta disponibilidade e baixo custo. E ele lembra que, em outros momentos, os ocidentais superaram barreiras aversivas que, a princípio pareciam intransponíveis. Foi o caso do sushi e do sashimi, que causavam repulsa entre americanos, que não se imaginavam ingerindo peixe cru. “Não há dúvida de que as pessoas podem se acostumar com as coisas que são repugnantes a princípio. O queijo mesmo já foi para muitos ocidentais. Chamamos isso de masoquismo benigno. Com a exposição frequente, as pessoas se acostumam e deixam de perceber as características repugnantes”, completa.

Florestas

Nos últimos anos, diferentes estudos sobre o impacto da adoção de insetos como fonte alimentar têm sido realizados. Um dos mais completos foi apresentado em 2013 pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês). Segundo esse relatório, o alto valor nutritivo de bichos como gafanhotos e formigas ajudaria a manter a segurança alimentar no planeta.


O documento destacou ainda que a inclusão dos insetos na dieta é maior do que muitos imaginam, sendo feita por 2 bilhões de pessoas, quase 30% da população mundial. Os pequenos bichos são, por exemplo, uma das mais importantes fontes de proteína para pessoas que moram em regiões de floresta. No Brasil, o consumo de formigas é muito comum na Amazônia, uma prática que acabou se tornando mais conhecida a partir do trabalho do chef brasileiro Alex Atala. Um dos mais respeitados cozinheiros do mundo, Atala incluiu saúvas amazônicas no cardápio de seu renomado restaurante D.O.M. Outros restaurantes no mundo têm feito movimentos parecidos, o que, para alguns especialistas, ajuda a combater a resistência a essa fonte nutricional.


Segundo Aldemir Mangabeira, professor de Centro Universitário Iesb de Brasília e mestre em nutrição humana, insetos têm mesmo um alto valor nutricional. A questão, contudo, passa mesmo pelo aspecto social. “Quando dizemos a uma pessoa menos assistida para ela se alimentar de insetos, ela pergunta por que deve comer aquilo se pessoas da classe dominante não têm esse hábito”, observa. O especialista também destaca fatores regionais. “O obstáculo cultural é um grande problema. Seria necessário realizar uma campanha informativa para que todos pudessem conhecer as vantagens dessa alimentação. Talvez, o uso de tecnologias que transformem os insetos em alimentos com uma textura mais firme os tornasse mais aceitáveis”, especula.

Preconceito
Pesquisadora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Wayne, nos Estados Unidos, Julie Lesnik também acredita que a cultura é um ponto central no debate. “Muitas vezes, olhamos para o que comemos como um símbolo de quem somos. Insetos comestíveis são mais prevalentes em áreas tropicais porque o ambiente é adequado para apoiar grande biodiversidade, proporcionando inúmeras opções comestíveis. A prática de comer insetos é quase inteiramente ausente em latitudes do Norte, onde eles nunca foram uma fonte de alimento confiável”, analisa.


A especialista, que também participará do congresso de entomologia em Orlando, diz que, hoje, entre as populações que não têm esse hábito, o consumo de insetos é visto de maneira preconceituosa, como algo que só os “outros” fazem. Apesar disso, Lesnik acredita que esses animais podem ser um dos pilares da alimentação no futuro. “À medida que mais pessoas comecem a reconhecer os benefícios dessa fonte de alimento e perceber que a resistência está totalmente em nossa cabeça — que não existe nada inerentemente mais repugnante sobre insetos comestíveis do que qualquer outro alimento de origem animal —, haverá uma possibilidade real de que ela se torne amplamente utilizada em mais países”, aposta.

 

É preciso se acostumar
Masoquismo benigno é um termo utilizado por Rozin para explicar quando as pessoas desfrutam de experiências inicialmente negativas para o corpo — em que o cérebro falsamente as interpreta como uma ameaça — e depois constatam que não existe perigo real, sentindo-se aliviadas. O pesquisador destaca que o tempo é essencial para que isso ocorra. Ele usa como exemplo o consumo de pimentas, que não é agradável às crianças, mas com o passar dos anos, se torna algo prazeroso.