Obesidade sempre faz mal

Estudo sueco contradiz a tese de que é possível estar acima do peso e saudável. Segundo os cientistas, os genes dos obesos têm padrões anormais de resposta à insulina mesmo quando o exame tradicional não acusa o problema

por Paloma Oliveto 20/08/2016 10:00
THEO ROUBY / AFP PHOTO
O conceito da "obesidade saudável" apoia-se no fato de que um percentual das pessoas com IMC acima de 30 não é resistente à insulina (foto: THEO ROUBY / AFP PHOTO)
Nos últimos anos, ao mesmo tempo em que o mundo registrou um aumento considerável no número de pessoas acima do peso, surgiu um movimento, endossado por alguns médicos, de defesa da “obesidade saudável”. De acordo com essa corrente, até 30% dos indivíduos com índice de massa corporal (IMC) igual ou maior que 30 não apresentariam fatores de risco associados ao excesso de gordura. Contudo, uma pesquisa do Instituto Karolinska, da Suécia, alerta que isso não passa de um perigoso mito. O artigo, publicado na revista Cell Reports, alerta: não existem níveis seguros de obesidade. Mesmo quem está com os exames aparentemente em dia pode desenvolver problemas como doenças cardiovasculares e diabetes por culpa do peso.

O conceito da “obesidade saudável” apoia-se no fato de que um percentual das pessoas com IMC acima de 30 não é resistente à insulina. Esse importante hormônio captura a glicose presente no sangue e a envia para o interior celular, de forma que o açúcar seja transformado em energia. Mas algumas condições, como o excesso de gordura no corpo, faz com que as células inflamem e se tornem resistentes à ação da insulina. A glicose acumula-se no organismo e, em consequência, surgem problemas graves, como hipertensão, triglicerídeo alto, comprometimento cardiovascular e acúmulo de substâncias tóxicas, entre outros.

Uma das formas de avaliar o funcionamento da insulina é o exame de glicemia em jejum, no qual se retira uma amostra do sangue no início da manhã para medir a quantidade de açúcar circulante. Quem é resistente ao hormônio apresenta taxas muito altas, já que as células impedem a transformação da glicose em energia. O problema, segundo Mikael Rydén, pesquisador do Instituto Karolinska que liderou o estudo, é que não há consenso se esse teste seria o melhor critério para avaliar a saúde metabólica de indivíduos obesos.

Ele, então, avaliou a resposta à insulina de 15 pessoas saudáveis que nunca tiveram excesso de peso e de 50 obesos, que participavam de uma pesquisa sobre a cirurgia de redução de estômago. Foram realizadas biópsias do tecido adiposo branco (TAB) do abdômen de todos eles em duas etapas: antes e duas horas depois de receberem uma infusão de insulina e glicose na veia. De acordo com a taxa de captação de glicose, os pesquisadores classificaram 21 obesos como sensíveis à insulina (teoricamente, os saudáveis) e 29 como resistentes ao hormônio.

A surpresa veio quando eles sequenciaram o material genético do interior das mitocôndrias — estruturas celulares responsáveis pelo processo de fabricação de energia — das amostras. Fossem sensíveis ou resistentes à insulina, os genes de todos os participantes obesos exibiam padrões anormais, se comportando da mesma forma em resposta à insulina, uma maneira bem diferente da verificada na amostra dos indivíduos saudáveis que nunca sofreram de excesso de peso. Rydén lembra que a obesidade é o principal fator por trás da alteração da expressão dos genes: “Por isso, não há como falar em ‘obesidade saudável’. Temos de continuar insistindo no combate a esse problema”, afirma (Leia mais nesta página).

Doença crônica
Para o endocrinologista Flávio A. Cadegiani, membro da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade (Abeso) e médico da clínica Corpometria, o trabalho sueco traz diversas implicações importantes. A primeira delas é que, ao provar a inexistência de obesidade saudável, o estudo reforça que o excesso de peso é uma doença crônica e que, portanto, deve ser tratado com seriedade. Em segundo lugar, ele afirma que os distúrbios metabólicos em indivíduos obesos podem estar sendo subdiagnosticados. “O exame de glicemia de jejum, que é passado normalmente para os pacientes, pode não ser suficiente”, afirma.

Na pesquisa, os obesos com sensibilidade à insulina pareciam saudáveis quando se avaliava somente esse critério. Contudo, o comportamento dos genes das células de gordura mostrava-se alterado ao se injetar açúcar na corrente sanguínea dos participantes, um exame conhecido como curva glicêmica, feito pela manhã, antes da ingestão de alimentos e horas depois do paciente se alimentar. “Em média, demora-se cinco anos para a glicemia em jejum elevar ao nível que apareceria na curva glicêmica. Existe um subdiagnóstico de resistência à insulina nos obesos por uma certa inércia na medicina mundial, que espera os sintomas aparecerem para passar a curva glicêmica”, critica. “A minha recomendação é que todos os obesos façam esse exame.” O médico lembra que o aumento da resistência à insulina intensifica os fatores de risco associados ao problema, como doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.

Cadegiani, que também é membro da Endocrine Society, da Obesity Society e da American Association of Clinical Endocrinologists, destaca o papel da obesidade na alteração dos genes: “O evento fundamental para desencadear a transcrição dos genes maléficos é o aumento de tamanho das células de gordura. À medida que as pessoas ganham peso, essas células incham e ficam até 10 vezes maiores. Quanto maiores elas ficam, se tornam mais maléficas, induzindo inflamações no corpo”. Uma das consequências disso é o diabetes. “Para o obeso virar diabético, é uma questão de tempo. Se não é ainda, vai ser. Por isso, é preciso evitar o ganho de peso e tratar a obesidade o mais precocemente possível.”


Mikael Rydén // Endocrinologista do Laboratório de Lipídeos do Instituto Karolinska

Podemos imaginar que todas as pessoas com obesidade vão, um dia, desenvolver algum problema de saúde associado à condição, mesmo que seus exames pareçam normais?
Nós acreditamos que nossos dados apoiam um debate de que há um erro no conceito de “obesidade saudável”. Muitas meta-análises recentes sugerem que indivíduos definidos como “obesos saudáveis” têm risco aumentado para doenças cardiovasculares e para mortalidade. Pode não ser um risco tão alto quanto o verificado em “obesos não saudáveis”, mas ainda é significativamente maior que o observado entre indivíduos com peso corporal na faixa normal. Nossos resultados mostram que a expressão genética em resposta à insulina é muito similar entre obesos sensíveis ou resistentes ao hormônio, e muito diferente da observada em pessoas não obesas, e isso sugere que a obesidade, per se, induz mudanças no tecido adiposo que podem estar ligadas a complicações futuras.

É possível reverter as mudanças na expressão genética perdendo peso?

Isso é exatamente o que estamos nos perguntando e seremos capazes de responder a essa questão em detalhe acompanhando indivíduos obesos por dois anos depois da cirurgia de redução de estômago, quando repetiremos as análises de expressão genética. Isso vai nos permitir verificar se obesos respondem diferentemente a graus similares de perda de peso com mudanças específicas na expressão genética. Esses genes podem ser de interesse de estudo para identificar novas drogas alvo para o tratamento de diabetes 2.

O senhor acredita que defensores da teoria da “obesidade saudável” podem dizer que o estudo não é representativo porque foi feito com 50 obesos?
Até onde sabemos, esse é o maior estudo já feito no tecido adiposo e, possivelmente, em outros tipos de tecido, em que uma análise completa da expressão genética foi realizada tanto em jejum quanto no estado de estímulo da insulina. Contudo, é claro que há algumas limitações. Os indivíduos obesos eram fundamentalmente mulheres (só conseguimos recrutar alguns poucos homens) e todos eram mórbidos, com IMC por volta de 39. Então, nossos resultados são validados primariamente para mulheres com obesidade pronunciada. Depois desse acompanhamento de dois anos, provavelmente saberemos se essas diferenças também são verdadeiras para formas menos extremas de obesidade, já que uma proporção significativa desses indivíduos não atingirá um IMC abaixo de 30, mesmo depois de perderem peso com a cirurgia.