Cefaleia está entre os três sintomas mais comuns da população, mas tem tratamento

Segundo especialistas, até 99% das pessoas a experimentarão pelo menos uma vez na vida

por Augusto Pio 10/08/2016 14:00
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18% das mulheres e 6% dos homens têm enxaqueca (foto: SXC.hu)
Daiane Venturine de Melo Resende, de 21 anos, estudante e moradora de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, conta que sentia fortes dores de cabeça quase todos os dias que a atrapalhavam de dormir e de estudar. “Não estava mais aguentando viver com a dor. Não conseguia mais fazer quase nada. Alguns dias, já acordava com a dor e ela durava o dia inteiro. Estava sofrendo muito. Fui em vários médicos, que falaram que eu tinha enxaqueca, mas não conseguiam resolver o problema. Por isso resolvi procurar um neurologista. A primeira semana de tratamento foi difícil. Ainda tive dores e efeitos colaterais, porém, o médico me explicou que o remédio demorava de alguns dias a semanas para fazer efeito. Hoje, tomo remédio todos os dias e estou sem dor há mais de dois meses e não sinto mais os efeitos colaterais do remédio. Melhorei demais. Agora consigo fazer tudo, estudar todos os dias, dormir bem. Continuo com o tratamento, conforme orientação do especialista.”

Jair Amaral/EM/D.A Press
Daiane Venturine de Melo conta que, depois que passou a se tratar com neurologista, não sente dores há dois meses (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Como Daiane, existem milhares de pessoas que sofrem desse mal. A cefaleia, de forma geral, está entre os três sintomas mais comuns na prática médica e até 99% das pessoas experimentarão o sintoma pelo menos uma vez na vida. A enxaqueca é a principal causa de cefaleia incapacitante Para se ter ideia de sua importância, quatro em cada 10 mulheres e dois em cada 10 homens desenvolverão a doença, de acordo com estudos epidemiológicos mais recentes. Em termos de prevalência geral, 18% das mulheres e 6% dos homens têm migrânea (enxaqueca), sendo que esses números se elevam para respectivamente 24% e 8% na faixa etária entre 30 e 39 anos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) a coloca como a sétima doença mais incapacitante do mundo. Estima-se que os EUA gastem cerca de US$ 36 bilhões por ano com enxaqueca, com custos diretos e indiretos, principalmente por absenteísmo ao trabalho. Na União Europeia, os gastos ultrapassam aqueles oriundos de esclerose múltipla, AVC e Parkinson. Até 60% das mulheres portadoras optam por não ter filhos, dada a incapacidade trazida pela doença. Ela interfere significativamente na capacidade do indivíduo de trabalhar, de se relacionar e de se entreter.

Beto Novaes/EM/D.A Press - 30/6/16
Rodrigo Vasconcellos Vilela, neurologista, com área de atuação em cefaleia (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press - 30/6/16)

Rodrigo Vasconcellos Vilela, neurologista com área de atuação em cefaleia, diz que se trata de sintoma universal, sendo que quase todas as pessoas já a experimentaram ou a experimentarão algum dia. Formado pela UFMG e pelo HC-UFMG, Vilela faz parte da equipe de preceptoria do ambulatório especializado de cefaleias do HC-UFMG, centro de referência para toda Minas Gerais. “O termo cefaleia quer dizer dor de cabeça, especificamente dor acima de uma linha imaginária que une os olhos ao ouvido, a linha orbitomeatal. Apesar de ser um sintoma comum, é errônea a crença de que sentir dor de cabeça é algo normal, fisiológico. Toda cefaleia, independentemente de suas características, consiste em manifestação de processo patológico subjacente. Existem centenas de causas distintas de cefaleia, desde benignas até as potencialmente letais”, alerta Rodrigo.

Distúrbio neurológico
As cefaleias podem ser divididas em primárias e secundárias. As primárias são aquelas em que a dor de cabeça é, colocando de forma simples, a doença em si. Os maiores exemplos são a enxaqueca, mais conhecida no meio científico como migrânea, além da cefaleia do tipo tensão e as cefalagias trigeminoautonômicas. Já as secundárias são aquelas em que a dor é apenas uma das possíveis manifestações de uma outra doença, que podem ou não ser graves ou relacionadas ao sistema nervoso. “Como exemplo, podemos citar as que resultam da ruptura de aneurismas de vasos cranianos, a cefaleia pós-exposição ou retirada de substâncias e pós-traumatismo cranioencefálico.”

Rodrigo esclarece que, dentro das cefaleias primárias, por sua frequência e gravidade, destaca-se a enxaqueca. “Trata-se de distúrbio neurológico crônico, complexo, familiar e incapacitante, cuja característica marcante são ataques recorrentes de cefaleia intensa, de longa duração, com sintomas associados como náuseas e vômitos, além de aversão à luz, barulho e esforço físico. A enxaqueca é subdividida em dois grandes grupos: com e sem aura. Aura refere-se a um conjunto de sintomas neurológicos focais e reversíveis que precedem imediatamente ou acompanham a dor de cabeça, instalam-se ao longo de minutos e duram até uma hora. São mais comuns os sintomas visuais, que ocorrem em mais de 90% dos pacientes acometidos, seguidos pelos sintomas sensitivos, de fala e/ou linguagem e motores. Já a doença sem aura é mais comum, correspondendo a até 75% dos casos.”

O neurologista ressalta que a enxaqueca é um distúrbio neurológico complexo e uma crise pode ter até quatro fases distintas. “O cérebro dos pacientes é hiper-responsivo a vários estímulos fisiológicos e psicológicos, devido à hiperexcitabilidade neuronal. Esta, por sua vez, é responsável pela sequência de alterações intra e extracranianas que ocorrem durante a crise. A primeira fase corresponde aos sintomas premonitórios, que acometem mais da metade dos pacientes, e surgem dentro das 48 horas que precedem a dor. Os mais comuns são fadiga, dificuldade de concentração e dor ou desconforte cervical.”

Em seguida pode ocorrer a aura, segunda fase. “Instala-se, então, a dor de cabeça, que pode durar várias horas a até três dias. É unilateral, ou seja, dói em apenas um lado, em até 2/3 dos pacientes. Costuma ser de caráter pulsátil, mas pode ser também em pressão ou sensação de aperto. Tende a ser intensa e impedir a pessoa de realizar adequadamente suas tarefas. Associa-se comumente a náuseas e até a vômitos. Durante a dor, fatores ambientais como luz, barulho, esforço físico e cheiros fortes podem incomodar demais o paciente, que, habitualmente, prefere repousar em lugar escuro e silencioso”, explica o médico.

SINTOMAS
Durante a cefaleia, outros sintomas comuns são dores na região cervical, nos seios da face e tonteiras. A dor é tipicamente mais frequente e intensa no período perimenstrual. “Após a cefaleia, grande parte dos pacientes apresentam fadiga e exaustão, que duram até 24 horas e correspondem à fase de pósdromo. A maioria dos portadores tem entre um a quatro episódios de dor de cabeça por mês. A doença é bastante heterogênea em relação à frequência, duração e intensidade dos ataques. Tende a ser mais grave nas mulheres, por questões hormonais.”

Rodrigo diz que não existem biomarcadores, isto é, moléculas, substâncias ou células que possam ser mensuradas para fins diagnósticos. “Estes dependem inteiramente de uma entrevista médica minuciosa. Por meio das características da dor, como duração, intensidade, sintomas associados, entre outros, preenchem-se critérios diagnósticos para essa ou aquela cefaleia primária. Geralmente, o exame neurológico é normal. É essencial afastar as causas secundárias graves.” O neurologista esclarece que a enxaqueca tem tratamento, cujo objetivo é reduzir a frequência, duração e intensidade das crises. Ele ressalta que elas devem ser abortadas com medicamentos específicos. O médico complementa que o tratamento deve ser individualizado, conforme as características, curso da doença e necessidades do paciente. “A abordagem terapêutica correta resulta em melhora significativa da qualidade de vida e da funcionalidade do paciente. Se não tratada corretamente, a condição pode se agravar e dificultar um manejo futuro.”