Especialistas discutem em BH comportamentos extremistas de adolescentes

Veja formas de prevenir o envolvimento de crianças e adolescentes em atitudes de intolerância e ódio

por Valéria Mendes 18/07/2016 09:00
Quinho / EM / D.A Press
Em grupo, a culpa e a responsabilidade são dissolvidas e o anonimato, em certa medida, preservado (foto: Quinho / EM / D.A Press)
No início deste mês, um adolescente confessou ter matado o professor André Felipe Vieira Colares, de 24 anos, durante uma festa de formandos em medicina, em Montes Claros. Homofobia seria a motivação para o crime. Quando a garota do tempo do Jornal Nacional, Maria Júlia Coutinho, mais conhecida como Maju, denunciou agressões racistas em sua página na internet, descobriu-se que um jovem de 15 anos tinha iniciado o ataque contra ela. Ele integrava um grupo que “queria ficar famoso” e acreditava que essa seria uma estratégia para alcançar mais facilmente a fama. Também temos notícias de cada vez mais adolescentes, meninos e meninas, se explodindo em ataques terroristas, do suicídio de garotas vítimas de vazamentos de vídeos e fotos íntimas nas redes sociais e do aumento dos casos de automutilação. Por que tantos adolescentes estão tomando atitudes extremistas?

Esse é um dos temas do 4º Congresso Internacional Trandisciplinar sobre a Criança e o Adolescente Brasil-França, que ocorre de quarta-feira a sábado, em Belo Horizonte, e é aberto às famílias mediante inscrição prévia. O evento conta com a presença de renomados profissionais estrangeiros e brasileiros das áreas de psicanálise, psiquiatria, neurociência e educação. O congresso é anual e tem edições intercaladas entre Brasil e França. Psicanalista, professor e diretor da Escola Doutoral Pesquisas em Psicanálise, da Universidade Paris 7 – Diderot, Christian Hoffmann afirma que a ausência de sentido de uma existência individual faz com que jovens encontrem uma causa e uma identidade para defender, que dão a eles um sentido à vida. “A globalização favorece, atualmente, o sentir como pertencente a um grupo, o que antes só era possível em dimensões menores”, explica.

Para o especialista, a forma de prevenir o envolvimento de adolescentes em grupos que propagam intolerância, preconceito e ódio é “o desenvolvimento de uma política e de uma educação para a juventude, que ofereçam um futuro e uma identidade cidadã laica”. Christian Hoffmann diz que já existem parâmetros consolidados em estudos científicos que dão indícios da radicalização do comportamento de um jovem.

ANONIMATO
Psiquiatra da infância e adolescência e secretária do Departamento de Psiquiatria Infantil da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Ana Christina Mageste afirma que o adolescente dá sinais de mudança de comportamento e que as famílias devem ficar alertas quando meninos e meninas deixam de conversar, querem ficar muito no quarto, o desempenho escolar cai, começam a ter dificuldade para dormir, deixam de levar colegas em casa e escondem o celular.

A especialista ressalta o equívoco que é relacionar opções extremistas de intolerância com a psiquiatria. “Agressivo e violento qualquer um de nós pode ser”, diz. Segundo ela, os crimes cometidos por doentes mentais são minoria em relação aos de pessoas saudáveis mentalmente. “O ser humano está sempre querendo satisfazer os próprios desejos. O que impede que a gente faça o que quiser de nossas vidas são fatores externos, como as regras para se viver socialmente”, pontua.

Em grupo, a culpa e a responsabilidade são dissolvidas e o anonimato, em certa medida, preservado. Para Christian Hoffmann, é importante ouvir o jovem para entender, principalmente, qual é a relação dele com o líder do grupo e a motivação para participar desse grupo. “Geralmente, essa participação ocorre devido à necessidade do jovem em dar sentido à própria existência, em razão até da falta de perspectivas em um mundo em crise”, observa.

Ambiente familiar influi

Ana Christina Mageste diz que a idade da razão é em torno dos 7 anos. Ou seja, é quando a criança consegue compreender com clareza o que é certo e o que é errado. “O que vivemos atualmente é uma precocidade em todos os âmbitos da vida das crianças, inclusive, do conhecimento. Cada vez mais jovens, meninos e meninas têm acesso a uma jorrada de informações sem ter a maturidade psíquica suficiente para discernir sobre o que querem e o que não querem. Atendo criança que, aos 3 anos, já conhece todas as letras do alfabeto. É uma hiperestimulação sem que elas estejam emocionalmente preparadas para tomar decisões”, observa.

A psiquiatra diz também que a cobrança da família, da sociedade e da escola por comportamentos adultizados, mas socialmente lidos como maturidade, gera angústia em crianças e adolescentes. Ela cita a história de um garoto de 10 anos, que justificou sua tristeza por ainda não ter beijado na boca. “O afeto deixa de ser vivenciado e o jovem passa a dar mais atenção para a comparação e a competição. Pela lógica do princípio do prazer, eles vão procurar maneiras para se desinibirem e aí entram as drogas, que encorajam comportamentos de risco”, salienta.

Para ela, o próprio ambiente familiar está agressivo e imerso em competição e ela exemplifica, no caso do Brasil, com a polarização da política e o fato de crianças e adolescentes serem incentivados pelas famílias a propagarem palavras de ódio em relação a políticos e a quem pensa diferente. “A cultura da agressividade, do poder mais e do ser mais é valorizada”, considera.

A forma para se criar meninos e meninas que não sejam violentos, preconceituosos e intolerantes não tem segredo, de acordo com Ana Christina Mageste, é com exemplo e diálogo franco. “A agressividade é um comportamento aprendido”, reforça. Para além dos fatores externos, a psiquiatra explica que fatores biológicos podem fazer com que uma pessoa seja mais propensa à violência que outra. “Sabemos que a agressividade e a impulsividade envolvem questões biológicas de alteração do sistema límbico e do córtex pré-frontal, que podem predispor alguém a ser mais violento”, diz.

SUICÍDIO

Dados do Mapa da Violência do Ministério da Saúde revelam que tem aumentado no Brasil o número de suicídios de crianças e adolescentes. De 2002 a 2012 houve crescimento de 40% da taxa de suicídio na faixa etária entre 10 e 14 anos. Entre 15 a 19 anos, o aumento foi de 33,5%.

Entre os fatores de risco para o autoextermínio infantojuvenil estão o diagnóstico de depressão, histórico familiar de suicídio, uso de álcool e drogas na família ou pelo jovem, abuso sexual, bullying, estresse, pressão interna e dificuldade de interação social. “É imprescindível falar em prevenção de suicídio de crianças e jovens. A automutilação pode preceder um suicídio. É um assunto tabu, mas atendo crianças que já tentaram suicídio e começaram com automutilação. Elas dizem preferir sentir a dor física que a dor emocional. Claro que é um grito, um pedido de socorro”, alerta.


O quê: IV Congresso Internacional Transdisciplinar sobre a Criança e o Adolescente Brasil-França
Programação: Cinco conferências, dois cursos, quatro simpósios, seis workshops e 30 mesas-redondas, abertas às famílias
Data: de 20 a 23 deste mês
Local: Faculdade de Medicina da UFMG – Av. Professor Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia, Belo Horizonte
Programação completa: www.institutolangane.com.br