Esportes radicais atraem crianças, jovens e adultos pelos desafios, riscos e para manter a forma

Mas é preciso respeitar limites pessoais e regras de segurança de cada modalidade

por Gustavo Perucci 10/07/2016 09:00
Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
José Henrique Maia, de 9 anos, vê na prática de andar de skate uma forma de superar limites (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Caminhada, corrida, musculação, futebol, pilates... Quem, em busca de melhor forma física e cuidado com a saúde, nunca pensou em procurar uma academia ou escola de uma dessas modalidades, mais comuns e acessíveis em nosso cotidiano. Mas vem crescendo o número de pessoas que apostam em exercícios, digamos, alternativos, como skate, escalada e parkour. Os esportes radicais, geralmente, atraem a atenção dos mais jovens, pelos desafios, riscos e adrenalina inerentes à prática. Mesmo com risco mais elevado de lesões, essas atividades podem trazer grandes benefícios para corpo e mente.

Em um mundo cada vez mais sedentário, buscar uma atividade física é recomendação de 10 em cada 10 médicos. Mas muitas pessoas não conseguem se adaptar em academia, piscina ou com a rotineira caminhada, perdem o interesse e acabam deixando de se exercitar ou procurando outra modalidade. Foi assim com o garoto José Henrique Maia, de 9 anos. Ele já fez futebol, natação e judô e, sempre que voltava das férias, ficava com preguiça de retornar às atividades. Um dia, durante uma viagem em família, ele viu uma pista repleta de skatistas e lamentou para a mãe, Luciana Azevedo, o fato de não existir uma escola de skate em Belo Horizonte.

“Mas falei para ele que em BH tinha sim uma escola, já que sabia que um sobrinho meu tinha feito aula. Aí, levei o Zeca para uma aula. E é uma boa atividade física. Antes de começar, o Rogério (instrutor da academia de skate) faz alongamento com os alunos. A aula é muito movimentada, trabalha o corpo inteiro, equilíbrio e concentração. E como é um esporte diferente, radical, que os meninos gostam muito, chamou a atenção do Zeca”, conta Luciana.

Diferentemente das outras atividades a que já se dedicou, a motivação do José com o skate é outra. “Gosto bem mais do skate do que das outras coisas que fazia. Com o skate tem como você descer na rampa, fazer manobras. E isso é muito mais legal do que ficar nadando ou jogando futebol, que é sempre a mesma coisa todo dia”, afirma o garoto. Além da melhora do preparo físico, a prática ajuda o estudante em outros aspectos, como na superação de medos, ganho de confiança e concentração.

Rogério Moraes, professor de José na academia de skate, garante que, depois de uma hora de aula, os alunos saem bem cansados. “Muita gente até deixa a academia para se dedicar só ao skate. Dá para sair bem suado da aula, derretendo mesmo. Trabalha a forma física, força muscular, coordenação motora e equilíbrio. E não tem limite de idade. Claro que o pessoal mais novo procura mais, mas já tive aluno de 4 até 52 anos”, acrescenta.

DESAFIO
Para Luciana, o segredo do skate para cativar o filho e o manter motivado ao exercício físico é que, além do desafio de superação constante, cada aula é diferente da outra, a cada dia ele aprende um movimento ou manobra novos, o que contrasta com a repetição das outras atividades que o garoto já praticou. A relação de confiança que os professores criam com os alunos e cuidados com segurança na academia deixaram Luciana tranquila com relação aos perigos do esporte. E o José ainda ganhou um novo incentivo para continuar a andar na prancha com rodas: a companhia do pai, que comprou patins para os dois se exercitarem juntos. “Quase todos os dias vamos para a praça andar”, relata o garoto.

A forma como José começou a praticar o skate é o recomendada para qualquer pessoa que resolva se aventurar em um esporte radical: com instrutor bem preparado, respeitando os limites pessoais e as regras de segurança de cada modalidade. Ao mesmo tempo que atraem os praticantes por oferecer novos desafios a cada dia, o risco de lesões nessas atividades é maior do que nos exercícios considerados rotineiros.

Para o médico especialista em medicina do esporte e praticante de mountain bike Marconi Gomes da Silva, “o grau de exigência de um esporte radical costuma ser bem maior do que o de um exercício físico voltado para aquela prescrição médica básica para a saúde. E é aí que entra o ponto de equilíbrio. No parkour, por exemplo, você pode ter ganhos fantásticos em termos de saúde, ganhos excelentes em termos de condicionamento físico. Porém, estará muito mais próximo, também, de problemas como lesões osteomusculares, que podem interromper a sua atividade física. Se você está em um regime de treinamento e práticas que são particularmente arriscadas, a chance de você se machucar é maior. Voltando ao parkour, é simplesmente fantástico o que o corpo pode fazer. É impressionante em termos de liberdade, satisfação, de ver o corpo como uma máquina potente, de alto rendimento. Mas existe o outro lado: se você pesquisar, ficará assustado com as lesões que as pessoas têm para conseguir fazer aquelas manobras”, alerta o médico.

Superação dos limites
Alternativa às atividades físicas mais comuns, os esportes radicais trazem melhorias ao corpo e à mente. Risco elevado de lesões, porém, exige que a prática seja inciada com  a orientação de profissionais

 Arquivo Pessoal
Do slackline, Alisson Tavares passou para o highline e, entre uma montanha e outra, até brinca se deitando na fita (foto: Arquivo Pessoal)
Fugir da monotonia da academia e encontrar uma atividade que fosse adequada à sua rotina de estudos. Ao buscar um exercício físico que atendesse a essas exigências, a estudante Isabella Tavares, de 16 anos, foi apresentada por uma amiga ao parkour, esporte francês criado na década de 1990, que consiste em superar obstáculos em zonas urbanas ou rurais somente com o corpo. Sucesso em vídeos na TV e internet, a prática vem se popularizando pelo mundo.

Depois de ter que deixar a equipe de vôlei do colégio, Isabella procurava uma atividade apenas com o intuito de não ficar parada. E, com um ano de prática, já percebe melhoras em sua forma física. “Sempre tive a resistência muito baixa, de não ter muito fôlego, sabe? E isso melhorou bastante. Além dos aspectos físicos, tive um ganho na parte psicológica. Era muito competitiva e, no parkour, entendi que têm pessoas que fazem coisas que não consigo e que também consigo fazer manobras que outros não conseguem. Não tem disputa e todos ajudamos uns aos outros”, avalia a adolescente.

Transpor obstáculos com a facilidade que se vê nos vídeos de praticantes de parkour mais experientes não é fácil. Pior ainda: sem a devida orientação e respeito, é extremamente perigoso. Por isso, buscar orientação é essencial para não se machucar. Sem conhecer as técnicas, Isabella começou bem devagar. Nos três primeiros meses, fazia a atividade com os mais novos do grupo. “Antes, fazia as aulas com as crianças menores. Depois de um tempo, melhorei bem e comecei a fazer manobras mais complexas”, conta. No início, a estudante até estranhou a falta de equipamentos de segurança, um dos princípios do parkour (veja quadro na página 4). “É tudo acompanhado e me falaram que, se tiver algum receio, é melhor nem tentar o movimento. Só podemos tentar uma manobra quando temos total confiança”, afirma.

Arquivo Pessoal
Isabella Tavares, de 16 anos, conquistou mais resistência depois que começou a praticar parkour (foto: Arquivo Pessoal)

O instrutor da Isabella, Thiago Ramalho, explica que não existe limite de idade ou peso para a prática do parkour, já que um dos seus pilares é o respeito às limitações individuais e busca pelo autoconhecimento. Segundo Thiago, mesmo popularizado como esporte radical urbano, o parkour vai além dessa visão restrita.

“É uma atividade física que promove a redescoberta da potencialidade do corpo humano. Muitos meninos vão para a aula dizendo que querem ser radicais. Mas aí falamos: não é isso. Antes de ser radical, você vai dominar o movimento, fazê-lo da forma correta. Você tem que ter controle do próprio corpo e dos movimentos para fazer o parkour de forma precisa, consciente e, principalmente, segura”, orienta. Isabella já se machucou praticando o parkour, mas não passou de alguns arranhões. Além do preparo físico que o esporte fornece, a estudante afirma que vai levar para o resto da vida alguns aprendizados que fazem parte da atividade, como trabalho em grupo, concentração e respeito aos seus limites.

Médico especialista em medicina esportiva, Marconi Gomes da Silva explica que esportes radicais ou de alto rendimento, que sempre apresentam metas ou desafios novos aos praticantes, costumam fidelizar mais as pessoas à prática, diferentemente de atividades mais comuns, como natação ou musculação, quando procuradas com o único objetivo de se manter em forma. Ele ressalta, porém, que, ao buscar uma atividade que envolva mais riscos, o cuidado na prática deve ser redobrado.

“Atendo vários atletas. Adoro esportes radicais. Sou, inclusive, praticante de mountain bike. Mas quem quer fazer mountain bike ou parkour tem que entender os riscos inerentes a essas práticas. Tem que saber que ele está exposto a uma atividade mais arriscada em termos de lesão. Então, é imprescindível que se busque informação, reforço muscular e profissionais que possam te orientar e garantir mais segurança”, aconselha Marconi.

Superar desafios, enfrentar situações novas e buscar adrenalina são os principais motivadores para quem procura um esporte radical. A boa forma e a saúde costumam ficar em segundo plano nesse contexto, mesmo que os ganhos físicos e mentais dessas modalidades sejam muito bons.

“Mesmo dentro de toda a imprudência que envolve os esportes radicais, busque ampliar os seus limites com comedimento. Como existe um certo risco, respeite sua evolução naquela prática. Não tente dar grandes saltos evolutivos de um dia para o outro. Tenho paciência para superar limites em estágios mais avançados. E isso, geralmente, é uma coisa que o jovem não tem”, diz Marconi, ressaltando que, tanto o excesso quanto a falta de confiança podem virar lesão grave. “O esporte radical pode fazer muito bem ou muito mal. Deve ser praticado da forma adequada e respeitando as limitações”, conclui.

NAS ALTURAS
Uma prática cada vez mais comum de ser vistas em praças e parques nas cidades é o slackline, esporte de equilíbrio sobre uma fita de nylon, estreita e flexível. Sua origem vem da escalada e uma de suas derivações é o highline, vertente mais desafiadora, já que a fita é colocada em alturas maiores, geralmente entre picos de montanhas.

E foi dos 30 centímetros de altura do slackline que Alisson Tavares, de 31 anos, resolveu encarar vãos com mais de 10 metros de altura no highline. “No início, sentia muito medo. Não tinha a firmeza de andar. Só que focava, colocava uma música no fone de ouvido e encarava. Hoje, vejo mais como uma diversão, um sentimento de liberdade. É um momento único. Atravessar da ponta de montanha para a outra, no alto, com o vento batendo. Você se sente livre. Mas, ao mesmo tempo, é muito tenso. Quem vê de fora, acha lindo, mas não tem ideia do que passa na cabeça de quem está andando”, conta.

Ao se preparar para o desafio do highline, Alisson praticou bastante o longline, outra vertente do slackline. O ganho de força nas pernas, braços, ombros e abdômen foram claros. Mas a grande evolução que ele percebe foi na questão da postura e concentração.

“É mais mental do que físico, mas posso achar isso porque me preparei antes de encarar o desafio. Não consigo aproveitar muito a paisagem. Quando a pessoa tem mais habilidade, ela consegue para e observar o visual. Mas ainda não estou nesse ponto”, explica Alisson, que, pelo highline, conheceu a escalada, atividade que passou a se dedicar há cerca de dois anos.

Adrenalina
Mais do que causar sensação de bem-estar (ou mal-estar, para quem não aprecia aventura), a adrenalina tem função baseada na sobrevivência. E situações de perigo, de tomada de decisão rápidas, estão sempre presentes nos esportes radicais. Sempre ligada a superação e enfrentamento do perigo, a adrenalina é um dos motivadores das pessoas se aventurarem. O endocrinologista Dr. Hamilton Junqueira, professor da Faculdade Ipemed de Ciências Médicas, explica que não é só a famosa adrenalina que age na hora do fight-or-flight (termo em inglês para a resposta fisiológica do corpo em situações de perigo ou risco à vida). “São quatro hormônios básico do estresse: a adrenalina, o glucagon, o cortisol e o GH. E são eles que vã agir na hora de encarar ou fugir de uma situação arriscada. E os hormônios do estresse têm benefícios no organismo, como aumentar a circulação sanguínea e o nível de, digamos, combustível no corpo”, afirma. A liberação desses hormônios desencadeiam uma série de reações no nosso corpo, entre elas: pupila dilatada aguçando a percepção visual; músculos tensionados prontos para qualquer ação de emergência; respiração mais profunda e rápida, aumentando a captação de oxigênio; coração disparado aumenta o fluxo de sangue para os órgãos vitais, especialmente o cérebro; e transpiração acionada para que o corpo se mantenha frio.

Faça sua escolha

Se você gosta de se aventurar e busca alguma atividade para manter a forma, um esporte radical pode ser a melhor escolha. Cada modalidade apresenta sua particularidade, com benefícios físicos e mentais específicos e, claro, riscos. Busque se informar, e, ao iniciar, preste atenção às normas e equipamentos de segurança. Convívio em grupo, proximidade com a natureza, autoconhecimento e superação de desafios são algumas das vantagens dessas atividades. Veja algumas opções de esportes radicais ou de aventura que podem deixar você em dia com a saúde.

Arte: EM / D.A Press
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