Pesquisa sugere que nem todas as células tumorais circulantes são cancerígenas

Segundo cientistas de Cingapura, as células cancerígenas presentes no sangue de pacientes nem sempre funcionam como disseminadoras da doença. Para a equipe, essas estruturas podem ser tratadas como um indício do carcinoma

por Isabela de Oliveira 08/07/2016 15:00
Cristiano Gomes / CB / D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Cristiano Gomes / CB / D.A Press)
É consenso entre médicos e cientistas que aglomerados de células tumorais circulantes (CTC) — grupo celular distinto e raro frequentemente encontrado no sangue de pacientes com câncer — sejam indicadores do avanço da doença. Mas, agora, resultados de uma pesquisa do Instituto de Bioengenharia e Nanotecnologia de Cingapura, apresentados na revista Science Translational Medicine, colocam em xeque esse entendimento ao sugerir que nem todas as CTC são cancerígenas.

“Nós apresentamos uma subpopulação de células de endotélio derivadas de tumores que parecem desafiar o consenso de que todos os agrupamentos de CTC são entidades malignas”, diz Min-Han Tan, pesquisador-sênior do estudo realizado com ratos e humanos com câncer colorretal. “A partir de uma série de análises in vivo, bioquímicas e genéticas, determinamos que essas células refletem as propriedades da vasculatura do tumor primário e que compõem uma segunda classe de células derivadas do tumor no sangue que podem ser consideradas de boa-fé.”

Por estar associada ao endotélio — tecido que reveste o interior dos vasos sanguíneos —, essa nova classe de CTC revela pistas importantes sobre a vasculatura tumoral, necessária para o acesso do câncer a oxigênio e nutrientes, indispensáveis para o avanço da doença. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de novas versões de biópsias líquidas, exames que investigam a presença de marcadores tumorais no sangue.

“O maior conhecimento dessas células permitirá o entendimento em relação à detecção precoce do câncer, aos sinais de progressão da doença e a uma melhor previsão de resposta aos tratamentos cujos mecanismos de ação envolvem a inibição do desenvolvimento dos vasos sanguíneos do tumor”, pontua o oncologista clínico Fernando Vidigal de Padua, diretor médico do Centro de Câncer de Brasília — Cettro e não participante do estudo.

Por uma técnica de filtragem, os pesquisadores separaram as CTC, que foram identificadas pela ausência de CD45, um marcador de leucócitos (glóbulos brancos, que trabalham na defesa do corpo). O marcador é associado a outros critérios de malignidade característicos de células tumorais, como núcleo sem forma e volumoso. Com métodos de análise molecular, foram analisadas também as características dessas células, que são chamadas de microêmbulos quando passam a circular juntas.

“Eles chegaram à conclusão de que os microêmbulos de nove pacientes não têm células tumorais, somente endoteliais. O que eu achei curioso, porque eles não comprovam isso com fotos e análises individuais de cada célula que está ali. Os autores só afirmam que análises de DNA e RNA do perfil de mutação e expressão gênica não detectaram células tumorais. Eu não sei se isso é suficiente para concluir a falta de malignidade”, observa Ludmilla Tomé Domingos Chinen, pesquisadora do A.C Camargo Cancer Center, em São Paulo.

“Bombástico”

Ludmilla Chinen pesquisa o assunto desde 2012 e, apenas sobre CTC, tem cinco artigos publicados em revistas renomadas, incluindo um sobre os microêmbulos. “Os resultados dos pesquisadores de Cingapura e os meus andam juntos até esses cientistas verificarem que não existem células tumorais nos agrupamentos. É um achado bombástico, muito interessante, e pretendo entrar em contato com os autores para trocarmos informações sobre isso”, diz a cientista, que já estudou CTC de 280 pacientes com câncer colorretal.

Os achados das pesquisas de Ludmilla Chinen mostram que a contagem e o estudo das CTC pela biópsia líquida podem ampliar as possibilidades de detecção precoce da doença, de monitoramento da resposta ou de resistência à terapia, além de facilitar a análise do crescimento do tumor e de propriedades metastáticas. Assim como a estudiosa de São Paulo, Min-Han Tan acha que pode utilizar os aglomerados a fim de determinar o melhor tratamento para os pacientes com câncer colorretal. A neoplasia apresenta boa resposta no início do tratamento. No entanto, rapidamente, os pacientes apresentam recaídas porque as drogas, quase que de uma hora para outra, deixam de fazer efeito.

A equipe de Cingapura aposta ainda que poderá utilizar os marcadores para detectar a doença precocemente: os microêmbulos estão presentes nos doentes, mas não em indivíduos saudáveis, o que sugere que podem ser um indicador do câncer em estágio inicial. Ismael Dale, assessor médico em oncologia do Fleury Medicina e Saúde, em São Paulo, elogia os resultados, classificados por ele como pioneiros. “Mas muita pesquisa de validação precisa ser feita por pesquisadores de outras instituições. Os testes que eles fizeram não são fáceis e, por isso, acredito que vai demorar um pouco para que essas possibilidades de tratamento cheguem à prática clínica”, diz Dale, que é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O especialista acrescenta que, se as pesquisas evoluírem e chegarem ao mercado, será necessário estabelecer normas para que os laboratórios ofereçam um serviço padronizado. “Não pode ser algo que varie de um para o outro. Precisamos saber em que momento o teste de sangue deve ser feito e se ele vale para todos os tipos de tumores intestinais”, justifica. “Apesar de faltar um longo caminho à frente, estamos diante de uma possibilidade que poderá tornar os tratamentos mais personalizados, especialmente para cânceres iniciais, nos quais drogas quimioterápicas podem ser desnecessárias. Às vezes, basta uma medicação mais tolerada, via oral, para controlar a doença. Isso poderá beneficiar especialmente pacientes jovens, por exemplo mulheres que ainda não têm filhos e não querem comprometer a fertilidade com tratamentos agressivos”, acredita.

Resistência extrema
Uma pesquisa com ratos publicada, nesta semana, na Science Signaling mostra que, mesmo morrendo naturalmente ou por fatores externos, como tratamentos oncológicos e infecções, o câncer consegue iniciar o processo de metástase. Apesar de moribundas, as células doentes têm a capacidade de manipular o sistema imunológico, sobretudo os macrófagos. Quando as células cancerosas morrem, liberam um lipídio de sinalização chamado S1P. Ele incita os macrófagos a secretarem a proteína LCN2, que estimula a criação de vasos linfáticos pelas células endoteliais. Esses vasos funcionam como vias para que o cancro se alastre pelo corpo. Os resultados sugerem que interromper a interação entre as células tumorais moribundas e macrófagos pode oferecer uma estratégia potencial para travar a propagação da doença.

HPV aumenta risco de tumor além do útero
Mulheres com história de condições pré-cancerosas no colo do útero provocadas pela infecção do vírus do papiloma humano (HPV) têm risco aumentado de desenvolver câncer anal, vaginal e vulvar, indica estudo publicado na Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention por pesquisadores da Sociedade Dinamarquesa de Pesquisa em Câncer e do Departamento de Ginecologia do Centro Juliane Marie, no Hospital Universitário de Copenhague.

Estudos anteriores mostraram que alguns tipos de HPV causam neoplasia intraepitelial cervical (NIC), condição pré-cancerosa em que há células anormais no colo do útero. A gravidade do mal é classificada em uma escala que vai de um a três, sendo maior a chance de desenvolver carcinoma colocervical no último grau. A fim de verificar se também há risco aumentado para tumores anal, vulvar e vaginal, Susanne Krüger Kjær e equipe estudaram 2,8 milhões de dinamarquesas registradas em um banco nacional de dados entre 1978 e 2012.

Dessas, 104 mil tinham NIC nível 3 e 52 mil, nível 2. Comparadas a mulheres sem histórico da doença, as com NIC3 apresentaram 4,2 vezes mais risco para câncer anal; quatro vezes mais risco para câncer vulvar e 17 vezes mais risco para câncer vaginal. As chances de surgimento das neoplasias foram maior no primeiro ano após o diagnóstico de NIC3.

Já mulheres com NIC2 tiveram 2,9 vezes mais chance de serem acometidas por câncer anal; 2,5 vezes para câncer vulvar e 8,1 vezes para o vaginal. Segundo Kjær, a adição de novos tipos de câncer à lista de potenciais consequências do HPV a longo prazo pode aumentar o apoio à imunização contra o vírus. “A vacina é profilática e, se pudermos prevenir que a infecção por HPV ocorra, poderemos prevenir algumas das condições da infecção persistente”, defende a pesquisadora.

17 vezes
É o risco aumentado para o surgimento de câncer vaginal em pacientes infectadas pelo HPV com a concentração mais grave de células anormais no colo do útero