Em tempos de relações tão fluidas, especialistas apontam como aprender melhores lições das relações humanas

Partindo do pressuposto de que todo homem interage e é interdependente do outro, é sábio pensar em como o contato com o outro nos transforma diante da vida que escolhemos levar

por Lilian Monteiro 26/06/2016 10:42

Cristina Horta/EM/D.A Press
Mônica Godoy Fonseca, psicanalista e analista ambiental: "Minha expectativa deveria recair a respeito do que posso transformar. É fazer a parte que me toca. E não a respeito do que o outro deve mudar." (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Em tempos de crise e incertezas, as pessoas andam irritadiças, sem paciência, trocando mais torrões do que flores. Mas, independentemente das trocas, elas terão sempre influências umas sobre as outras diante das relações humanas. Desse contato, voluntário ou não, restará algo que será interpretado sempre de maneira pessoal e particular. Caberá a cada um digerir, degustar e transformar da melhor forma que lhe convier.

O que cada ser humano pode apresentar do contato com o outro? O que sobra ou soma dessa relação? Na vida, como ressignificar as perdas e dar novo sentido a elas? Com análises distintas de psicanalistas, psicólogos, psiquiatras, psicoterapeutas, o Bem Viver propõe hoje o pensar sobre o resultado das relações, sejam elas afetivas, amorosas, pessoais, profissionais e até mesmo com objetos e lugares que nos fazem buscar uma vivência melhor, ainda que com obstáculos, barreiras, dúvidas, erros e acertos, desejo do impossível, mesmo quando o possível é tão mais simples e ao alcance.

A médica psiquiatra, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Sofia Bauer, explica que o contato do ser humano é algo interessante. “Comunicamo-nos como um diapasão em ondas magnéticas, que nos imprimem determinadas sensações e sentimentos. Sabe aquela coisa, encontrei alguém e, conversando ou só olhando, me senti bem? Pois é... isso é a comunicação não verbal do ser humano, que se faz por meio das ondas magnéticas do nosso coração, que são mais potentes, 60 vezes mais forte do que nosso cérebro. O poder do coração cura, transforma dores e sofrimentos e, por isso, os jargões “só o amor constrói”; “o essencial só se vê com o coração”... E assim aprendemos que quando sentimos algo especial, quando abraçamos, fechamos nossos olhos para sentir melhor.”

ENERGIA Sofia Bauer, especialista em psicologia positiva e em hipnoterapia, diz que o que fica de uma relação ou de um contato é uma energia boa ou ruim. “Escolha poder levar sempre o que é bom, doar sempre o que tem de melhor. Assim, escolher o melhor no contato com o ser humano seria um bom sorriso, um elogio verdadeiro, apreciando o belo e o sagrado que existe em cada um.” Para a médica, em todos os nossos contatos, deixamos uma ressonância, boa ou má e vai depender de você mesmo, já que pode decidir marcar o mundo com amor ou com ódio. Gandhi, Dalai Lama, Madre Teresa e, agora, nosso papa Francisco marcam o mundo com amor. “Podemos seguir esse caminho e sempre tentar, o mais que pudermos, vibrar em ondas de mais amor, apreciando o que há de belo, dando permissão para sermos humanos e sentir nossas fraquezas. Assim, nos recuperaremos do luto, das dificuldades e seremos mais bondosos em nossa essência de vida. O mundo tem escuridão e cabe a nós fazermos luz, resistindo nas escolhas que brilham com amor. Você será mais feliz.”

O padre jesuíta norte-americano John Joseph Powell alertou, em um de seus pensamentos, que ninguém pode causar ou ser responsável por suas emoções. Elas estão internalizadas. Ainda que, de acordo com um dos princípios da relação interpessoal, a psicóloga Clara Feldman tenha sido muito feliz ao dizer que “ninguém sai ileso de um encontro com outra pessoa”.

Cris Albuquerque/ Dilvugação
Renata Feldman, psicóloga e psicoterapeuta humanista: Vivemos de trocas, mas elas precisam respeitar, valorizar e focar num olhar para dentro de si, para se encontrar. E não depender dos olhos ou do elogio do outro (foto: Cris Albuquerque/ Dilvugação)
Na interpretação da também psicóloga e psicoterapeuta humanista Renata Feldman “cada pessoa carrega uma individualidade, uma singularidade e sua maneira de ser, que, ao encontrar com outra, interage e sempre haverá uma troca, um intercâmbio de informação, de vivência e experiência”.

Renata Feldman enfatiza que “não somos ilhas e que as relações humanas tanto somam quanto subtraem. Um indivíduo, ao encontrar o outro, já soma e se forma uma dualidade em que sempre será possível aprender”. Agora, ela lembra que dependerá de cada um “dar ou não abertura para o outro lhe contagiar ou contaminar com o bem ou com o mal, com o humor ou não”.

Para a psicoterapeuta humanista, somos permeáveis ao outro, “a essa alteridade que nos cerca e que contribui para constituir nossa subjetividade e maneira de ser”. Ao pensar no conceito de “resto”, o que sobra ou fica de cada relação, Renata Feldman diz que vê a essência de cada um. “De novo, não somos uma ilha, vivemos de trocas, mas elas precisam respeitar, valorizar e focar num olhar para dentro de si, para se encontrar. E não depender dos olhos ou do elogio do outro."

AMOR Renata Feldman diz que o universo nos estimula o tempo todo com palavras de amor ou um carro novo. Mas até que o ponto você se sustenta sem se afetar com o olhar do outro? “No consultório, já ouvi várias declarações do tipo: “se ela me deixar, eu morro”. Como assim? Não é ser poliana ou andar por aí de óculos cor-de-rosa, mas precisamos buscar a maturidade emocional, o autoconhecimento e uma espiritualidade maior (não é virar Buda), mas uma busca interior para vivermos melhor, sem tanta dependência.”

Pode parecer difícil, complicado, mas tudo é questão de se propor, de querer, de estar aberto. Renata Feldman reforça que é preciso lembrar do livre arbítrio, “aquilo que concerne a você são suas escolhas. Agora, ao que cabe ao outro não tem controle. Você vai ser afetado, mas é sua decisão saber a dose disso. Será que tenho de azedar meu dia por causa de uma fechada no trânsito? É preciso sabedoria para ter trocas mais fecundas com o meio”.


Cláudio Costa, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta

Refletir acerca das vicissitudes que vivenciamos nas relações humanas, o que cada ser humano pode apresentar do contato com o outro? 
Evoco a experiência humana em sua primeira relação com um outro, quando o recém-nascido “precisa” dos cuidados maternos para a própria sobrevivência. É o registro da necessidade. Nos primórdios, somos absolutamente dependentes da mãe/cuidador, que nos oferece os objetos de satisfação das necessidades básicas: experimentamos sentimentos de onipotência, pois tudo aquilo de que precisamos estará ali, a tempo e hora. À medida que evoluímos, a relação mãe/filho adquire outro significado, para além da pura nutrição. Outras demandas exigirão um distanciamento cada vez mais perceptível e o bebê será confrontado com a dura realidade: para ter as coisas, os “objetos”, será necessário pedir, clamar, esperar, conquistar (o amor). O sofrimento implícito marca a impotência, nossa incompletude. Os psicanalistas dirão: o objeto está perdido para sempre. Inaugura-se, então, outro registro, o do desejo: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, como cantam os Titãs. O boi no pasto jamais cantaria essa música, pois tudo o que precisa está ali. Quem permanecer “iludido” será candidato a relacionamentos marcados pela dependência e superexigência para com o outro, não suportando perdas. Como bebê insaciável, será incapaz de lidar com os riscos do amor, que nem sempre corresponderá à fantasia. Encontrar um parceiro “completo” se tornará missão impossível, já que o outro também é marcado pela falta e não suportará o peso de ser a “garantia”. O que sustenta o amor é a busca, o reconhecimento da falta, a incompletude. Como somos todos incompletos, diremos com Jaques Lacan: “Amar é dar o que não se tem a quem não sabe o que quer”.

Na vida pessoal, amorosa e profissional como ressignificar as perdas e se beneficiar dos ganhos?
As relações humanas podem ser vistas como a atualização de experiências precoces, como as do início da vida, onde a segurança é tão vital quanto o alimento. Para quem se fixa nos primeiros momentos de “ilusão de onipotência”, as perdas serão tormento insuportável. Um rapazinho, em análise, assim explica seu isolamento: “Prefiro não namorar para não sofrer quando tudo terminar”. Triste racionalização, negação do desejo e dos riscos inerentes a toda busca. As frustrações fazem parte da vida, tornam-nos mais fortes e mais destemidos, “sustentam” o desejo quando o objeto escapa. A contemporaneidade (ou outro nome que se dê ao cotidiano de todos nós) aí está com avanços impensáveis nos dispositivos comunicacionais, dando-nos a ilusão de que os relacionamentos podem ser substituídos pelas redes sociais. Quem se vangloria de ter mais de 1 mil amigos no Facebook mergulha nessa ilusão, acrescentando uns e deletando outros, tão logo se canse ou seja frustrado. “Modernidade líquida”, nomeia Zygmunt Bauman, salientando a precariedade dos pseudo-laços sociais, num tempo em que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso”. Se Freud estivesse ainda entre nós, talvez acrescentasse um capítulo ao seu “Mal-estar na Civilização”, no qual descreveria as neuroses atuais desencadeadas pelo vazio de perdas incessantes e dos amores líquidos. Como sempre, há perdas e ganhos. Pode-se aprender com as perdas, criar novos mecanismos de defesa e encontrar estratégias de sobrevivência. Na clínica, os casos se sucedem, com queixas de depressão, ansiedade e sintomas corporais. Se as medicações estão aí, não serão suficientes para minimizar tanto sofrimento, pois cada um terá de criar as saídas, encontrar o próprio desejo, responder por ele e prosseguir.

Quais marcas, boas e más, nós deixamos em nossos contatos?
“Contatos, amigos, seguidores, likes e curtidas” compõem o vocabulário instaurado pelas redes sociais. Cada qual quer mostrar seu lado alegre, vistoso, fashion, ligado, photoshopado, brilhante num mundo de celebridades instantâneas. Há lugar para rancorosos, românticos, indignados, politizados e alienados, cada um buscando “marcar” sua presença, conquistar um “like”, uma curtida, o compartilhamento, a multiplicação do número de acessos. Na “vida real”, o encontro com o outro vai sendo substituído pela troca instantânea de mensagens, esquecidas tão logo outras e outras se acumulam na timeline. Até que o mal-estar se instala. Será o momento da “descoberta do outro”, em que o tempo será dilatado para troca de olhares, acenos, carinhos ou, até mesmo, desencontros. O poeta Vinícius de Moraes já nos ensinou: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida...”


José Roberto Marques, aster coach sênior e presidente do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC)

Capacidade de ressignificar acontecimentos
Nós, seres humanos, temos a capacidade de dar novos e positivos significados para acontecimentos que não foram tão bons assim. É importante repensar o acontecimento e extrair um ensinamento, seja de uma perda, de um acidente, de um relacionamento, enfim, de tudo aquilo que, de alguma forma, foi impactante em nossas vidas. Podemos sim, tirar lições positivas de tudo o que ocorre conosco. Isso nos deixa mais maduros, evoluídos, nos auxilia na busca por uma vida plena. Gosto muito de uma frase que diz “tudo que vier, que seja bem-vindo. Se for bom, deixe que fique. Se for ruim, deixe que vá!”. Sempre temos algo a aprender com o próximo, devemos nos permitir conhecer o novo e ficar com aquilo que nos faz bem, focar no positivo sempre, deixar a negatividade, os pontos ruins de lado e aprender a ver o lado bom das pessoas e das coisas. Episódios tristes, acontecimentos ruins são inevitáveis, você só tem controle sobre seus pensamentos, então, busque o positivo.”

Tudo o que o ser humano faz produz um “resto”, deixa uma marca. O que significa isso? A psicanalista e analista ambiental Mônica Godoy Fonseca explica que o conceito de “resto” é privilegiado na psicanálise e ele nos acompanha todos os dias, deste o primeiro respiro ao nascer até o último sopro de vida. E cada um de nós é marcado pela maneira como lidamos com ele. “Desde o primeiro choro, o sujeito é lançado numa situação de desconforto, que marca a distinção do tempo anterior (no útero), quando ele não tinha nenhuma necessidade, já que tudo lhe era dado pelo útero materno. Essa diferença deixa no ser humano, impressa como digital, a imagem de que é possível viver sem restos. Esse mito vai acompanhá-lo pela vida afora.”

Mônica Godoy explica que “o ser humano passa a vida tentando voltar ao estado de beatitude uterina. Onde nada lhe falta ou sobra. Estado esse perdido ao nascer, quando se inicia uma verdadeira operação matemática, onde nunca se alcança resultado satisfatório. Até mesmo ao respirar, resta algo. Nunca mais será como antes. Porém, a fantasia de que o estado completo existe, é possível e deve ser buscado, persiste. Assim, todas as relações que estabelecemos na vida com coisas, pessoas e lugares são feitas tentando encontrar uma completude, que, mais uma vez, não é possível. Visto que essa incompletude é da vida, do ser falante”.

Como sair disso? O caminho apontado pela psicanalista é a “construção de um saber fazer com essa falta”. Ela explica que o universo é movido pela ideia de encontrar alguém ou algo que vá preencher essa falta. A manivela que movimenta o mundo é essa: um bem novo, seja uma roupa, um carro ou uma pessoa ou também uma ideologia, um partido político ou uma religião. “A questão é que esse 'buraco' não pode ser tampado, porque ele é do humano.”

Mônica enfatiza que o problema se agrava quando as pessoas fazem laços com objetos, pessoas ou ideais, com a intenção de encontrar uma saída para esse vazio e se frustram ao não conseguir esse objetivo. “Seja qual for esse investimento, ele vai produzir, invariavelmente, um resto que é inassimilável, ou seja, produzirá um lixo. Esses resíduos poderão assumir diversas formas. Na relação afetiva, por exemplo, eles podem ser traduzidos como trauma, mágoas ou ainda tristezas e rancores. Em torno disso, o mal-estar se organiza.” Por isso, para que as pessoas se sintam mais saudáveis e realizadas, elas deveriam pensar em produzir menos restos, e isso só é possível questionando o que consomem (seja em relação aos afetos seja em relação aos objetos). “Ou seja, de novo, construir um saber lidar com o que lhe falta. Conquista que pode advir por meio de uma melhor elaboração do sentido real da vida.”

elo A psicanalista diz que o “resto”, não necessariamente, é plenamente descartável, já que “podemos ressignificar. A paixão pode virar amor”. Mônica alerta, ainda, que “o 'resto' não é obrigatoriamente ruim, basta saber lidar com ele. Quanto aos bens materiais, por exemplo, a resposta passa por um consumo mais consciente, baseado na real necessidade. Já nas relações afetivas, talvez nãos seja assim tão fácil. Porém, também aí vale a ideia de que a perfeição não existe e que os encontros serão sempre faltosos em algum sentido. Portanto, reduzir as expectativas e as demandas pode produzir menos frustrações. Todas as relações que produzimos com as coisas e as pessoas têm um elo, um laço, que pode ser marcado por um vínculo prazeroso ou de sofrimento. Isso é determinante para pensarmos a quantidade de lixo que esse vínculo vai produzir”.

Mônica diz que é possível reduzir a produção de “lixos” à medida que nos adequarmos melhor às relações, “pois esperar de alguém o que ela não pode dar é mais difícil do que adequar sua expectativa ao que é possível de receber”. Ela reforça que “a minha expectativa deveria recair a respeito do que posso transformar. É fazer a parte que me toca. E não a respeito do que o outro deve mudar. Como Gandhi disse, 'se você quer mudar o mundo, comece por transformar a si mesmo'”.

Por fim, cabe salientar que é preciso abordar a questão dos resíduos e dos restos porque, “só assim, poderemos ter a dimensão do quanto esse tema é complexo. Enquanto acharmos que o lixo na rua ou na relação não é meu problema, mas sim do outro, não conseguiremos mudar nossa situação familiar, cultural e planetária”.

O poder de ver o copo cheio
O psicólogo Martin Seligmanm, autor do best-seller Felicidade autêntica e líder por 15 anos do movimento de propagação da psicologia positiva nos Estados Unidos, recomenda sempre que as pessoas encontrem o crescimento e a motivação sob a ótica da superação, não da lamentação. Ou seja, focar não no que deu errado, mas nas virtudes. Sua lista inclui seis virtudes do caráter: sabedoria/conhecimento, coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência. Cada uma delas tem subdivisões. A temperança inclui perdão, humildade, prudência e autorregulação. A psicologia positiva busca compreender a ciência e a anatomia da felicidade, das experiências positivas, do otimismo e do altruísmo. Ela aponta para uma visão de que a saúde psicológica é muito mais do que a ausência de sintomas. Nessa visão, uma vida plena inclui:

1) Satisfação: viver com alegria, felicidade e prazer. Ter emoções positivas.
2) Engajamento: viver o melhor de si. Usar as próprias forças e virtudes do caráter.
3) Sentido: encontrar um sentido na vida (missão, visão e valores).
4) Relacionamentos: ter relacionamentos saudáveis, com vínculo e apoio mútuos.