Azia, queimação e dores no estômago não devem ser negligenciadas

É importante estar atento e procurar um especialista para um correto diagnóstico. Quanto mais cedo a pessoa se cuidar, maiores são as chances de sucesso

por Augusto Pio 24/06/2016 13:20
Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Dagmar Ribeiro, de 85 anos, passou por uma cirurgia endoscópica para a retirada de um tumor (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
A aposentada Dagmar Ribeiro Xavier Cardoso, de 85 anos, conta que, embora tomasse remédio para o estômago, ainda se queixava de azia e queimação, até foi aconselhada por seu cardiologista a procurar um gastroenterologista. Marcou consulta e foi fazer os exames devidos. Feita endoscopia, constatou-se um tumor no estômago em estágio precoce. Foi aí que o médico a aconselhou a fazer uma operação para retirar o estômago. Porém, ela preferiu procurar outro especialista, uma vez que ficou receosa. “É que o gastro disse que teria que abrir a barriga para retirar a ferida. Após explicações, achei que a cirurgia era muita invasiva e, por isso, resolvi me consultar com Vitor Arantes, endoscopista de renome.”

Aconselhada por Vitor Arantes, coordenador dos Serviços de Endoscopia do Hospital Mater Dei Contorno e do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Dagmar resolveu se submeter aos exames de estadiamento, quando foi realmente constatado um tumor em estado inicial. “Ele disse que, como a lesão era pequena, poderia ser feito um outro tipo de cirurgia, a endoscópica, para a retirada do tumor. O médico esclareceu que se tratava de um método novo, desenvolvido no Japão e que era bem menos invasivo do que a outra cirurgia de abertura do estômago. Achei aquilo ótimo. Ele marcou a operação e fizemos a mesma no Hospital Mater Dei Contorno, com sucesso. Graças a Deus, foi como se não tivesse operado, pois não senti nada e já estava me alimentando bem no mesmo dia, inclusive comendo massas no outro, sensacional. Em outro exame que ele fez posteriormente de controle deu tudo normal, já cicatrizado.”

Dagmar conta que antes de procurar Arantes já havia sido portadora da bactéria H. pylori. “Quando fiz a primeira endoscopia, constatou-se a presença dela, porém fui tratada pelo meu cardiologista. Ocorre que, depois de algum tempo, ela voltou, o que foi constatado já num segundo exame. Mas, já sob cuidados, fiz outro tratamento, eliminando de vez a tal bactéria. Hoje, tenho uma vida normal, pois me alimento bem e não estou proibida de comer nada, felizmente. O médico apenas me aconselhou a fazer uma nova endoscopia de acompanhamento no ano que vem para ver se está tudo bem, o que acredito que estará.”

Cristina Horta/EM/D.A Press
Médico Vitor Arantes explica que as principais causas de dores no estômago são úlceras, gastrites, em especial aquelas relacionadaks com uso de anti-inflamatórios, e os tumores (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
SINTOMAS É comum pessoas se queixarem de dores na região do estômago, além de outros sintomas como azia, má digestão e incômodo por gases. Muitas podem manifestar também sintomas como náuseas ou mesmo vômitos quando submetidas a um forte estresse ou em períodos de tensão emocional. Órgão do sistema digestório, o estômago está situado entre o esôfago e o duodeno. Sua mucosa é formada por glândulas que produzem o suco gástrico e enzimas, substâncias que são importantes para a primeira fase da digestão dos alimentos ingeridos pelo ser humano.“A digestão varia entre indivíduos e é influenciada por diversos fatores, como as características dos alimentos e o volume da refeição. O estômago funciona como uma bolsa coletora dos alimentos e tem papel central na primeira fase da digestão dos alimentos”, explica Vitor Arantes.

O médico, que também é professor da Faculdade de Medicina da UFMG e presidente da Comissão do Título de Especialista da Sociedade Brasileira de Endoscopia (Sobed), explica que a digestão se inicia na cavidade bucal com a mastigação, ação de enzimas salivares e formação do bolo alimentar, que será conduzido pelo esôfago até o estômago. “Simultaneamente, ocorre uma série de estímulos hormonais, desencadeados pelo cérebro, que induzirão à secreção de substâncias (ácido clorídrico, enzimas etc.) pelo estômago para receber a chegada dos alimentos. No estômago, os alimentos permanecerão por um período de duas e quatro horas, quando serão misturados com o suco gástrico, rico em enzimas. Posteriormente, o estômago propulsiona os alimentos em direção ao duodeno e intestino, órgãos onde serão absorvidos os nutrientes e será finalizado o processo de digestão com formação das fezes e sua eliminação.”

Segundo o médico, as principais causas de dores no estômago são úlceras, gastrites, em especial aquelas relacionadas com uso de anti-inflamatórios, e os tumores. “Essas enfermidades podem gerar um espectro variado de sintomas, podendo destacar entre outros a dor de estômago, que costuma ser em 'queimação', azia, sensação de náuseas ou vômitos, sensação de plenitude após as refeições, que se manifesta como distensão abdominal, eructações ou enjoos. Nos indivíduos que apresentam esses sintomas, especialmente quando eles estão na faixa etária acima de 40 anos e convivem com fatores de risco como tabagismo, alcoolismo ou história familiar de câncer, ou vem acompanhado de sinais de alarme, como anemia e emagrecimento, indicamos a realização de uma endoscopia digestiva alta para investigar esses sintomas. O exame é muito seguro, feito geralmente sob sedação, com mínimo desconforto e que permite ao médico identificar alguma anormalidade que possa haver no trato digestório superior e que possa explicar os sintomas apresentados pelo paciente.”

O especialista ressalta que a coleta de informações por meio do exame é crucial para determinar o tratamento necessário. “Atualmente, temos indicado também o exame endoscópico para rastreamento de tumores ou neoplasias, mesmo na população assintomática acima de 50 anos e com antecedentes familiares. As neoplasias de estômago, quando detectadas em estágio inicial, permitem que seja realizado o tratamento curativo por métodos menos invasivos, por via endoscópica, minimizando os custos e os efeitos adversos dos tratamentos mais invasivos e proporcionando recuperação mais rápida.”

Contudo, esse tipo de cirurgia, para que seja bem-sucedida, deve ser realizado em pacientes bem selecionados, conduzido por especialistas que tenham feito treinamento adequado em hospitais que têm tecnologias e equipamentos apropriados”, alerta Arantes. Em BH, o especialista realiza as cirurgias endoscópicas no Hospital Mater Dei Contorno e no Hospital das Clínicas da UFMG, ambos centros com infraestrutura completa, montada para esse tipo de operação. O médico ressalta que o tratamento da maior parte das enfermidades citadas é clínico, com uso de medicamentos que inibirão a secreção de ácido pelo estômago ou que proporcionarão uma melhora no peristaltismo e, consequentemente, no trânsito dos alimentos no trato digestório. “O encontro de tumores ou outras alterações desse gênero, evidentemente, necessitará de outras intervenções de acordo com cada caso, e um especialista da área deve ser consultado.”

COLÔNIA DE BACTÉRIAS
Uma das bactérias “inimigas” da mucosa estomacal é a Helicobacter pylori. Sua associação com doenças gástricas, como úlceras pépticas e alguns tipos de gastrite, foi descoberta nos anos 1980. “As pesquisas demonstraram que esse patógeno tem também associação com algumas neoplasias que se instalam no estômago. Por essa razão, a infecção pela H. pylori é considerada um fator de risco para câncer de estômago, apesar de a maioria dos humanos infectados nunca chegar a manifestar qualquer tipo de sintomatologia e/ou complicação relacionada com a bactéria”, acrescenta Arantes.

O especialista esclarece que essas bactérias vivem quase exclusivamente no estômago humano e duodeno, sendo o único organismo conhecido capaz de colonizar esse ambiente muito ácido em parte pela sua capacidade de secretar urease, que transforma a ureia presente no ácido gástrico em amônia, elevando o pH ao redor da bactéria, possibilitando sua colonização. “Os estudos científicos mostram que, em alguns indivíduos, especialmente aqueles geneticamente predispostos, a infecção do estômago pela H. pylori induz uma atrofia da mucosa gástrica conhecida como gastrite atrófica. Uma parcela desses indivíduos pode desenvolver posteriormente outras alterações chamadas pré-neoplásicas, como a metaplasia intestinal ou as lesões displásicas, que são fatores precursores do câncer. Devido a esses riscos, recomenda-se o tratamento da H. pylori por meio de um coquetel de antibióticos e o acompanhamento periódico do estômago por meio do exame de endoscopia digestiva alta, preferencialmente feito por especialistas treinados no reconhecimento dessas alterações.”