Abordagem emocional para tratamento de dor crônica é fundamental

Tratamento deve envolver profissionais de diversas áreas e combinar medicamentos com atividades físicas, fisioterapia e acupuntura

por Carolina Cotta 16/06/2016 13:46
EM / D.A Press
Tratamento multidisciplinar é visto como a chave do sucesso para a dor crônica (foto: EM / D.A Press)
A dor é daquelas sensações que parecem valer qualquer esforço. Dos métodos mais tradicionais, passando pelas abordagens complementares, e mesmo recorrendo a algumas crenças populares, há quem “faça qualquer negócio” para se livrar do sofrimento. Isso leva a duas práticas perigosas: a automedicação e o abuso de analgésicos. Também já se foi a época em que se abordava dor só com medicamentos. Hoje, a tendência é a intervenção multidisciplinar: com profissionais de diversas áreas atuando em conjunto com um único objetivo: eliminar ou controlar a dor, promovendo o bem-estar do paciente. O tratamento multidisciplinar é visto como a chave do sucesso, pois combina analgésicos e medicamentos com atividades físicas, fisioterapia, psicologia e acupuntura.

Quase sempre os pacientes de dor crônica têm também dores musculares, o que exige fisioterapia. Além disso, é preciso cuidar que o sono seja reparador, já que aqueles que não descansam entram em fadiga crônica, potencializando a dor. Entre as medidas complementares, destacam-se a acupuntura, a hipnose e o autorelaxamento, mas, segundo a fisiatra Lin Tchia Yeng, coordenadora do ambulatório de Dor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), antes desses é importante pensar no básico. Além da medicação certa, é imprescindível que as pessoas aprendam a dormir melhor, façam atividade física e cuidem da alimentação. Em alguns tipos de dor o controle do peso é imprescindível, caso das artroses no joelho.

A jornalista Izabella Gazzinelli Veloso, de 34 anos, sente dores de cabeça desde a infância. “Com a sensação de ter herdado aquilo da minha mãe, tinha o hábito de me automedicar. Demorei muito para buscar ajuda”, lembra. Isso só ocorreu quando ela sentiu uma forte dor e se viu deitada no chão da sala onde trabalhava, cercada de olhares dos colegas. “Estava com 28 anos, vivia uma rotina de trabalho estressante, não me alimentava e nem dormia direito. Analgésicos faziam parte da minha vida diariamente. Sentia dor para tudo: sorrir, abaixar, pular, carregar algo pesado”, lembra. Izabella procurou uma neurologista e abandonou todos os analgésicos. “Não foi fácil, porque sentia abstinência e as dores. Estava no estágio mais avançado de dor que um paciente pode chegar e, com o tempo, fui me tornando mais tolerante.”

Cristina Horta/EM/D.A press
Izabella Gazzinelli Veloso, jornalista: "Com a sensação de ter herdado aquilo da minha mãe, tinha o hábito de me automedicar. Demorei muito para buscar ajuda" (foto: Cristina Horta/EM/D.A press)
Segundo Gustavo Lages, coordenador da Clínica de Dor do HC/UFMG e membro da equipe do Hospital Mater Dei, no caso das cefaleias, por exemplo, a automedicação pode, inclusive, piorar as dores. Há, inclusive, um tipo de cefaleia que é decorrente do abuso de analgésicos. “Quem tem dor de cabeça e não toma medicação para prevenir, e sempre que tem dor recorre a analgésicos, vai acentuar o quadro. E há outros riscos com a prática. Os anti-inflamatórios deveriam precisar de prescrição médica porque são analgésicos muito eficazes, mas causadores de vários efeitos colaterais, como a úlcera peptídica e mesmo a disfunção renal. Há muitos pacientes em hemodiálise por causa de nefropatia por anti-inflamatório e relaxantes musculares”, alerta. Nesse caso, a dor vira, dos problemas, o menor.

COMPLEMENTAR
Quando Izabella pensou ter resolvido o problema da automedicação, descobriu uma nova fonte de dor: a fibriomialgia. “A síndrome chegou de maneira inesperada. No início de 2015, comecei a sentir fortes dores pelo corpo. E não era uma dor qualquer. Às vezes, não conseguia levantar da cama, como se meus ossos estivessem quebrados. Passei por uma fila de médicos; fiz vários exames; tomei inúmeros remédios. Eram dias de desespero, outros de calmaria”, recorda-se. Mas o novo problema ensinou Izabella a enfrentar as dores com persistência. E a se beneficiar dos tratamentos complementares. “Pratico pilates para que a fibromialgia passe a ser invisível. Ele também ajuda na enxaqueca. Mesmo com dores, vou às aulas para fazer relaxamento, respirar melhor. O trabalho de consciência corporal é fundamental”, acredita.

O tratamento para a enxaqueca é tradicional. Izabella toma, diariamente, os remédios receitados pelo neurologista e, em momentos de dor, recorre a um anti-inflamatório, também prescrito. Para a fibromialgia, tem um medicamento sempre à mão, mas não precisa fazer um uso constante. Mas está preferindo contornar a dor com o pilates, exercícios e massagens. “A medicina está mais avançada, as terapias alternativas ajudam bastante. Aprendi que a dor é opcional e que você consegue controlar em muitos momentos. De que maneira? Mantendo uma rotina, praticando exercícios, buscando ajuda profissional. Parece clichê, mas viver um dia de cada vez, curtir os pequenos momentos diminuem as dores e faz um bem danado”, defende.

Apoio emocional Responsável pela reabilitação do Grupo de Dor do HC/FMUSP, Lin Tchia Yeng é uma entusiasta do enfrentamento multidisciplinar. Além do acompanhamento psicológico, defende os programas que ensinam autocuidados aos pacientes. Doutora em psicologia e organizadora do livro Psicologia da dor (Rocca), Andréa Portnoi vê na aceitação uma força para o enfrentamento do problema. “Quando o paciente aceita, sem necessariamente se resignar, ele assume a presença da dor e começa a enfrentá-la de inúmeras maneiras. “Se a dor é uma realidade, vou criar um jeito de fazer tudo o que eu gostaria, apesar dela”, explica. Mas nem sempre é fácil aceitar as privações.

Izabella, por exemplo, dorme o suficiente para não acordar cansada. “Procuro me alimentar com aquilo que não vai me causar indigestão porque qualquer mal-estar vai me provocar dor. Perfumes foram limados da minha vida. Passei anos sem ingerir bebida alcoólica e, hoje, me permito beber vinho ou cerveja. As dores aparecem e a gente passa a observar o próprio corpo. Quando sinto que não estou legal, que não dormi direito ou estou com um pequeno sinal de dor, deixo a cervejinha para outro momento. Não sou modelo ideal de vida saudável, mas sei que melhorei bastante e consegui contornar as dores que moravam em mim. Hoje, elas são visitas esporádicas que estão com os dias contados para nunca mais aparecerem”, diz.

Mas há dores e dores. Raiane Priscila de Souza Andrade, que tem síndrome dolorosa complexa regional, não conseguiu tamanha força. O tipo de dor que experimenta, também, é muitas vezes incapacitante. “Fiquei totalmente abalada pela dor. Sinto falta de poder sair, fazer as coisas que fazia antes, voltar a trabalhar. Fico ainda mais chateada por ter acontecido do nada. Já vi outras pessoas com a mesma doença, mas em decorrência de outro problema. Eu simplesmente acordei assim. Não conseguiram explicar meu caso”, lamenta Raiane, que ainda convive com a descrença ao tratamento. “Tomarei remédios para o resto da vida. Eles me deram alívio por um tempo, mas depois voltaram as dores”, comenta.

O preconceito é outro problema. O fato de a dor ser algo subjetivo, difícil de mensurar, colabora para a descrença até de familiares. Segundo Portnoi, há um descrédito social em relação à dor, fazendo com que, às vezes, ela se torne até um estigma. “Há uma ignorância da maioria das pessoas sobre a dor crônica. Na família o problema é ainda maior porque se sofre junto ao paciente. Quando um membro fica incapacitado pela dor, os demais ficam sobrecarregados. Uma coisa é a sociedade e o empregador lidar com a dor do outro, outra coisa é o cônjuge, o filho, os pais verem tamanho sofrimento e por ele serem afetados. Dor não é sinônimo de sofrimento. Eles andam juntos. A dor é inevitável quando é crônica, mas sofrer com ela é opcional. Essas pessoas precisam encontrar caminhos para resgatarem sua saúde física, mesmo com a dor”, defende.

Segundo Izabella, é inevitável não perceber o olhar de algumas pessoas, até mesmo de sua família, para a dor que sente. “A gente está acostumado a associar qualquer doença com algo mais 'sério' do que não conseguir levar seu cachorro para um simples passeio porque você não aguenta caminhar ou porque você não consegue ficar em algum lugar com muita luz ou barulho que sua cabeça vai começar a explodir em instantes. No meu caso, o olhar é de 'Nossa, mas você é tão jovem!' Um lamento por eu ter pouca idade e diagnósticos de doenças que fazem tão mal”, desabafa.