Exames de imagem mostram os efeitos únicos da voz materna no cérebro de bebês

A fala da mãe aciona o cérebro dos filhos de forma especial, estimulando também regiões ligadas às emoções e ao prazer, mostra estudo. A descoberta pode ajudar a identificar crianças com problemas de socialização e a entender melhor o autismo

por Roberta Machado 06/06/2016 15:00
CB/D.A Press
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Seja dando conselhos valiosos ou falando palavras de conforto, a voz materna sempre fala mais alto para os filhos. Essa forte ligação foi constatada em um novo estudo, que examinou a resposta do cérebro de crianças ao chamado da mãe. Por meio de um exame de imagem por ressonância magnética, pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA) descobriram que o timbre maternal afeta muitas outras regiões cerebrais além daquela envolvida com o estímulo auditivo comum. Para os cientistas, essa reação pode ser interpretada como um tipo de “impressão digital” das habilidades de comunicação, um fenômeno que pode revelar, ainda na infância, a predisposição de um indivíduo a desenvolver problemas de socialização e distúrbios neurológicos.Um artigo publicado ontem na revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas) descreve o trabalho científico. Os pesquisadores selecionaram 24 crianças entre 7 e 12 anos e pediram às mães delas que falassem uma série de palavras inventadas. A conversa sem significado tinha o objetivo de evitar a ativação de sistemas semânticos no cérebro, revelando unicamente a resposta dos pequenos às características vocais de suas mães. Como forma de comparação, os pequenos também ouviram o texto lido por outras duas mulheres que as quais não tinham qualquer relação.

O exame revelou que o cérebro das crianças demonstrava uma resposta específica à voz materna, que envolvia várias regiões neurais. Foi possível notar que o som, além do sulco temporal superior, relacionado ao reconhecimento de vozes, acionava também a amígdala, que processa sentimentos como o afeto. O efeito foi observado em 97% das vezes em que as crianças ouviam a voz materna, embora o estímulo durasse menos de um segundo. Quando as crianças ouviam as vozes de outras mulheres, no entanto, não havia a mesma reação.

Chupeta

Além dessas regiões, também surpreendeu a ativação do núcleo accumbens e do córtex orbitofrontal, que fazem parte do circuito que registra a recompensa (sensação de prazer) e que participam do aprendizado por reforço. O exame de imagem demonstrou, ainda, que o giro fusiforme, que está envolvido no processamento de rostos, também “acendia” ao chamado materno. O efeito integrado podia ser observado com a exposição a amostras sonoras de menos de um minuto, demonstrando a forte influência das crianças sob a voz da mãe.

“Não temos certeza de por que a voz das mães tem esse efeito único, mas temos a hipótese de que isso é devido ao fato de que elas, geralmente, contribuem muito para o aprendizado dos filhos sobre os mundos social, emocional e da linguagem”, afirma Daniel Abrams, pesquisador da Universidade de Stanford e principal autor do trabalho. “Além disso, ouvir a voz da mãe pode trazer grande conforto para as crianças, e nós acreditamos que os nossos resultados mostram o circuito cerebral que está por trás desse fenômeno”, acrescenta.

Os especialistas também não sabem estipular até quando a voz materna tem esse forte efeito, mas é certo que essa relação existe desde os primeiros dias de vida. Outro estudo com bebês recém-nascidos já havia demonstrado que os pequenos sugavam a chupeta com mais força quando ouviam suas mães, embora ainda fossem muito jovens para compreender o que elas diziam. “Mas ninguém realmente chegou a ver os circuitos do cérebro que poderiam estar envolvidos”, ressalta Vinod Menon, coautor do estudo divulgado ontem. “A dimensão das regiões que estavam envolvidas no processamento foi realmente surpreendente”, aponta o especialista.

Habilidade
Os cientistas também notaram que a reação não era exatamente a mesma para todas as crianças que participaram do experimento. Algumas pareciam registrar uma atividade mais intensa em resposta à voz materna, enquanto outras demonstravam uma atividade um pouco mais comedida ao exercício sonoro. Com isso, suspeitou-se de que essa variação poderia revelar algo importante sobre a personalidade das crianças, que foram, então, submetidas a testes de habilidades sociais. A análise mostrou que aquelas com a maior reação à voz da ma mãe tinham melhores habilidades de comunicação social.

O artigo ressalta que a simples reação cerebral não é suficiente para prever o nível comunicacional de cada criança. A chave, aponta o trabalho, está em analisar a reação coordenada entre as diferentes áreas do cérebro ao estímulo da voz materna. “Apesar de diferenças individuais proeminentes relacionadas à comunicação social, (a atividade do) sulco temporal superior relacionado à voz não demonstrou uma conectividade significantemente maior à voz das mães do que às vozes das outras mulheres”, ressaltam os cientistas. “Esses resultados sugerem que a atividade neural fortemente conectada ao sulco temporal superior e às regiões cerebrais envolvidas com os processos de recompensa e afetivo é específica às crianças com maiores habilidades de comunicação social”, aponta o trabalho.

Os pesquisadores acreditam que o estudo pode auxiliar na compreensão dos efeitos de uma estimulação vocal na formação infantil. Daniel Abrams aponta, por exemplo, que outros estudos demonstravam como a estimulação parental pode ser benéfica para o desenvolvimento de crianças. Uma pesquisa anterior citada pelo especialista comprovou, por exemplo, que crianças em idade pré-escolar encontram mais facilidade em superar situações estressantes apenas em ouvir a voz das mães, mesmo que ela não diga nada relevante para a situação. “Espera-se que os pais falem com seus filhos de forma favorável o quanto puderem e que os envolvam de forma a ajudá-los a alcançar o seu potencial”, sugere Abrams.

A reação das crianças à voz materna também pode ser estudada como um novo modelo neurobiológico para pesquisas que procuram desvendar o desenvolvimento social nos primeiros anos de vida, assim como distúrbios clínicos como o autismo. “Uma importante questão na pesquisa do autismo é compreender por que as crianças que estão no espectro costumam se ‘desligar’ dos sons de conversas e outros sinais sociais a que são expostas”, explica Abrams. “O presente trabalho nos fornece uma importante base para o estudo do circuito cerebral por trás da dificuldade envolvida na percepção da linguagem em crianças com autismo, e a sua relação com problemas sociais nessa população”, ressalta o pesquisador.