Falta de informação ainda impede sucesso da amamentação

O aleitamento, além de suprir todas as necessidades do bebê até os seis meses, fortalece o vínculo com a mãe. Os obstáculos são as falsas informações difundidas sobre a prática

por Revista do CB 05/05/2016 15:00
Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Renata Rodrigues e as filhas, Letícia e Luísa: a professora acreditava que o consumo de queijo aumentava o leite materno (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Defensor da amamentação, o Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, é o responsável pelo Manual do Aleitamento Materno, com recomendações sobre a prática. Segundo o organismo internacional, bebês amamentados imediatamente após o nascimento têm índice de morte neonatal até 22% menor do que os demais. Isso se deve ao contato com a mãe e à transmissão de anticorpos pelo leite, sempre benéfico à criança. “Não se usa o termo bom leite materno porque todo leite materno é bom”, explica Fábia Queiroga, pediatra e supervisora do Banco de Leite do Hospital Santa Lúcia. “O que a gente sempre gosta de falar para as mães é que, se ela quer amamentar e está com dificuldade, procure ajuda pra conseguir”, recomenda Miriam Santos, coordenadora do Banco de Leite da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

A professora Renata Rodrigues, 35 anos, cresceu ouvindo que leite e derivados, como queijo, ajudavam na produção do leite materno. Durante palestras nutricionais do pré-natal, porém, ela descobriu que não existe essa relação. Os dois partos dela foram em hospitais particulares, mas as melhores orientações sobre a amamentação foram encontradas em um banco de leite da rede pública de saúde. “As meninas (do Banco de Leite) são maravilhosas, dão apoio para a mãe. Você só sai de lá quando está craque. É um trabalho muito bonito”, elogia.

De fato, não existem evidências científicas de alimentos que incentivem o organismo a produzir mais leite. Segundo a pediatra Fábia Queiroga, o que algumas das comidas mais recomendadas (como a rapadura) proporcionam é um ânimo extra para a mulher, pois têm alto potencial energético. Para Miriam Santos, os “desejos” de grávidas são uma forma de manifestação do valor afetivo da comida. “Por trás de uma canjica, teve alguém que se preocupou comigo: teve alguém que fez, que levou pra mim. Isso se chama apoio, isso é o que uma mulher que amamenta necessita. O apoio pode vir de várias formas”, exemplifica.

A coordenadora conta que muitas mães chegam à equipe médica comunicando que vão interromper a amamentação porque é estressante, quando, na verdade, estão sobrecarregadas por terem que cuidar do novo bebê, da casa e de outros filhos. Isso explicaria o mito da cerveja preta como estímulo para a produção de leite. A bebida produz relaxamento e só — durante a gravidez, álcool é terminantemente proibido. Durante a amamentação, é fortemente contraindicado. Mas, se por acaso ocorrer a ingestão, que seja observado o período entre as mamadas, para que a substância seja degradada pelo organismo da mãe antes de chegar ao bebê.

É verdade que, em momentos de estresse, a produção de leite pode cair. Segundo Andreia Duarte, pediatra e coordenadora da UTI Neonatal do Hospital Pronto Norte, “quanto mais tranquila estiver a mulher, mais sucesso na amamentação”. Em tese, o próprio contato com o bebê seria reconfortante, já que há liberação de ocitocina, o hormônio do bem-estar. Mas o estresse pode atrapalhar tudo: sabe-se que ele inibe a ação da ocitocina e também a da prolactina, hormônio que estimula a liberação do leite.

A crença popular de que quanto mais o bebê suga, mais leite fica disponível é correta. Segundo Miriam Santos, do Banco de Leite da Secretaria de Saúde, o movimento de sucção feito pelo bebê na região da aréola envia para o organismo da mãe estímulos, embora a ordenha para doação também seja efetiva. Fábia Queiroga ressalta ainda a importância da hidratação durante o processo. “O que interfere diretamente na produção é ter alimentação adequada e tomar muito líquido — diuréticos, pelo contrário, acarretam queda no volume do leite”, explica. Não existe evidência de que mulheres que tenham sido bem amamentadas quando bebês produzam mais leite quando se tornam mães. Para Queiroga, o que pode acontecer é uma predisposição genética à maior produção, o que justificaria esse padrão familiar. Além disso, uma alimentação saudável convencional, com amplo leque de nutrientes, incluindo frutas e verduras, é suficiente para garantir saúde para mãe e bebê.

Normalmente, crianças saudáveis não precisam de complementação e as mães não têm baixa produção, mas dificuldade na técnica de amamentar. Durante a transição dos seis meses, em que o bebê passa a comer outros alimentos, pode ser necessário algum complemento. Para Fábia Queiroga, existem outras possibilidades, como aleitamento de irmãos gêmeos ou trigêmeos. “O principal parâmetro é o peso dos bebês, que pode estar baixo”, finaliza. O que pode desencadear cólica no bebê? Em princípio, não existem restrições alimentares fixas. “Na prática, tem algumas coisas que vemos que podem fazer mal, como comidas muito ácidas ou condimentadas”, diz. As xantinas, classificação à qual pertence a cafeína, são alguns dos compostos de alerta, já que são conhecidos por aumentar a atividade intestinal. Por isso, recomenda-se atenção com chocolate, chá preto e café. Outra possibilidade são as intolerâncias ou alergias alimentares, como a intolerância à lactose.

A professora Renata Rodrigues acredita que o fato de ter leve intolerância a lactose contribui para que o açúcar do leite ingerido vire uma toxina para as filhas, já que não é totalmente digerido pelo organismo. Segundo a professora, a primogênita Letícia, 5 anos, teve cólicas por causa da lactose e também pelo refrigerante, já que a alimentação durante a gravidez de Letícia não foi tão regrada quanto na gravidez de Luísa, de 2 meses. Miriam Santos explica que, salvo condições genéticas raras, a intolerância à lactose não é frequente em bebês. Como a lactase, enzima que digere esse açúcar, é mais abundante nos primeiros meses de vida, a intolerância costuma aparecer com a aproximação da vida adulta. O que pode ocorrer é a alergia à proteína do leite de vaca, a caseína. Cada bebê deve ser analisado individualmente e as dietas restritivas de leite só devem ser adotadas pelo profissional após indícios claros de cólica.