Pesquisa reforça benefícios do vinho para a saúde cardiovascular

O resveratrol parece ser o grande responsável entre a associação do vinho com a redução do risco de doenças cardíacas

por Correio Braziliense 29/04/2016 15:00
José Varella / CB / D.A Press
(foto: José Varella / CB / D.A Press)
O paradoxo francês é uma expressão disseminada entre nutricionistas para descrever a contradição entre a boa saúde cardiovascular da população do país europeu e a sua gastronomia rica em gorduras e açúcares. Um dos elementos que não falta na dieta deles é o vinho, usado tanto na preparação de alimentos quanto para acompanhá-los. Agora, cientistas da China dão os primeiros passos a fim de mostrar que essa bebida alcoólica exerce papel-chave além das refeições. Um composto encontrado nela, o resveratrol, parece ser o grande responsável entre a associação do vinho com a redução do risco de doenças cardíacas, acreditam pesquisadores da Third Military Medical University (TMMU), na cidade de Chongqing.

No estudo publicado recentemente na revista mBio, organizada pela Sociedade Americana de Microbiologia, os investigadores realizaram uma série de experimentos em ratos para determinar os efeitos protetores do resveratrol contra a aterosclerose (o acúmulo de placas de gordura nas paredes das artérias) e descobriram que o mecanismo estava relacionado a mudanças no microbioma intestinal, o ecossistema formado pelos micro-organismos que habitam o sistema gástrico das cobaias.

Nos últimos anos, pesquisadores descobriram que os diversos organismos que moram no intestino dos homens desempenham um papel importante na acumulação de placas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL), também conhecidas como colesterol ruim, dentro das artérias. Apesar de o resveratrol já ser conhecido pelas propriedades antioxidantes, o modo que ele age no sistema gástrico é um mistério. A partir do experimento chinês, descobriu-se que esse composto inibe a produção da trimetilamina (TMA) pelas bactérias intestinais. A TMA é necessária para a produção de N-óxido de trimetilamina (TMAO), componente conhecido na literatura médica por colaborar com o desenvolvimento das placas de colesterol.

“Nossos resultados oferecem novos insights sobre os mecanismos responsáveis por efeitos anti-aterosclerose do resveratrol e indicam que o microbioma intestinal pode se tornar um alvo interessante para intervenções farmacológicas ou dietéticas a fim de diminuir o risco de desenvolver doenças cardiovasculares”, disse Man-tian Mi, principal autor do estudo e pesquisador do Centro de Pesquisa em Nutrição e Segurança Alimentar do Instituto de Medicina Preventiva Militar da TMMU.

“A grande novidade desse trabalho é demonstrar como o resveratrol age na flora intestinal. Esse composto, assim como outros polifenóis, diminui as placas formadas pelo colesterol nos vasos sanguíneos, impedindo a inflamação de veias e artérias, que, muitas vezes, pode levar ao rompimento desses vasos”, complementa Marcus Bolivar Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Os pesquisadores pretendem replicar em humanos os testes realizados com roedores e chamam a atenção para o fato de que esse polifenol natural não tem efeitos colaterais. Malachias, porém, sugere cautela. “Existem muitos outros fatores, como a hipertensão e a predisposição genética, que estão envolvidos no surgimento de um quadro de aterosclerose e não estão necessariamente ligados à biota intestinal”, justificou o médico brasileiro.

Suplemento
O resveratrol também pode ajudar indiretamente o coração. Ele potencializa os efeitos das atividades físicas, segundo pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá. Os cientistas submeteram dois grupos de ratos a exercícios, sendo que um deles recebeu suplemento do polifenol. Depois de 12 meses de testes, os roedores que ingeriram o composto apresentaram um rendimento melhor em relação àqueles que somente se exercitaram.

“Ficamos animados quando vimos que o resveratrol apresentou resultados semelhantes aos obtidos por meio de treinos intensos de resistência. Vimos imediatamente o potencial desses benefícios e acreditamos ter descoberto uma forma de ampliar os efeitos da atividade física com uma pílula do composto”, explicou Jason Dyck, coordenador do projeto.

O artigo publicado no periódico Journal of Physiology, editado pela instituição inglesa The Physiological Society, explica que o composto serve como tonificante devido a sua ação antioxidante. Mas é necessário parcimônia, ressalta Dyck: “Para obter a mesma quantidade que estamos dando aos roedores, a pessoa teria de beber de 100 a mil garrafas por dia”, explicou.

Integrante do Núcleo de Cardiologia do Hospital Samaritano de São Paulo, Gustavo Trindade também recomenda cautela: “Apesar de existirem muitos estudos sobre a ação do resveratrol, é necessário ter cuidado. Não existe uma prova cabal de seus efeitos e suas propriedades. São experimentos que mostram possíveis relações. Nós não podemos receitar para uma pessoa que passe a beber vinho ou suco de uva, seja para evitar a aterosclerose seja para melhorar seu condicionamento físico, porque não sabemos qual dose seria a melhor para um ser humano”.

Droga dissolve o colesterol
Um composto utilizado na fabricação de medicamentos para que eles sejam dissolvidos mais facilmente no corpo pode ser uma nova solução para reduzir placas de gordura nos vasos sanguíneos. A partir de um experimento realizado com ratos, verificou-se que a ciclodextrina, encontrada em vegetais ricos em carboidratos, poderá ser utilizada no combate à aterosclerose. Publicado recentemente na revista Science Translational Medicine, o estudo foi encabeçado pela Universidade de Bonn, na Alemanha, e contou com colaboradores de universidades e hospitais norte-americanos.

A obstrução do sistema circulatório devido à grande concentração de lipídios é uma das causas mais comuns de ataques cardíacos, acidente vascular cerebral, entre outras doenças cardiovasculares, que são a principal causa de morte no mundo. A estimativa é de que, por ano, o infarto do miocárdio responda por 29,4% de todas as mortes registradas no país. Porém, os tratamentos atuais, como drogas para baixar o colesterol, só funcionam em alguns pacientes. Cientistas de diversos centros de pesquisa buscam soluções mais eficazes para essa limitação clínica.

Em testes em camundongos com aterosclerose, a ciclodextrina conseguiu dissolver parte do colesterol e reduziu em até 45% as placas de lipídios nas artérias, mesmo quando os animais foram alimentados com uma dieta rica em gordura. A experiência revelou que o composto ativa o gene LXR no fígado, aumentando capacidade de ação dos macrófagos, responsáveis por destruir elementos estranhos ao corpo. Essas células do sistema imunológico também devoram o colesterol e o devolvem ao fígado, onde ele pode ser transformado em bile e escoltado para fora do corpo nas fezes.

Cautela
Apesar de a substância já ser utilizada em larga escala pela indústria farmacêutica, os pesquisadores são cautelosos quanto à utilização dela contra a aterosclerose. “No geral, parece valer a pena explorar a ciclodextrina de forma terapêutica, embora muito cuidado deva ser tomado. Ela é potencialmente boa, pois combina a redução do colesterol no sangue com a dissolução do colesterol pré-formado em placas, mas essa opção ainda precisa ser explorada em ensaios clínicos”, defendeu Elena Aikawa, bióloga vascular do Hospital da Mulher em Boston.

Outro dificultador é que a ciclodextrina não é um composto patenteável. Por isso, há poucas empresas farmacêuticas que queiram patrocinar estudos clínicos necessários para o novo uso clínico do composto, segundo Aikawa, mesma com a Food and DrugDrug Administration (FDA), órgão governamental dos Estados Unidos responsável pelo controle de medicamentos, autorizando novas aplicações.