Pessoas podem desenvolver emoções em relação a máquinas e empresas investem cada vez mais nesse segmento

Para alguns especialistas, esse fato estimula a inserção de androides no dia a dia, mas outros temem prejuízos na qualidade das relações humanas

por Paloma Oliveto 20/04/2016 15:00
Toshifumi Kitamura / AFP
Crianças se divertem com robô em feira tecnológica do Japão: empresas investem em máquinas de companhia para idosos, doentes e outros públicos (foto: Toshifumi Kitamura / AFP )
Pigmaleão era um escultor grego que, decepcionado com o comportamento das cipriotas, resolveu, ele mesmo, esculpir a mulher ideal. De um bloco de marfim trabalhado por seu cinzel, nasceu a mais perfeita das criaturas aos olhos do amargo artista. Encantado, ele encheu a estátua de presentes, carinhos, beijos, abraços. O amor de Pigmaleão pelo objeto inanimado comoveu a deusa Afrodite, que concedeu vida à obra. No poema de Ovídio, eles se casaram e até tiveram uma filha. Em algumas reinterpretações, porém, a estátua, batizada de Galeteia, desagrada da nova condição e retorna ao estado original.

O mito grego, que, por sua vez, é inspirado em um conto fenício, tem sido usado ao longo do tempo para ilustrar as idealizações e expectativas criadas sobre a realidade. Vez por outra, a história também é lembrada como exemplo da relação empática do homem com objetos semelhantes a ele, mas que carecem de vida. De certa forma, Galeteia é um dos mais antigos robôs da ficção.

Com o aprimoramento dos sistemas de inteligência artificial, as máquinas que os utilizam se tornaram indispensáveis no dia a dia. Se ainda não existem androides enfermeiros, cozinheiros, faxineiros etc. (algo, contudo, esperado para um futuro não tão distante), é fato que não se vive mais sem o GPS que conversa com o motorista, o celular que faz reconhecimento de voz e responde a diversas perguntas ou os algoritmos que sugerem filmes e livros na internet, baseados no gosto de cada usuário.

Quando se junta a robótica à inteligência artificial, surgem as Galeteias modernas — objetos parecidos com humanos ou animais, que ajudam a executar tarefas, como limpar a casa ou ministrar remédios para idosos; podem ser utilizados em funções educativas e, segundo alguns desenvolvedores, também fazer companhia. Como os humanos vão reagir a eles ainda é uma dúvida. Em 2012, um estudo conduzido na União Europeia mostrou que 60% dos cidadãos do continente não querem robôs cuidando de crianças, idosos e doentes. “A grande maioria disse que eles deveriam ser banidos de áreas tipicamente humanas, como educação, saúde e lazer”, conta a especialista em robótica Angelica Lim, pesquisadora da Universidade de Kioto, no Japão.

Universiade Toyohashi / Divulgação
Homem e androide prestes a se "ferirem": as duas cenas causam desconforto semelhante nas pessoas (foto: Universiade Toyohashi / Divulgação)


Experimentos recentes, porém, indicam que, ainda de forma primitiva, a tendência do homem é ser empático em relação às máquinas pensantes quando elas são moldadas para exibir aparência e comportamentos tipicamente humanos. Essa relação é essencial para que, no futuro, o mundo possa usufruir das múltiplas possibilidades da robótica, defende Lim, que, entre outros projetos, desenvolveu robôs que sabem cozinhar, tocar instrumentos, fazer busca e reconhecimento e até demonstrar algumas emoções eventualmente. “Está em andamento o desenvolvimento de uma nova classe de robôs de serviço que têm o potencial de mudar as vidas de crianças, idosos, deficientes, estudantes e muito mais. Para que sejam aceitos no dia a dia como nossos ajudantes, temos de fazer com que deixem de ser apenas máquinas lógicas e torná-las mais emocionais e empáticas para interagir com os humanos”, observa.

Resposta emocional
Foi o que fizeram estudantes de pós-doutorado da Universidade de Stanford. Na semana passada, eles apresentaram na Conferência Anual da Associação Internacional de Comunicação em Fukoka, no Japão, o resultado de um teste que sugeriu a capacidade dos robôs de despertarem respostas emocionais em seres humanos. O experimento consistia em pedir a voluntários para tocar em 13 partes do corpo de um robô do modelo NAO, que tem formato humanoide e, embora não seja provido de inteligência artificial, possui sensores muito precisos e consegue reproduzir o comportamento humano, quando programado para isso.

Para medir a reação dos participantes, foram colocados sensores que detectavam alterações fisiológicas nos dedos da mão não dominante deles. O próprio robô se apresentava e instruía verbalmente os voluntários para tocarem em algumas partes de seu corpo. Tudo corria bem quando ele indicava áreas como mão, braço, testa e pescoço. Mas, ao pedir para ser apalpado em locais como nádegas e genitália, o robô despertava reações fisiológicas mais intensas, medidas pelo sensor. “Claramente, as pessoas se sentiam desconfortáveis e relutavam a tocar nessas áreas”, conta Jamy Li, especialista em interação de homens e androides e principal autor do estudo.

Li explica que essas respostas orgânicas e inconscientes justificam-se pela tendência de o ser humano identificar como igual aquilo que se parece com ele. “Nós não fomos moldados para diferenciar um aparato tecnológico de um homem. Consequentemente, robôs que se movimentam, falam e interagem socialmente despertam nos humanos respostas fisiológicas primitivas, como se fossem pessoas de verdade”, diz. “O robô que usamos falava com as pessoas, tinha gestos humanos e membros humanos. Acredito que, para despertar as alterações fisiológicas como as vistas no nosso estudo, um robô tem de ter o mínimo de semelhança com uma pessoa”, destaca.

Divulgação
C3PO e R2D2: os androides famosos da saga Star Wars (foto: Divulgação )

Engano
Na mesma linha do estudo de Stanford, uma pesquisa divulgada em novembro passado pela Universidade Tecnológica Toyohashi e a Universidade de Kioto demostrou que um robô humanoide desperta a empatia das pessoas. Nesse caso, os cientistas investigaram se uma situação aparentemente dolorosa em um robô estimularia respostas cerebrais nos humanos. Eles fizeram um eletroencefalograma em 15 voluntários saudáveis que observavam fotografias tanto de uma mão humana quanto de uma robótica em situações como um dedo sendo cortado por uma faca. A atividade do cérebro dos voluntários foi semelhante, sugerindo que as pessoas tinham empatia com robôs humanoides tanto quanto com humanos.

Embora esses estudos tenham como objetivo desenvolver robôs de serviço com os quais as pessoas se sintam confortáveis, eles têm levantado preocupação de pensadores sobre as questões éticas da relação entre homem e androide. O especialista em robótica Hiroshi G. Okuno, da Universidade de Kioto, explica que um dos desafios no desenvolvimento das máquinas com inteligência artificial é a falta de autenticidade das “emoções” que algumas são programadas para exibir. “Por exemplo, se um robô demonstra tristeza em resposta a seu luto, ele realmente se sente triste? Existe uma preocupação de que robôs de companhia para crianças e idosos, por exemplo, acabem ‘enganando’ seus donos, porque eles aparentam ter relações afetivas, mas essas não são autênticas, pois robôs não têm sentimentos”, diz.

Sexo
Com o aperfeiçoamento dos robôs humanoides, já tem gente defendendo que, em breve, eles farão companhia sexual para os humanos. O futurólogo inglês Ian Pearsen chegou a afirmar à mídia britânica que os encontros não serão casuais: homens e robôs poderão, de fato, se apaixonar. Empresas estão, inclusive, investindo em “robot sex dolls”, que serão vendidos em sex shops, informou o jornal The Sun. O assunto é sério e motivou a criação de uma campanha contra o uso de robôs no sexo. Existe até um site, o https://campaignagainstsexrobots.org, no qual a antropóloga Katheleen Richardson discute
a (falta de) ética associada à prática.

O preço das interações artificiais
Uma das maiores críticas da tecnologia da era moderna, a cientista social Sherry Turkle, da Universidade de Harvard, defende que é preciso reexaminar a relação homem-máquina antes que ela se torne demasiadamente estreita. “A ideia de termos uma companhia artificial se tornou normal. Crianças brincam com pets robóticos, tornam-se aliadas de personagens de games. Eu acho que essa ‘normalidade’ vem com um preço. Para que a ideia de companhia artificial se torne realmente normal, temos de mudar nós mesmos, refazendo valores e conexões humanas”, discursou no encontro da Academia Americana para o Avanço da Ciência alguns anos atrás.

Autora de livros como o best-seller americano Alone together (Sozinhos juntos, tradução literal), nos quais questiona o papel da tecnologia na vida social, Turkle vem estudando essa relação desde a década de 1980. Nas palestras que costuma fazer em encontros científicos e de pensadores, ela diz que, até 20, 30 anos atrás, as pessoas apreciavam aparatos eletrônicos sem, contudo, atribuir a eles funções emotivas humanas. Contudo, já no fim de 1990, o lançamento de brinquedos como o Tamagotchi e o cachorro-robô Aibo, que exigem “cuidados” diários de seus donos, começou a desafiar essa lógica. Segundo a cientista social, muitos preferem seus animais de mentira, que interagem e não sujam a casa, não adoecem e jamais morrem.

Foca companheira
Em uma recente apresentação no evento TED, Turkle exemplificou o caso do robô Paro, uma foca bebê que tem sido usada para fazer companhia a idosos com demência ou depressão. “Estamos mostrando muito pouco interesse no que nossos velhos têm a dizer. Estamos construindo máquinas que vão fazer suas histórias entrarem por ouvidos mortos”, criticou. “Sobre o que falamos quando debatemos sobre robôs? Estamos falando sobre o medo que temos uns dos outros. Nossos desapontamentos com os outros. Nossa falta de comunidade, nossa falta de tempo”, acredita a especialista de Harvard.

Para Angelica Lim, a preocupação é exagerada. Apaixonada por robôs desde a infância, a desenvolvedora de softwares de inteligência artificial para androides da Aldebaran Robotics diz que a ideia de inserir máquinas humanoides no cotidiano visa apenas a facilitar a vida moderna.

“Mas elas nunca vão substituir as pessoas, não é isso. Por mais que fiquem parecidos com humanos, nós, no fim, sabemos que são máquinas. Essa experiência de tocar as partes íntimas do robô, por exemplo. No começo, os voluntários podem até sentir desconforto. Mas tenho certeza de que, com o tempo, vão tocar as nádegas do robô com a maior naturalidade. Porque ele não é uma pessoa, ele é uma máquina.”