Fundação elabora recomendações para aumentar vacinação de adultos e idosos

Segundo especialistas, a cobertura brasileira é referência, mas o público-alvo precisa ser mais bem informado sobre as opções disponíveis

por Isabela de Oliveira 08/04/2016 15:00
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Nem as mães nem os pediatras abrem mão: a rotina de vacinas do bebê começa pontualmente no primeiro mês após o nascimento. Gotinhas e injeções garantem que, para a maioria das crianças, doenças como varíola e poliomielite fiquem no passado. O tempo avança, o pediatra é dispensado, os cuidados maternos deixam de ser tão necessários, despontam os fios brancos e o geriatra se encarrega da qualidade dos anos restantes. Nessa etapa da vida, porém, a imunização costuma ser negligenciada. O que é um erro enorme, alertam especialistas. Afinal, doenças infecciosas estão entre as principais causas de morbidade (incidência de doenças) e mortalidade na América Latina.

Em resposta ao problema, a Fundação Saúde das Américas (FSA) elaborou recomendações para melhorar a cobertura vacinal na área. Entre as medidas, está a inclusão, no mínimo, da imunização para sarampo, influenza, pneumococo, tétano, difteria e coqueluche. Governos e cidadãos devem se empenhar em oferecer e exigir vacinação gratuita aos grupos de alto risco, como gestantes, imunocomprometidos e trabalhadores idosos, além de profissionais de saúde, defende a fundação. Se disponibilizá-las gratuitamente for impossível, deve-se providenciar, pelo menos, informação acessível. Inclusive para analfabetos.

Nesse contexto de proteção dificultada, o Brasil é exceção, avalia João Bastos Freire Neto, geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Principalmente pela existência do Sistema Único de Saúde (SUS) e de um calendário vacinal. “Temos, inclusive, um plano de vacinação específico para o idoso, que pode ser imunizado contra influenza, entre outras infecções gratuitamente. Essa vacina, assim como a de pneumonia, é acessível a toda população-alvo”, conta o médico. “Na realidade, o cenário brasileiro, pelo menos no que diz respeito à imunização, é um dos melhores do mundo. Ele data do governo militar e, desde então, tem sido aprimorado. Nem mesmo os Estados Unidos possuem a cobertura vacinal que temos aqui”, completa Luiz Vicente Rizzo, membro e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).

Falha médica
O geriatra exerce papel fundamental na cobertura vacinal dos cidadãos. E, no caso do Brasil, esse quesito é ao menos falho, avalia Bastos. “Superamos muitos dos problemas, mas considero como ponto crítico a falta de informação sobre a necessidade de vacinar adultos e idosos, e não somente crianças. Essa consciência não foi semeada com firmeza”, justifica. Não é apenas a população que desconhece a importância da imunização dos mais velhos, mas também os profissionais de saúde, que evitam prescrever a vacina temendo uma interação negativa com comorbidades e medicamentos utilizados por idosos, diz o geriatra.

A realidade, porém, é bem diferente. Os meses de pico de mortalidade por doenças respiratória e cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) e diabetes em adultos com 70 anos ou mais coincidem com as epidemias de gripe anuais. Pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças em Atlanta (EUA)  avaliaram a influência da vacinação em 286.383 adultos.

A pesquisa, publicada em 2003 no New England Journal of Medicine, indica que, entre 1998 e 1999, o procedimento reduziu em 19% o risco de hospitalização por doença cardíaca e em 16% para internação por AVC. Houve também queda de 32% nos casos de pneumonia e influenza. É claro que existem situações em que a vacinação não é recomendada, como quadros febris não diagnosticados. No entanto, as restrições absolutas são mínimas, sendo, de forma geral, uma alergia a algum componente da vacina.

Proteção reduz riscos em até 80%
Muitos idosos e até médicos desconsideram o valor das vacinas por elas não oferecerem proteção tão efetiva quanto as oferecidas às crianças. E isso realmente ocorre, diz a pesquisadora Paola Italiani, do Instituto de Tecnologias Biomédicas da Itália. Segundo ela, o sistema imune dos idosos é particularmente suscetível a doenças infecciosas e exibe resposta reduzida à imunização. “Além disso, vacinas atuais, projetadas para indivíduos mais jovens, podem ser menos protetoras para eles. A população mundial está envelhecendo rapidamente e, consequentemente, a prevenção de doenças infecciosas em idosos se tornou uma importante questão de saúde pública. Para esse fim, é necessário o desenvolvimento de vacinas especialmente adequadas para gerar imunidade protetora no envelhecimento.”

Abordagens nesse sentido, ela cita, incluem medidas que já existem, como vacinas de alta dose, de reforço, diferentes vias de imunização e o uso de novos compostos. João Bastos Freire Neto, geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), garante que, ainda que não ofereçam 100% de proteção, as vacinas reduzem o risco em até 80%. “É uma taxa relevante, pois um idoso, se internando por doenças preveníveis, gera um custo grande para a sociedade e para ele próprio. E mais: se ele toma a vacina contra a gripe, mas fica gripado, pode ter certeza de que a doença não o afetou com toda a força que afetaria caso não estivesse protegido.”

O recado é especialmente válido para mulheres, embora a vacinação deva ser adotada por ambos os sexos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a morbidade e a mortalidade de gripe sazonais e surtos são piores para elas. As mulheres também apresentam respostas maiores de anticorpos e efeitos secundários mais graves, uma constatação científica que deve ser incorporada à elaboração de orientações para a vacinação em todo o mundo. A população feminina com mais de 65 anos é de quatro a três vezes maior que a de homens. Aos 80 anos, elas são até duas vezes populosas, aponta a agência de saúde das Nações Unidas.

O infectologista Luiz Vicente Rizzo observa que, para a realidade brasileira, outra medida deve ser cogitada: estudar quanto tempo dura a memória das imunizações. “Hoje, a maioria das pessoas toma vacinas quando crianças e, ao longo da vida, não tem contato com infecções nativas que, antigamente, ajudavam o corpo a relembrar a doença, oferecendo um reforço natural para a imunidade. Precisamos entender melhor o tempo que permanecemos protegidos”, explica o também diretor de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein.


Diálogo com o geriatra
“Devemos falar também do reforço de vacinas, por exemplo a da coqueluche, que é uma doença emergente no mundo. Quem transmite essa doença para as crianças são os pais, os avós e as babás. Por isso, todos devem estar vacinados com a tríplice bactéria. Na minha opinião, na hora de fazer o checape, é interessante que a pessoa converse com o médico sobre as vacinas, se elas estão em dia e onde pode obtê-las. Isso diminuiria a quantidade de internações. Ao serem consultados sobre o interesse em vacinação, os pacientes que nos procuram dizem que nunca conversaram sobre isso com os seus médicos. Faltam informações básicas. Geriatras deviam ser, nesse ponto, mais parecidos com pediatras.”

Ana Rosa dos Santos, infectologista e gerente médica do Sabinvacinas