Pesquisa mostra que a expressão facial de discordância é a mesma em várias partes do mundo

Constatação evidencia que a linguagem se desenvolveu a partir da demonstração de emoções

por Correio Braziliense 04/04/2016 15:00
Divulgação
O estudo reuniu falantes de inglês, espanhol, mandarim e usuários da língua de sinais: testa franzida, lábios cerrados e queixo erguido para discordar (foto: Divulgação)
Não importa se seu conhecimento sobre línguas estrangeiras for nulo. Em qualquer lugar do mundo, deixar claro que você não concorda com uma situação é simples: basta franzir a testa, pressionar os lábios e levantar o queixo. Segundo um estudo publicado na revista especializada Cognition, essa combinação de gestos faciais tem um significado muito parecido nas mais variadas culturas, a ponto de ser possível considerá-la uma sinalização universal de opinião negativa, equivalente a dizer “não concordo”.

Agora, especialistas da Universidade Estadual de Ohio acrescentam novas informações a esse campo ao estudar o que eles chamam de not face (“face do não”, em inglês). “Pelo que sabemos, essa é a primeira evidência de que as expressões faciais que usamos para comunicar julgamentos morais negativos foram compostos em uma única, universal, parte da linguagem”, afirma, em um comunicado, Alex Martinez, cientista cognitivo e professor de engenharia computacional da instituição norte-americana.

Os pesquisadores procuravam por “marcadores gramaticais faciais”, uma expressão que determina a função gramatical de uma frase. Por exemplo, a sentença “Eu não vou à festa” contém o marcador de negação “não”. Sem ele, o sentido do que foi dito muda completamente. Se esse sinalizador fosse universal, imaginavam os cientistas, todas as pessoas adotariam a mesma expressão facial quando o usassem, independentemente da língua usada.

O estudo contou com a participação de 158 estudantes da universidade que representavam uma variedade ampla de estruturas gramaticais. No grupo, havia pessoas alfabetizadas em inglês, espanhol, mandarim e a língua de sinais americana (usada por surdos nos Estados Unidos). Os voluntários foram filmados enquanto conversavam com um pesquisador em sua língua nativa. Eles podiam ler algumas frases previamente selecionadas pelos cientistas ou responder a indagações como: “Para mim, o valor da mensalidade deveria aumentar 30%, o que você acha?”.

Depois, com a ajuda de um programa de computador, o movimento do rosto dos voluntários foi, então, analisado quadro a quadro para que se anotasse a direção de movimento de cada músculo durante as falas. No processo, a combinação de testa franzida, lábios selados e queixo levantado revelou-se como um equivalente gestual do não em todos os grupos de alunos. O software também comparou o tempo que os estudantes levavam para realizar o movimento, mostrando que esse intervalo também foi próximo em todos os participantes, seguindo o ritmo de fala de cada língua.

“Essa expressão facial não só existe, como, em algumas circunstâncias, ela é o único marcador de negativa em uma sentença”, diz Martinez. “Às vezes, a única forma de você dizer que o significado de uma frase é negativo é pelo uso da face do não pela pessoa”, completa. Entre os usuários da língua de sinais, a importância dessa expressão fica ainda mais evidente: em alguns casos, ela foi a única manifestação dada como resposta para uma sentença com a qual os voluntários surdos discordavam.

Darwin
Há décadas, cientistas investigam a universalidade das expressões faciais em humanos — o psicólogo americano Paul Ekman deu grande impulso à área nos anos 1960 com uma série de estudos transculturais. A semelhança dos gestos em diferentes povos, acreditam cientistas dedicados a esse campo, indica que essa forma de comunicação tem um componente evolutivo, tendo sido herdado dos ancestrais do homem. No entanto, ao mesmo tempo, algumas análises apontam que algumas reações têm diferentes leituras em sociedades distintas, o que indica uma influência cultural.

O estudo americano focou expressões que transmitem sentimentos negativos com base em uma hipótese levantada por Charles Darwin, para quem a habilidade de comunicar perigo ou agressividade foi fundamental para que os humanos sobrevivessem antes de ganharem a habilidade de falar. “De onde veio da linguagem? Essa é uma questão que a comunidade científica tenta há muito tempo responder. Esse estudo sugere fortemente uma ligação entre língua e a expressão das emoções pela face”, afirma Martinez.

Para esse primeiro experimento, a habilidade do programa de computador foi avaliada por meio de uma comparação com uma análise realizada pelos próprios pesquisadores, o que exigiu um trabalho exaustivo para toda a equipe. Agora que o grupo sabe que a ferramenta é confiável, espera ampliar a pesquisa para descobrir outras expressões universais, usando inclusive vídeos disponíveis no YouTube. “É um trabalho para décadas. Muitas expressões não são tão evidentes quanto a face do não”, diz o autor.