Cientistas detectam região cerebral que é considerada o ponto inicial do Alzheimer

A descoberta, segundo eles, ajudará no desenvolvimento de novas terapias contra a demência

por Isabela de Oliveira 29/02/2016 15:00
Arte: CB / D.A Press
O sistema locus ceruleus (LC) é do tamanho de um grão de arroz, mas é a estrutura cerebral de maior densidade de neurônios noradrenérgicos (foto: Arte: CB / D.A Press)
As pesquisas sobre o envelhecimento cognitivo concentram-se na forma como o declínio nas funções de regiões cerebrais influencia o raciocínio. Uma das mais recentes destaca o papel do sistema locus ceruleus (LC) nas condições cognitivas da velhice. Publicada na revista Trends in Cognitive Sciences, uma revisão de literatura conduzida por pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia (USC) revela que essa região crítica e vulnerável pode ser o primeiro local afetado pela forma tardia da doença de Alzheimer (DA). Os autores acrescentam que é possível que o LC seja mais importante na manutenção cognitiva durante a velhice do que se estima hoje.

A partir da investigação de estudos anteriores, o grupo liderado por Mara Mather oferece novas reflexões sobre alterações relacionadas ao envelhecimento em um neuromodulador chamado norepinefrina (NE). Conhecido pelo papel na excitação comportamental, no controle da frequência cardíaca e na pressão arterial, essa substância também regula a memória, a atenção e a cognição. Experimentos feitos com ratos mostraram que, quando liberado no LC, o NE protege os neurônios de fatores que matam as células e aceleram o Alzheimer, como a inflamação e a estimulação excessiva de outros neurotransmissores — substâncias químicas produzidas pelos neurônios.

Do tamanho de um grão de arroz, o LC é a estrutura cerebral de maior densidade de neurônios noradrenérgicos — que interagem com a norepinefrina e outros neurotransmissores — e parece ser a primeira região em que surge o Alzheimer. Isso porque, diz Mather, a patologia tau — caracterizada por emaranhados de proteína encontrados em neurônios que sofrem a degeneração — se manifesta primeiro nessa região da cabeça. Embora nem todas as pessoas com esse acúmulo desenvolvam o tipo mais comum de demência, os resultados da autópsia indicam que quase todos os adultos têm indicações iniciais da patologia no LC.

“Durante muito tempo, falou-se que o Alzheimer começava no córtex entorrinal, área do hipocampo mediada por neurônios que trabalham com a acetilcolina, substância relacionada ao funcionamento da memória. O que esse estudo mostra é que surge antes no LC. Quando os pesquisadores analisaram pesquisas com autópsias, constataram que jovens de 20 anos já apresentam anomalias nessa área, e apenas nela. Aos 40 anos, 100% das pessoas apresentavam algum grau de patologia”, esclarece o geriatra Otávio Castello, diretor do Departamento Científico da Associação Brasileira de Alzheimer, regional Distrito Federal.

O achado também explica por que uma classe mais moderna de antidepressivos que atua nos noradrenérgicos oferece melhorias na memória e como esses medicamentos podem ter efeitos mais relevantes em pacientes com Alzheimer que os tradicionais. “Hoje, a maioria dos remédios para DA trabalha nas vias de acetilcolina. Até aqui, os médicos diziam que o problema era nessa substância, e isso é uma verdade, mas não completa: há problema também na noradrenalina. Isso significa que novos estudos de tratamentos podem ter como alvo regiões que não são tradicionalmente contempladas — o que, na prática, já está sendo feito. Esse estudo reforça essa percepção”, acrescenta Castello.

Reserva cognitiva
Os noradrenérgicos são liberados durante atividades mentais desafiantes, como aprender uma língua. “Educação e carreiras estimulantes promovem a reserva cognitiva, ou seja, o desempenho eficaz do cérebro durante o envelhecimento, apesar da invasão da patologia tau”, alerta Mather. “A ativação do sistema LC-NE pela novidade e pelo desafio mental ao longo da vida pode contribuir para essa reserva.”

Bruna Mendonça Lima, neurologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, considera estudos como o norte-americano interessantes porque, apesar de não baterem o martelo, oferecem observações relevantes para o desenvolvimento de medicamentos e até mesmo exames que sejam preditores da doença. “Poderíamos, a partir desse conhecimento, desenvolver formas de diagnóstico precoce. Hoje, só podemos dizer se uma pessoa tem Alzheimer tardio quando ela já apresenta os sintomas”, opina a também membro da Academia Brasileira de Neurologia.

Essa realidade, contudo, é distante, na visão de Cláudio Roberto Carneiro, coordenador de Neurologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília. “Tudo é muito teórico. A gente já sabia dessa região e, agora, viram que ela sofre antes com a patologia. Embora seja relevante, tem pouco significado para a prática clínica hoje. Por enquanto, o trabalho oferece apenas perspectivas. As pessoas não devem se preocupar tanto, pois todos têm emaranhados de tau nessa área, mas nem todos terão Alzheimer. Precisamos de mais estudos para ter algo concreto com que trabalhar”, pontua.