De volta ao treino: exercícios físicos depois das férias devem ser retomados com calma

Se possível, faça uma avaliação médica para evitar excessos e lesões

por Carolina Cotta 01/02/2016 09:30
Jair Amaral/EM/D.A Press
Henrique Costa Ferreira diz que tenta manter o ritmo durante a pausa, fazendo uma leve caminhada (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Passadas as férias de janeiro, muita gente calça de novo o tênis e volta para o treino. Para quem prometeu começar o ano mais cuidadoso com a saúde, essa também é uma temporada de retorno à atividade física. Pausas maiores ou menores influem de forma diferente, mas sempre interferem. É preciso, então, saber voltar. Segundo Marconi Gomes, médico do esporte e cardiologista, o professor de educação física é o profissional recomendado para a reintrodução dos exercícios físicos na rotina da pessoa, mas quando as interrupções são muito prolongadas, uma avaliação médica pode ser necessária, sobretudo para quem tem algum fator de risco como obesidade, diabetes, hipertensão, tabagismo e história familiar positiva para doenças coronárias.

Segundo Felipe Mucida, professor de educação física e coordenador fitness da Bodytech Belvedere, para voltar com segurança é essencial procurar um profissional qualificado, avaliar o estado de treinamento depois do tempo parado, analisar as perdas e traçar as estratégias para retornar ao estado anterior de treinamento, retornar gradativamente, dosar a intensidade e o volume do treino, não ultrapassar os limites. “Hoje, a maioria dos alunos tem consciência sobre a volta aos treinos, assim como a necessidade de esse retorno ser gradativo. Mas vale ressaltar que alguns cuidados devem ser tomados quando se trata de informações divulgadas por pessoas não habilitadas para tal prescrição, pois estas podem induzir os alunos a erros ao retomar o treinamento”, alerta.

Os principais erros cometidos são retornar ao treinamento sem levar em consideração o tempo parado. “Também é errado não buscar orientação com um profissional qualificado, não reavaliar a condição física depois da interrupção dos treinos, achar que não há perdas no desempenho depois desse período e voltar de forma exagerada”, pondera. Por isso, os alunos precisam ser orientados que, ao retornar, não darão continuidade ao treino anterior e que a relação entre o tempo de treino e o período afastado é determinante na avaliação de perdas no condicionamento. “Quanto mais treinado e quanto menos tempo ficar parado, menor será a perda. Já uma pessoa com pouco tempo de prática pode ter alterações muito significativas, mesmo após pouco tempo sem treinar”, diz.

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Lucas Boechat, ortopedista da Clínica Sportif (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Ficar uma semana sem treinar, por exemplo, promove perdas diferentes se a pessoa treina há um ano ou há três meses, exigindo ajustes distintos nos planejamentos de treino. Além disso, é necessário orientar um retorno progressivo, controlando o volume e a intensidade, para que não haja excessos e se evitem lesões. Segundo o ortopedista Lucas Boechat, períodos de repouso do esporte podem fazer parte e até ser necessários no processo normal de treinamento, para que o corpo possa se recuperar das microlesões causadas pela própria atividade. Inclusive, essas fases de relaxamento podem muito bem ser incluídas no planejamento temporal do esportista. “Pessoas acompanhadas por um educador físico, como nas equipes esportivas, academias e grupos de corrida, devem conversar com o treinador para que o recesso seja levado em conta nas planilhas de treinamento”, diz.

IMPACTOS
O descanso é importante. Mas quanto? Segundo Boechat, vai depender se o indivíduo é jovem ou idoso, atleta competitivo ou recreativo, tem ou não doenças associadas. “Atividades físicas diferentes e indivíduos diferentes (incluindo metas pessoais distintas) terão períodos de repouso ideais diferentes. Um corredor de rua, que tenha como meta uma maratona em dois meses, não deverá passar um período de um mês inteiro repousando. Já um jogador recreativo de futebol, que participará de um torneio amador no segundo semestre do ano, poderá, tranquilamente, curtir as férias de janeiro na praia, sem se preocupar muito com a manutenção da forma física”, explica o ortopedista.

Essa parada mais curta, de semanas ou um mês, pode ou não ter benefícios, o que vai depender de diversas variáveis. “Acho importante não separarmos o corpo da mente do indivíduo. Muitas vezes, o que uma pessoa que vive estressada em seu cotidiano mais precisa nas férias é de não ter preocupações, seja com o trabalho, seja com treinamento físico. Mais uma vez, além da individualização da resposta, para aquelas pessoas com metas e que praticam seriamente seus esportes, seria ótimo conversar com um educador físico para incluir o período de repouso dentro do planejamento dos ciclos de treinamento ou mesmo já começar a retomar os treinos durante as férias do trabalho”, defende Lucas.

Mas há como diminuir os impactos dessa parada. Para as mais longas, de um mês, por exemplo, algumas atividades adaptadas ao local de férias podem ser realizadas com prazer e eficiência. O representante comercial Henrique Costa Ferreira, de 40 anos, retornou à academia na semana passada e passará os próximos dias tentando voltar ao ritmo anterior às férias. Acostumado a malhar quatro vezes por semana – são 40 minutos de exercícios aeróbicos pela manhã e uma hora de musculação à noite – ele sempre enfrenta essa dificuldade após o tradicional descanso de fim de ano, quando para três ou quatro semanas. “Sinto muito o impacto dessa pausa. E nunca paro totalmente, porque mantenho uma corridinha pelo menos duas vezes por semana”, conta.

Mas há também os excessos de férias: a má alimentação e o consumo de bebida alcoólica. Um maior cuidado na semana anterior ao retorno, segundo Henrique, faz toda a diferença. “Se diminuirmos os excessos, voltaremos em uma condição um pouco mais favorável”, explica. Assim como o tipo de treino para recomeçar. “São exercícios totalmente diferentes. Trabalho mais alongamento e meu personal exige um pouco menos nos primeiros treinos, para o corpo ir voltando ao ritmo. O cansaço vai diminuindo com o tempo, mas, no primeiro dia, a dor muscular é insuportável. Por isso a importância de um professor de educação física ou personal acompanhando esse retorno. Sem essa orientação, a pessoa acaba se machucando”, defende.



Por que parou? Parou por quê?
Marconi Gomes, médico do esporte e cardiologista, membro do Grupo de Estudos em Cardiologia do Esporte da Sociedade Mineira de Cardiologia e diretor da Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte

A interrupção do treinamento regular é também denominada destreinamento. De uma forma geral, quando realizamos uma parada parcial ou total do treinamento, estamos interrompendo os estímulos destinados a manter as adaptações promovidas pelos exercícios físicos. Quando nos exercitamos regularmente, o corpo passa por alterações do ponto de vista muscular, cardiopulmonar e metabólico. Esse fenômeno obedece ao que chamamos de Princípio da Adaptação. Para que essa adaptação ocorra, conforme o objetivo de cada pessoa, necessitamos de uma frequência e intensidade de exercícios bem estabelecidos e que levem em consideração a situação atual do praticante. Pessoas com características diferentes necessitam de planejamentos obviamente diferentes. O professor de educação física é o profissional recomendado para essa reintrodução dos exercícios físicos na rotina da pessoa. Em determinadas situações, quando as interrupções dos exercícios são muito prolongadas, uma temporada, por exemplo, uma avaliação médica pode ser necessária para que aquela pessoa reinicie suas atividades físicas regulares, sobretudo caso ela tenha alguns desses fatores de risco como obesidade, diabetes, hipertensão, tabagismo e história familiar positiva para doenças coronárias. Existem diferenças significativas na magnitude das adaptações proporcionadas ao corpo pelos exercícios. Para o praticante que deseja ser fisicamente ativo com um bom condicionamento e aquele que deseja correr uma maratona, as diferenças no treinamento são enormes. Ou seja, estamos falando de estímulos diferentes para objetivos diferentes.

Quando interrompemos esses estímulos, seja por curto período, seja por um tempo mais prolongado, estaremos diante de um novo princípio: o Princípio da Reversibilidade. Isso quer dizer que as alterações benéficas alcançadas pelos exercícios podem desaparecer parcialmente ou totalmente quando paramos de nos exercitar. Muitas vezes o questionamento que se faz, diante das interrupções voluntárias ou não, ocasionadas por períodos de férias, viagens, compromissos sociais, lesões osteomusculares, quadros infecciosos é sobre o que acontece com nosso organismo quando interrompemos a atividade física programada. Essa resposta depende de quão condicionado você é, por quanto tempo você parou e se a interrupção foi parcial ou total. Enfim, muitas variáveis são necessárias para responder a esse questionamento.

Normalmente, os exercícios físicos são capazes de adaptações mais agudas (de rápido resultado) e adaptações mais tardias (resultados tardios). Dentre as adaptações mais imediatas, obtidas após exercícios físicos, destaca-se a queda da pressão arterial, também chamada de hipotensão pós-exercício (HPE). Sabe-se que os exercícios físicos podem causar uma queda da pressão arterial nas primeiras horas depois de realizada uma caminhada ou corrida de 30 minutos, uma sessão de spinning ou mesmo 50 minutos de academia, dentre outras diversas modalidades de atividades físicas. Ou seja, o corpo responde com queda da pressão arterial nas primeiras horas e, alguns trabalhos demonstram que essas alterações podem se prolongar por até 24horas ou mais, dependendo da intensidade do estímulo oferecido ao corpo.

Hoje, dados científicos demonstram a capacidade dos exercícios físicos regulares, sejam eles do tipo aeróbio, sejam do tipo de força (musculação), participarem o tratamento da hipertensão arterial ou da pressão arterial limítrofe (pré-hipertensão). Sendo assim, algumas sociedades médicas recomendam que não se deve ficar mais de 48 horas sem praticar exercícios físicos regulares. Da mesma maneira, adaptações mais tardias, a partir de 8 a 12 semanas de treinamento, podem causar ganhos relacionados à melhora do perfil lipídico (aumento nas concentrações do bom colesterol, chamado de HDL) e diminuição dos níveis de glicose no sangue. O exercício físico, nesse caso, atuaria na prevenção e tratamento do diabetes e também como agente fundamental para controle dos níveis de gordura no organismo.

Por outro lado, períodos de treinamento ainda mais prolongados e sistematizados podem gerar benefícios significativos na capacidade de realização de exercícios físicos, melhorando o que chamamos de consumo máximo de oxigênio. Esse termo pode ser parcialmente compreendido como a capacidade do corpo em tolerar exercícios prolongados, como uma corrida de rua, aulas de spinning, jump ou trekkings com longas subidas. Grande parte dos efeitos benéficos do treinamento retorna aos níveis anteriores ao treinamento, dentro de 4 a 8 semanas de destreinamento. Uma alternativa para manter os ganhos obtidos por vários meses é lançar mão de programas de manutenção compostos por uma ou duas sessões de exercícios por semana. Isso quer dizer que, caso você tenha que fazer uma viagem, ficar fora de seu local de treinamento por alguns dias ou tenha algum outro compromisso social que tome um pouco mais seu tempo durante alguns dias, tente, pelo menos, fazer exercícios por um a dois dias na semana. Isso pode atenuar suas perdas em relação à força muscular, capacidade aeróbia e flexibilidade.

Estudos têm mostrado que você pode manter o seu nível de condicionamento físico, quando houver necessidade em alterar ou reduzir a programação habitual, por até vários meses. Uma das formas encontradas é se exercitar em torno de 70% do seu consumo máximo de oxigênio, também chamado de VO2 máximo, por pelo menos, uma vez por semana. Daí a importância do profissional de educação física em orientá-lo adequadamente em como fazer isso da maneira correta.

Em um estudo espanhol de 2014 publicado na revista Nutrition, Metabolism and Cardiovascular Diseases, realizado com pessoas obesas (com idade média de 52 anos) que fizeram treinamento físico aeróbio por quatro meses, foram demonstrados benefícios na capacidade aeróbia, aumento do HDL (bom colesterol), queda da pressão arterial, diminuição da circunferência da cintura e melhor controle da glicose. Em apenas um mês de interrupção do treinamento, constatou-se perda dos benefícios, que se mostraram mais acentuados nos ganhos aeróbicos, no controle da glicose e nos níveis do colesterol HDL.

Importante ressaltar também que atletas profissionais ou mesmo esportistas amadores treinados por um período prolongado (ex: corredores de rua) apresentam uma queda mais gradual da capacidade física ao pararem de se exercitar, quando comparados com praticantes menos experientes. Por exemplo, estudos descobriram que quando os corredores bem treinados, ciclistas, ou nadadores suspendem totalmente seus treinos, eles perdem, em média, apenas um pouco mais de metade dos seus ganhos no condicionamento aeróbico em cerca de 3 meses. Em contraste, quando as pessoas sedentárias são treinadas em bicicleta ergométrica por 2 meses, existem ganhos da capacidade aeróbica que são totalmente perdidos quando a atividade é interrompida pelos mesmos 2 meses.

Se você parar de se exercitar completamente durante vários meses, é difícil prever exatamente quanto tempo levará para retornar ao seu antigo nível de condicionamento físico. Depois de um intervalo de três meses, é improvável que atletas ou esportistas bem treinados voltem à condição de pico em apenas uma semana. Em alguns atletas podem ser necessários até três meses para recuperar todo o seu condicionamento. O tempo que leva para recuperar a forma física parece depender da capacidade aeróbia original e por quanto tempo você parou de se exercitar. Se você era muito bem condicionado antes de sua paradinha, ótimo! Provavelmente seu retorno será mais rápido. Se você conseguiu um certo ritmo, mas ainda não está com a capacidade física em níveis muito bons, pense bem antes de parar totalmente. Seu retorno poderá ser um pouco mais lento e demandará uma grande dose de força de vontade.